Caro Pedro
O roteiro de curta-metragem Espelho (anteriormente Reflexo e, depois, No Espelho do Cinema) foi um presente de dia dos namorados que dei à Cássia há dois anos, quando ainda estávamos juntos. Se o roteiro foi aprovado numa lei de incentivo (20 mil e não 30) o mérito é todo dela, porque, além de eu achar uma chatice toda a burrocracia envolvida, sem falar das panelinhas, me sinto, sim, um peixe completamente fora d’água nessa questão vampiresca, tanto que não receberei cachê pelo projeto, pelo roteiro e pelo trabalho que eu por ventura ainda venha a ter com ele. Já disse a ela que não quero nada e você pode confirmar. O projeto é dela, está no nome dela e meu nome consta apenas na Cessão de Direitos do meu roteiro. Quanto ao meu laptop, eu o paguei com dinheiro que recebi de um trabalho como monitor do Dib Lutfi (aliás, fui praticamente diretor das filmagens, porque ele mesmo me pediu para ser dirigido, ou a coisa não iria andar) e como roteirista do making of do FICA, juntamente com uma grana emprestada por minha irmã. (Meu eterno obrigado a você, Pedro, pela oportunidade, não esqueço essas coisas.) Se sua produtora tinha ou não capital de giro, se ela me pagou com dinheiro que recebeu do estado ou de empresas privadas, Pedro, eu não faço idéia, e isso não importa para quem vende a própria força, talento e capacidade de trabalho. Aceitar fazer um trabalho por uma determinada quantia é bem diferente de ganhar aquilo que a própria pessoa estipula num orçamento muitas vezes arbitrário e distante da realidade do mercado. (Aliás, quatro anos atrás, fiz 19 roteiros para uma agência publicitária de Brasília, que fazia a campanha do Detran e do Procon, e nunca fui pago, não porque abri mão da grana, mas porque eram desonestos mesmo. Prometeram, prometeram e no final nada. Quem mandou eu confiar em petistas e não exigir contrato de trabalho? Quem trabalha tem de receber, porra!) E, falando em orçamento arbitrário, o Eduardo Castro, que está montando aquele documentário explosivo sobre a Guerrilha do Araguaia, me falou sobre um certo documentário bobo, a que assisti no Festcine, que, segundo ele, não custou mais de R$3000,00 mas recebeu da lei R$50.000,00. Onde foi parar essa grana? Está certo isso?
Na minha opinião, o Ricardo deveria receber não 80 mil reais, mas 80 mil dólares para rodar o curta dele. Só que esse dinheiro deveria vir de empreendedores, não de produtores indiretos e compulsórios, tal como é agora, mas, sim, de gente que queira viver do cinema e ter lucro com ele. (Daí meu manifesto para estudantes de administração e empreendedores em geral. Porra, já existiram empresas de cinema nos anos 50 do século passado, por que não podem existir agora?) E se um curta não dá retorno financeiro, é porque se trata dum cartão de visitas, dum trabalho de marketing para quem o fez. E isso também seria vantajoso para quem quisesse se estabelecer como produtor de cinema.
Eu acho que esse sistema de incentivo está viciado sim, e tem muita gente por aí comprando até carro com a grana. (Eu ando de Caravan 1983 até hoje.) Conheço gente em Brasília que abriu editora e, para cada livro que lança, entra com um projeto diferente numa lei de incentivo. E ainda ganha mais que o triplo do autor! Ou seja: é uma empresa privada cujo capital de giro e cujo lucro vêm prontos do Estado! Isso é muuuuito esquisito e só funciona para quem tem o famigerado Q.I., o Quem Indica. A própria Cássia tentou me convencer várias vezes a publicar meus livros mediante essas leis, mas nem fodendo, não me meto mesmo com isso, prefiro ficar na internet e esperar que as pessoas entendam o potencial dos ebooks, com os quais venho lidando desde 2000. (Um dia irão emplacar!) Só não me tornei editor (de mim mesmo) este ano porque minha família não aprovou a venda de um terreno nosso, que eu propus especificamente para isso, por 80.000 reais. Dinheiro nosso!!! Aceitei a decisão porque afinal tenho três irmãs, meus pais estão mais vivos do que eu e, por isso, não posso pretender ser o único herdeiro de algo que ainda pode ser usufruído por toda a família. Além de publicar dois novos livros que tenho engatilhados, eu iria reeditar A Tragicomédia Acadêmica e sair arregimentando vendedores (estudantes interessados, Centros Acadêmicos, etc.) pelas universidades do país, dividindo o lucro pau a pau. Mas… a vida não é mole, principalmente para quem tá cagando e andando para esses incentivos que só têm incentivado uma maioria de gente muito ruim, sem qualquer talento, pretensiosa, amoral e com o ego nas nuvens. Até parece que isso irá levar o cinema a algum lugar. Faz-me rir…
Cá entre nós, cada dia que passa fico mais fã do Francis Ford Coppola — é preciso dizer o nome completo e não apenas Coppola, não se deve esquecer de articular o sobrenome Ford como quem estivesse a dizer “Forte” –, afinal o cara não apenas rodou um dos melhores filmes de todos os tempos (Apocalipse Now), mas chegou a vender uma fazenda e falir sua empresa para finalizá-lo: ele tinha visão e acreditava nela. Sem falar que é um caso raro de diretor e produtor, de artista e empreendedor, uma figura a quem Spengler certamente atribuiria o qualificativo de gênio, isto é, “a força fecundante do varão que ilumina toda uma época”. Em suma, o cara é Macho pra caralho!!!
