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Aquele carnívoro do Dalai Lama…

Parece que existe mesmo algo como “os prazeres politicamente-incorretos”. Senti isso ontem ao dar, na revista Planeta (edição 408, ano 33), com a carta dum leitor indignado a respeito dum artigo publicado anteriormente, artigo esse que tinha o Dalai Lama como assunto. O tal leitor – Sr. Virgino – demonstra toda sua lástima por descobrir que nosso amigo lama não é, segundo ele, um ser de fato compassivo, uma vez que costuma comer carne mais de uma vez ao dia. Eis a missiva:

O Dalai Lama na berlinda
Em PLANETA 406, li a matéria com citações do Dalai Lama: “Como alcançar a paz de espírito”. É com pesar que revelo minha decepção em relação a esse líder budista. Por onde quer que ele passe, em qualquer matéria sobre ele, o tema é a compaixão. O Dalai Lama parece um incansável apóstolo da compaixão. Mas eu pergunto: até onde deve ir nossa compaixão? Será que devemos deixá-la de lado quando estamos diante de um prato de comida?

Na página 60 de seu livro A Prática da Benevolência e da Compaixão, ele fala sobre sua dieta alimentar e revela, sem o menor constrangimento: “Às 12h30, eu almoço, geralmente comida não-vegetariana, embora a minha preferência seja a vegetariana… Algumas vezes thupka (sopa com macarrão), ocasionalmente momo (bolinhos de massa cozidos no vapor com carne) e skabakleb (pão frito recheado com carne)”.

É deprimente saber que o líder maior do budismo tibetano não siga os preceitos de Sidarta Gautama, o buda histórico, cujo princípio religioso mais elevado é ahimsa – a não-violência e a compaixão. Mas a compaixão não exclui nenhuma forma de vida, especialmente a dos nossos irmãos indefesos encarnados em corpos de animais.

Eu sugiro ao Sr. Virgino a leitura do livro dum autor – segundo o critério acima exposto – muito mais compassivo que o Dalai Lama, uma vez que o sujeito não comia carne de forma alguma e, inclusive, talvez fosse ainda mais budista, tendo adotado um símbolo tibetano para o seu movimento político: Mein Kampf (Minha Luta), de Adolf Hitler. O quê?! Hitler era vegetariano? Sim, era. E adorava animais. Mas infelizmente o Senhor do Universo tem toda a razão: não é o que entra pela boca o que pode nos levar ao mal, mas sim o que sai dela. O Sr. Virgino pode ficar muito chateado com isso, mas não se atinge a compaixão através meramente duma dieta.

Cá entre nós, tenho ficado cada dia mais satisfeito com o Dalai Lama. Recentemente, postei aqui o que ele disse numa entrevista sobre a expansão do budismo pelo ocidente:

“Em razão do meu respeito e da minha admiração por outras tradições religiosas, eu sempre aconselho as pessoas que é melhor e mais seguro que cada um conserve a sua tradição religiosa… ao invés de adotar uma nova. (…) Por vezes, vemos uma tendência new age, de alguém que pega um pouco daqui, um pouco de lá, coloca tudo num liquidificador, mistura tudo, e às vezes coloca um rótulo de novo budismo. Acho que isso é um erro, é melhor que você siga uma tradição autêntica””

O cara não poderia ser mais exato. Afinal o que é a religião? No que se refere ao indivíduo a religião não é senão o nome dado à relação entre a criatura e seu Criador, entre o filho e o Pai. Assim, é o meu relacionamento com Deus que se chama religião, tal como minha relação com uma mulher pode ser chamar namoro. Já no plano da coletividade, uma tradição religiosa é a relação duma determinada Cultura com o seu mais elevado Ideal. Se não temos raízes fincadas nesta ou naquela Cultura – raízes essas muito além da contigüidade racional – como poderei me aproveitar dessa tradição para ampliar e intensificar minha relação com Deus?

P.S.: Semana passada, tive uma conversa das mais interessantes com a Andréa Leão e a Cássia Queiroz, a respeito de budismo, do Espírito Santo, da Mente Cósmica, etc. Qualquer dia entrarei no assunto.

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3 Comments

  1. Thomas Mattos

    Amigos, o exposto acima demonstra total ignorancia no que diz respeito ao conhecimento da tradição tantrica oriental e budista. O elemento fogo (tattwa tejas) somente é encontrado na carne vermelha, por isso aquele yogue que trabalha com a energia kundalini deve alimentar-se de carne vermelha para robustecê-la. A alimentação vegetariana foi criada para tornar as maças indianas mais passivas e facilmente governáveis.
    Esquecemos que mesmo nas plantas existe vida ou uma essencia elemental encarnada, deveríamos morrer de fome para não comer seres vivos? Mesmo na pedra existe um elemental em evolução, tudo que se move (átomos) tem vida e energia, apenas nossa ciência materialista que nem sequer conhece a matéria em si pode conceber tais absurdos.
    Não se deve matá-los intencionalmente, este é mandamento do sábio ou iniciado. Visto que é impossível não matar, ao caminharmos cuidamos as formigas que esmagamos diariamente? Milhões de bactérias não morrem diariamente para nos manterem vivos?
    Reflitam e leiam o livro:”O mundo do Budismo Tibetano” da Ed. Nova Fronteira.
    Há niveis e niveis, nunca se sabe tudo.
    Realmente não há “religião de cozinha”, mas a maior de todas é o amor desinteressado ao nosso próximo.
    Paz para todos.

  2. Clave&

    O que poderia dizer sobre Os Mestres de Gurdjieff?

  3. Tiago Felsky

    Na verdade embora o Dalai Lama não tenha uma dieta vegetariana como regra, ele reconhece que seria mais correto. No seu livro, “Uma Ética para o Novo Milênio. (Rio de Janeiro, 2000)”, ele diz:

    “(…) estou certo de que, se seguisse uma dieta rigorosamente vegetariana, não só estaria dando um bom exemplo como ajudaria a salvar a vida de animais inocentes. Até agora não o fiz e, portanto, tenho de admitir que existe uma discrepância entre meus princípios e a minha prática em algumas áreas. (…) Mas o meu lema é: “Tanto quanto pudermos” (…).”

    “Um ponto positivo na evolução da sociedade moderna, junto com o crescente reconhecimento da importância dos direitos humanos, é a maneira como as pessoas se preocupam mais com os animais. Há, por exemplo, uma consciência cada vez maior da crueldade que se pratica nas fazendas dedicadas à criação industrial. Parece, também, que mais e mais pessoas interessam-se pelo vegetarianismo e estão diminuindo seu consumo de carne. Saúdo isso com alegria. Minha esperança é que, no futuro, esse cuidado se estenda até as menores criaturas do mar.”

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