Enfim, conforme passam os anos percebo com maior clareza o porquê de o Rubem Fonseca ter ido aos Estados Unidos estudar cinema e, ao voltar, não ter escrito senão livros e contribuído com um roteiro ou outro. Direção? Para quê? Porque esse país gosta mesmo é do atraso, odeia empreendedores, gosta é de mamar nas tetas do Estado, se caga nas fraldas até hoje, e não passa de um adulto infantilizado, mais ou menos como eu o sou. Qualquer pessoa madura sabe que a maior vitória que há é a vitória sobre si mesma, e não é outra coisa o que o escritor faz: é ele contra o papel em branco, contra o Word em branco, contra o destino em branco, contra seus fantasmas, contra si mesmo. O diretor de cinema, ao contrário, quando não é autor do próprio roteiro, já está com meio caminho andado, bastando-lhe apenas vencer as circunstâncias e um que outro idiota que possa cruzar seu caminho, seja ele um profissional incompetente, um ator metido a estrela, um produtor estressado e assim por diante. (Claro, com produtor quero dizer “administrador do orçamento”, uma vez que não existe investidor estressado no Brasil, afinal, o dinheiro é todo a fundo perdido e vem dos contribuintes.) E é apenas por isso que, para um escritor como Rubem Fonseca, muito maior valor há em escrever um livro, e vencer a si mesmo, que em vencer idiotas com o uso duma câmera: porque é sempre muito mais digno de nota vencer alguém tão filho-da-puta, espertinho, escroto, vagabundo, traiçoeiro e devasso, como cada um de nós é lá no fundo, do que vencer esses vícios nos outros, é muito mais difícil vencer a si mesmo interiormente do que dominar o outro exteriormente. (Não encare o verbo “vencer” no sentido negativo, mas no sentido de “conduzir sem sofrer oposição”.) Para mim, cinema é narrativa, tal como a literatura, e pouco me importa o que pensam os anti-narrativos. Aquelas porcarias que em geral ganham o rótulo de “cinema experimental” — a única forma legítima de experimentação que reconheço se chama criatividade — não passam de expressões do interior duma pessoa que é, lá no íntimo, tão confusa e vazia de significado quanto seu próprio filme. Escrever e filmar é, a princípio, a mesmíssima coisa. A diferença está em que é muito mais barato controlar meus dedos que agora teclam do que todo um set de filmagem. A diferença está no nível de controle, de poder. Por isso, quanto mais dinheiro para se fazer um filme, melhor, mais recursos serão movidos de acordo com seus pensamentos. Nesta linha de raciocínio, posso afirmar que o Ricardo deveria receber não 80.000 dólares, mas 1 milhão. Mas, porra, a gente vive num país miserável!!! Desde a tal “Constituição Cidadã”, o Estado não faz senão amarrar a mão dos empreendedores e, de forma suicida, tentar absorver toda a mão de obra que acabou desempregada por sua própria culpa. (Isso quando não parte de vez para os projetos assistencialistas.) Não existe o moto-perpétuo. Dinheiro do Estado é dinheiro confiscado ao povo, aos empresários. (Vale lembrar que qualquer um que conseguisse poupar poderia tornar-se um empreendedor em potencial, mas o estado não o permite.) Em suma: o governo está matando a galinha dos ovos de ouro, vai se foder logo logo. E nós com ele.
Você acha que um empresário, caso tivesse uma visão clara do processo, ficaria feliz em ajudar a realizar um filme por meio de leis de incentivo? É um labirinto o caminho que esse dinheiro percorre. E estamos num país de impostos altíssimos. O cara está “dando” aquela grana ao cineasta, a qual supostamente pertence ao Estado na forma de tributos, e ainda acha bonito. Mas ao menos 70% dela não deveria pertencer senão a ele. Porque o Estado é um vampiro sanguessuga que atrapalha a prosperidade deste país. Sem falar nos sanguessugas circunstanciais, tal como esses negociadores de notas fiscais que pretendem ajudar o realizador a “provar” que o dinheiro do orçamento do filme foi realmente gasto conforme o estabelecido. Veja o absurdo: no Brasil as notas fiscais são verdadeiros produtos que dão lucro a um monte de gente!! “Ah, fulano cobra menos pela nota, vamos fazer com ele…” É uma seqüência de trambicagens fora do comum.
Conclusão: tô cansado desse tal de cinema brasileiro. Vão todos tomar nos seus respectivos e supostamente imaculados cus. Porque fazer cinema no Brasil é de fato um cu. O cu do povo. Hoje em dia, onde quer que haja um cu, há um representante do estado lá dentro. Muah hahahaha! (Rindo para não chorar…)
bruno costa
contundente.
[]s
Nestor
E o pior de tudo é a “tchurma” comemorar e considerar esse tipo de coisa uma “boa noticia”. Prá cima da gente?
Outros que certamente também acharam ótimas notícias a liberação de seus respectivos financiamentos (na época) foram a Norma Bengell e o Guilherme Fontes, só para ficar nos casos mais óbvios de desvio, incompetência, má-fe descarada, notas frias e tudo o mais que faz parte dessa sujeira que é o “incentivo à cultura”.
yuri vieira
Cu-tundente, Bruno. 🙂
Esqueci algumas coisas – lembrava de todas até algumas horas atrás, mas agora só lembro de duas: sim, a Cássia recebeu 20 mil pra fazer o curta-metragem, mas teve de pagar os 10% do captador (outro tipo de mal necessário ou parasita que prolifera por todo canto cultural), sem falar no imposto. Pois é, isso aí não consigo entender nem que a vaca tussa: o proponente do projeto calcula um orçamento e, ao receber a grana, que vem do imposto de alguma empresa, tem de pagar imposto sobre esse valor!! É o imposto do imposto!!! Em suma, ela deve ter recebido menos de 17 mil – preciso confirmar o valor exato – que será quase totalmente usado para pagar técnicos, que merecem, e o blow up de miniDV para 35mm. (Só este último dá uns 15 mil.)
Ah, lembrei o que ia dizer. Na UnB, há o CPCE – Centro de Produção Cultural e Educativa. Os caras possuem equipamento de cinema, de vídeo, ilha de edição, iluminação, o escambau. Trabalhei com eles durante o curso do Nélson Pereira dos Santos. Pois então, lembro-me das dificuldades que eles tinham em manter o equipamento up-to-date e funcionando. Não era sempre que tinham verba para comprar algo novo. Daí as mil e uma frescuras para consegui-lo, toda a burocracia, a papelada, afinal, não queriam arriscar objetos tão caros na mão de alunos inexperientes. (E isso numa universidade!) Bom, voltando às leis de incentivo. O que acontece é o seguinte: muitas vezes neguinho espreme a cabeça oca, visando ter uma boa idéia (sei), apenas para apresentar um projeto superfaturado que o ajude a comprar seus próprios equipamentos. Aí, aquele filme, que custaria 3000 reais em fitas miniDV, gasolina para os deslocamentos, comida, etc., acaba custando é 50.000 reais, uma vez que, para realizá-lo, o proponente teve de comprar uma câmera HDV, um Mac para instalar o Final Cut e um carrinho pra chegar até a locação.
O que essa turma não percebe é que o Estado está se tornando sócio de todo mundo, todos podem ser pequenos CPCEs, basta um projetinho bem montado e um currículo (em que mamãe pôs talquinho) bem apresentável. O problema é que jamais terão completa liberdade de fazer o que lhes der na telha, tem de ficar esperando um grupo de “especialistas” aprovar o roteiro. A não ser os petistas, é claro, tipo aqueles gaúchos do NAO TIL, o cara da Ilha das Flores e tal. Sempre aquela coisa ou mal feita e sem sentido ou, ainda pior, politicamente correta. Não passa duma gente dinheirista que faz o trabalho pensando em se locupletar às custas do erário, deixando a parte artística, a estética, em segundo plano. Mesmo no caso dos documentários. Duvido que alguém aqui tenha uma idéia de filme pela qual venderia a própria fazenda, a casa, o apartamento, o carro e faliria a própria empresa. Neguinho quer é mamar, posar de cineasta, comprar uns “eletrônicos”. É isso.
P.S.: O negócio agora é esperar o bombardeio dos demais Gargantas de Fogo…
pedro novaes
Prezado Nestor,
Eu conheço o Yuri há muitos anos e é um dos melhores amigos que tenho e das pessoas que mais prezo, por isso me sinto na liberdade de me dirigir a ele da forma como me dirigi no comentário ao comentário dele e aprecio que ele se dirija a mim no mesmo tom. Mas quanto a você, não o conheço e apreciaria um pouco mais de cuidado com suas afirmações e o tom delas. Como costuma dizer o próprio Yuri, aqui é a casa dele/nossa, e quando se entra numa casa convém se informar sobre seus ocupantes antes de sair falando bobagem.
Eu sou sócio de uma produtora de cinema e beneficiário da Lei Rouanet. Não sou o Guilherme Fontes, nem a Norma Benguel. Trabalho no mínimo umas 14 horas por dia pros meus projetos darem certo e de forma muita cuidadosa com o dinheiro público de que me beneficio. E não sou o único. Há muitos picaretas, mas há tanta gente boa e correta quanto. Trate a mim e a meus colegas de trabalho de cinema com respeito.
E sim, a cultura é viciada em dinheiro público, etc, etc. Isso é o óbvio sobre o qual discorro com mais tempo depois porque agora tenho que ir trabalhar pra merecer meu dinheiro público.
daniel christino
Cada vez tenho a impressão mais nítida de que essa história do “de onde vem o dinheiro” só faz sentido se o produto final for uma porcaria. Se eu pegar o dinheiro do Estado e isso ajudar a montar uma produtora e depois ela se firmar, sei lá, no mercado publicitário – não necessariamente no cinematográfico (porque o Yuri acabou de descobrir o segredo de Polichinelo: cinema não dá dinheiro no Brasil). Qual é o problema? Acho até que o Estado deveria financiar Produtoras e não filmes. Entraria na conta do “empreendedorismo”. 🙂
Vou dizer como eu acho que um capitalista pensa: eu tenho x milhões para investir. Ótimo, onde eu aplico meu dinheiro??? Faço um cálculo básico: se eu colocar ele na ciranda financeira, quanto eu ganho depois de, sei lá, 1 ano? As projeções de lucro de um filme são iguais ou melhores? Se forem, eu aplico no filme – correndo o risco, maior do que algumas aplicações financeiras, porque aí eu não tenho apenas que lidar com a matemática, tenho que lidar com pessoas, e lidar com pessoas é uma merda -, se não forem, um beijo e um abraço.
Tá vendo como o capitalismo é simples: faz aí uma planilha no excel mostrando como eu vou ganhar mais dinheiro do que se aplicar na bolsa, com um risco menor e eu te entupo de grana. Capitalismo não é só grana não, galera, é todo um sistema de valores e cultura. Falta aos empresários a visão de que “mais é menos”. Do ponto de vista de quem não tem um centavo está claro, mas vai explicar pros caras (uma época eu tentei pegar financiamento da Coca-cola para realizar o I-am-the-eye do Yuri, e eles – que visão!! – não gostaram do final e queriam alterá-lo. Eram católicos e esse negócio de viagem astral pegava muito mal, ainda mais para quem doou um dos vitrais da basílica de trindade. O Yuri não cedeu, eles não deram o dinheiro, a coisa morreu ali).
Por fim, eu também gosto muito do Yuri. Corre o risco da nossa amizade ser mais antiga do que com o Pedro (de quem também gosto pacas), mas REEDITAR A TRAGICOMÉDIA??????????? Desculpa, cara, mas bola pra frente. Cadê o próximo romance? Edita ele estilo mimeografia e inscreve em Parati. Entra num concurso literário – por mais que as cartas sejam marcadas, as pessoas reconhecem o talento -, rebaixe-se um pouco, assim como quem se agacha para ganhar impulso. Desamarra o maldito bode. Béééééé.
Paulo Paiva
Como disse o Yuri, cinema é a união entre indústria e arte. Pensando nisso e na sociedade com o Pedro (sim, para quem não sabe, eu sou o sócio dele) resolvi fazer um MBA no ano que vem em gestão empresarial. Talvez possamos contribuir para o surgimento de um mercado nacional de cinema, como na Nigéria, por exemplo. Como assim, Nigéria? Sim Nigéria, my friends:
Yet in just 13 years [desde 1992, na verdade], Nollywood has grown from nothing into a US$250 million-a-year industry that employs thousands of people. The Nollywood phenomenon was made possible by two main ingredients: Nigerian entrepreneurship and digital technology.
Procurem na Wikipédia por Nollywood. Se lá a coisa fluiu, porque não pode aqui?
yuri vieira
Olhaí eu sendo, nem direi mal interpretado, mas mal lido. Se eu tivesse dito que cinema não dá dinheiro no Brasil, estaria louco ao querer propor a empreendedores que se metam neste negócio. É claro que acho que cinema pode sim dar lucro por aqui. Quando disse que “não há retorno financeiro” me referi a curtas-metragens, não aos longas. Disse que os curtas são investimento em marketing, um cartão de visitas. Mas podem dar lucro se exibidos num “pacote”, como naquele “Contos de Nova York” e outras coletâneas de diretores diferentes trabalhando o mesmo tema. Poxa, se havia mercado nos anos 50 por que não haverá hoje? Graças à TV? A TV não impede os americanos de ganharem dinheiro por aqui.
É por essas e outras que meu futuro Manifesto Cinematográfico será voltado para Estudantes de Administração e Empreendedores em Geral: porque os intelectuais e os artistas não entendem. Ora, capitalismo não é só bolsa de valores e aplicação de dinheiro aqui ou ali. Meu cunhado é dono de uma autopeças. Ele sempre entendeu de vendas e resolveu sobreviver dos carros. Quando conseguiu poupar uma grana, não comprou ações da Google, da Brasmotor ou da Bic Caloi – ele abriu seu próprio negócio. O que as pessoas não percebem é que uma produtora de cinema – de cinema e não de publicidade ou quejandos – não precisa necessariamente possuir todos esses equipamentos caríssimos. O Monteiro Lobato, tal como o Francis Ford Coppola, também vendeu sua própria fazenda para abrir a Monteiro Lobato & Cia (mais tarde Companhia Editora Nacional). Naquele tempo, abrir uma editora era caro, já que era preciso adquirir toda a maquinaria de imprensa. Hoje não. Qualquer um, da própria casa, e tendo dinheiro para investir (e isso é que é difícil num país anticapitalista como o nosso), pode criar sua própria editora, afinal, a parte gráfica da questão é terceirizada, qualquer cidade tem uma gráfica razoável que pode realizar esse trabalho. O que os possíveis produtores de cinema precisam saber é que o produto final é o filme, não o espaço da produtora com seus equipamentos e funcionários. Equipamento vc aluga, gente vc contrata. Tenha certeza de que esses orçamentos superfaturados não visam outra coisa senão realizar a parte física do problema, isto é, comprar equipamentos. Se o governo quer estimular a criação de produtoras – tal como o Daniel diz – que crie formas de empréstimo específicas para isso. Caramba, neguinho pega uma puta nota para fazer um filme, mas faz é uma produtora! E não fica devendo nada!! O dinheiro chega de mão beijada, senhores. Basta depois apresentar um filminho qualquer, uma bobagem sem pé nem cabeça, um documentariozinho com uma mensagem social confusa, e claro um orçamento aparentemente justificado por uma pá de notas fiscais, e pronto. É fácil…
Um conhecido meu me contou que esqueceu de calcular a grana do imposto em seu orçamento. (Porque o negócio é tão maluco que as pessoas já incluem o valor do imposto ali, assim, quando o dinheiro do patrocinador entra, já entra a mais para retornar em parte ao Estado.) Enfim, sua grana decaiu tal como a da minha ex-namorada, que também não calculou o imposto. Ele também ficou desesperado porque não estava conseguindo uma empresa para patrocinar seu projeto, o prazo estava acabando e a tal lei não permitia o serviço dum captador. Ora, o próprio orientador oficial dos proponentes, um funcionário do Estado, que sabe melhor do que ninguém quais são as regras, disse: arranja um captador. Meu amigo achou aquilo muito estranho e disse: mas a lei não permite e por isso não incluí essa verba no orçamento. E o cara então lhe explicou como fazer: “vc tem aí previsto um gasto de R$3000 com iluminação. Pega R$2000, compra uma nota fiscal, coloca lá que ela corresponde a uma parte da iluminação, dá pro cara assinar como fornecedor de equipamento de luz e o pague”. E esse meu conhecido só ficaria com R$1000 pra bancar a iluminação? E o outro: vc prefere ficar sem nada? Depois começou a odisséia para encontrar o neguinho que vendia a nota mais barata: um cobrava 10% do valor, outro 8% e, finalmente, o mais mafioso cobrava 5%. Eu pergunto: é essa a transparência ensinada pelo próprio “povo do governo”? É preciso prestar contas, logo, minta direitinho. Deus me livre disso tudo. Quem quiser meu trabalho de roteirista, faça um contrato comigo e pague por meu trabalho, mas não me meta nessas loucuras. E se algum dia eu me aventurar a ser produtor, será vendendo minha fazenda, não passando para o lado de lá da ética. Se essa gente faz isso para ajustar um problema comum que poderia ser resolvido duma forma mais clara, imagine o que não fará para usar o dinheiro na compra duma super-mega-giga-tera-câmera HDV. Ou na compra dum apê…
Aliás, cá entre nós, só conheci uma pessoa com potencial para ser produtor ao estilo norte-americano. Essa pessoa consegue mover meio mundo para levantar uma pirâmide, se necessário, e ainda tem um espírito de artista. Seria um Coppola se estivesse nos EUA. Mas ela ainda está presa à idéia de que, primeiro, deve ter toda a base material antes de fazer um filme. (Precisa é de grana! Grana!) Tá lá, em SP, pirando com seu super-mega-giga-tera-estúdio. E não tem tempo para o filme, precisa pagar as contas do negócio… Neste ponto, sempre me lembro do Krishnamurti: o meio é o único fim, logo, aja corretamente desde já. O fim é geneticamente ligado ao meio, de quem é filho: como alguém espera parir um anjo fodendo com um monstro?
yuri vieira
Empolguei. Quero que algum economista me explique isso que venho falando, o imposto do imposto do imposto do imposto do… e assim por diante. A grana do projeto apresentado a uma lei de incentivo vem do imposto que seria pago por uma empresa. Ok. Mas aí o proponente do projeto precisa pagar imposto sobre essa grana, e em geral já inclui esse cálculo na planilha. (Imposto sobre o imposto?!) Mas não acabou. Depois disso tudo, cada serviço previsto no orçamento deve ser confirmado por uma nota fiscal, ou seja, cada serviço será novamente taxado segundo a porcentagem da nota. (Imposto do imposto do imposto?) Quando vi, no Second Life, uma dessas câmaras de tortura para brincadeiras sexuais BDSM, saquei de cara: o Estado brasileiro é Dominant (e em geral sádico) e o povo é Submissive (e muito masoquista). Que outra explicação teria esse gosto pelo Bondage, esse tesão em ser amarrado por mãos, pés, mamilos, pau, clitóris, língua e ainda levar chicotadas? O povo aqui gosta mesmo é de apanhar e de dar sua rodela de ouro (sua moeda, seu dinheiro) ao Estado, de ser fodido enquanto está algemado a uma mesa forrada de couro. (Os venezuelanos parecem curtir muito isso aí também. Estão lá, de quatro, o pintão vermelho do Chávez ejaculando petróleo em seus rabos. Que lindo! Falando nisso, a maior parte da ejaculação financeira que banca o cinema aqui vem da Petrobrás, aquela mesma empresa que resultou do roubo de vários poços particulares pelo governo Vargas.)
Algum economista tem uma explicação melhor? Cadê o pessoal do Instituto Millenium ou do De Gustibus? Ah, eles tem mais o que fazer…
[]’s
Paulo Paiva
Yuri, eu já tentei te explicar isso! (E não cosegui, pelo visto). Quando o dinheiro ($) sai do bolso do empresário para a conta de um projeto aprovado numa lei de incentivo, ele deixa de ser imposto. Ele seria imposto se fosse pago ao governo, mas não foi. A lei de incentivo “transforma” esse $ de imposto em recurso financeiro para investimento. Ou seja, o $ vai “rodar”. E toda vez que o $ roda, paga-se imposto. Só não pagaria, se houvesse uma lei isentando produtoras do pagamento de impostos! Qualquer gasto em qualquer área deve ser feito considerando impostos. Não importa de onde vem o $. Quanto às notas fiscais, elas são um comprovantes do gasto efetuado, pois como o $ vem de uma isenção de impostos, e, portanto, é $ público, deve-se prestar contas à sociedade. Para possibilitar a análise da sociedade (caso ela queira ver o que foi feito com o seu dinheiro, via ministério público, por exemplo, ou até mesmo individualmente) a papelada deve estar certinha. Se houve venda de notas, houve um crime, e como crime deve ser julgado. Parte-se do pressuposto que as notas são quentes, mas sempre pode-se imputar uma investigação, caso hajam denúncias, valores fora do razoável ou o não cumprimento do objeto. É aí que entram as tão famosas “instituições” da sociedade civil, que devem ser fortes para prover o controle necessário e saudável do sistema! Ressalto que o controle com o uso de notas fiscais é generalizado. Não é de uso exclusivo no poder público. Muito pelo contrário. No setor privado é um método universalmente utilizado! Só que, bem, vc sabe, sempre haverá alguém que vai mentir…
daniel christino
Vou mais longe do que o Yuri. Não é o curta metragem que não dá grana, é o cinema hermético e autoral, geralmente associado à estrutura dos curta-metragens. Sempre fico imaginando onde o Julio Bressane consegue dinheiro para viabilizar as porralouquices dele. Mas ele tá lá (embora os filmes sobre São Jerônimo e Nietzsche sejam bons), regularmente, fazendo cinema e mandando à merda quem não gosta do que ele faz.
Exemplo: os filmes que eu gosto passam longe do padrão global, mas os maiores sucessos de bilheteria são exatamente as comédias românticas com atores de novela e que tais.
Acho que o Pedro e o João já fizeram isso, mas quando você tiver que apresentar, em números, no power-point e no excel, a performance financeira do seu departamento ou curso de graduação, para um board de acionistas curiosos em saber qual é o RETORNO do investimento deles (algo em torno dos 5 milhões de reais só em jornalismo) comparado ao que poderiam estar lucrando num outro investimento qualquer – mas botaram o dinheiro nas suas mãos; aí sim, você vai sentir o que é o capitalismo. Até lá fazemos malabarismos com o dinheiro dos outros e isso é fácil.
Daí eu pergunto: se vocês, qualquer um de vocês, tivesse um milhão de reais para investir, investiriam num documentário? Numa editora? Não podendo investir em vocês mesmos, investiriam em quê? Eu aplicava e, talvez, investisse parte dos juros. No mais usava o dinheiro para comprar as produções culturais do americanos e europeus, sempre muito boas e divertidas, e as assistiria satisfeito no meu home theater com som estratosférico e diante da minha ultra-super-hyper-vision TV de plasma de 50 polegadas.
Claro, há sempre os loucos, mas eles são apenas uma nota de rodapé estatística.
paulo paiva
Daniel, seu raciocínio está certíssimo. É por isso que juros altos não favorecem o desenvolvimento do sistema liberal capitalista. Juros baixos fazem os investidores arriscarem, juros altos a se acomodarem (principalmente quando quem paga os juros é o governo). Sendo assim, para investir em cinema no Brasil (alto risco), deve-se dispor de um nível de organização e controle superior ao necessário nos EUA, por exemplo, pois está em jogo muito mais grana! Em termos relativos, é claro. Sacou? 🙂
yuri vieira
Veja isso:
Pois é, se o Estado continuar gastando como gasta, incluindo aí essa grana distribuída para filmes incapazes de conquistar mercado, ninguém jamais terá dinheiro para investir em cinema aqui, e a coisa continuará como está. Ou pior.
E não era isso que eu queria entender, Paulo, não essa sua explicação, que eu já havia assimilado: quando a grana cai na roda, tem de pagar tributo. Eu já tinha sacado isso. O que eu não entendo é como o povo engole imposto sobre imposto, e mais imposto sobre o que sobrar, se sobrar algo, e não se rebela. O que eu não entendo é a noção de que pagar imposto é uma lei da natureza, tão absoluta quanto a lei da gravidade. Ora, não é!! Por que toda grana em circulação tem de ser tributada? Que ganância da porra essa do Estado! Ora, Tiradentes e sua turma se levantou contra a Coroa por quê? Por causa dos impostos. Agora a gente vive essa loucura aqui e todo mundo acha normal, um fato tão natural quanto o nascer do Sol. E a verdade é que o Estado tem sido o único investidor do cinema porque o dinheiro está todo na mão dele, ninguém consegue poupar nada. Onde os impostos são altos, não há poupança! E juro afinal é o quê? É o preço do dinheiro, cacete! O juro está alto porque a oferta de dinheiro é baixa, afinal, a grana está todinha nas entranhas do governo, toda ela sendo usada para financiar projetos sem sentido, funcionários incompetentes ou inúteis, obras faraônicas, ministérios ridículos, regalias absurdas e, obviamente, azeitar tudo com corrupção. Este país já era, o estatismo venceu, logo, vamos ao shopping assistir à liberdade do cinema americano.
[]’s
Wilson Mello
Oi, nao sei quem é você, mas te achei o máximo. Sou escritor há vinte anos e nunca consegui nada e nao foi falta de tentar nao. Gastei tudo que economizei a vida toda pra publicar dois livros e so tomei no cu também. hehe. Estou pensando em investir no cinema nacional como roteirista, que você acha??
yuri vieira
Wilson, meu caro, não sei não. Se o frenesi de narrar está em seu sangue, vá em frente, escreva roteiros. Mas, conforme venho dizendo, se a situação do Brasil continuar a mesma por muito tempo, desista de ganhar dinheiro com isso. Eu mesmo sou um maluco que nunca – NUNCA – conseguiu juntar dinheiro. E que acha que vai morrer à maneira do pedinte Henry Miller, isto é, vizinho de alguém como Ronald Reagan. Doido, claro.
Há uma chamada ridícula no Canal Brasil e nos Telecines (NET) que afirma, cheia de orgulho e pompa, esta pérola: “Cinema no Brasil não é indústria, é Arte”. Ahahaha. Porque não há dinheiro aqui – está todo nas mãos do Estado – e tudo tem de ser feito basicamente com força de vontade, os caras acham isso lindo, é arte. Só que os profissionais de cinema, se quiserem aprimorar sua técnica e manter sua família, precisam ganhar seu sustento regularmente – e recorrem à indústria da publicidade. Prefeririam ir todas as semanas a um estúdio de cinema gravar ficção – seria melhor para a auto-estima de cada qual – mas, para pagar a escola dos filhos, as contas, a comida, ficam com a única indústria capaz de mantê-los. É simples assim. Os caras acham que a mediocridade da grande maioria dos filmes americanos se deve ao fato de eles, americanos, serem capazes de produzir filmes em escala industrial. Mentira. A maior parte do que se produz é medíocre porque o gênio é exceção e não regra. A maior parte dos cineastas do mundo – do MUNDO – são medíocres porque esta palavra significa apenas “mediano”, “comum”, “ordinário”. Se todos fossem gênios, essa palavra (gênio) nem existiria, seria anulada pela falta de contraste conceitual. A melhor prova para o que estou dizendo é que, no Brasil, onde o cinema é “arte” (ahahaha, lá fora ele não é), ou seja, é produzido aos trancos e barrancos, a qualidade média dos filmes é medíocre, o que é até redundante de se dizer, já que os termos “média” e “medíocre” tem a mesma raíz. Neguinho não se toca de que o vocábulo “indústria”, antes de se referir à produção em grande escala através de “linhas de montagem”, a essa coisa não-artesanal, significava “atividade”, “invenção”, “perícia”, “engenho”, “aptidão”. A indústria é necessária não para os nossos diretores egoístas, mas para sua equipe técnica, que precisa se aprimorar e sobreviver. O diretor pode sobreviver sem a indústria, mas não vai pra frente sem a equipe, que é o corpo que gera seu filho, sendo ele meramente a cabeça. Há poucos filmes excelentes, no Brasil, porque boas cabeças se vêem sem chance de entrar na $onda$ do cinema. Imagine uma praia cheia de surfistas e com pouquíssimas ondas. Em geral, não será o melhor surfista aquele que pegará a melhor onda, mas o que souber dar mais cotoveladas. É assim o cinema-arte brasileiro. E essas cotoveladas muitas vezes são sutis, tipo “quem indica”, “filho de quem?”, “ideologia tal”, “escrúpulos zero para captar dinheiro” e assim por diante.
Se quer ganhar dinheiro com roteiros, Wilson, procure uma indústria. A única que temos é a publicitária. Se quer fazer “arte”, vá colocando-os num site, registrando-os na Biblioteca Nacional e anunciando a empreitada aos nossos cineastas, que são muitos e que, por mais que neguem, não sabem escrever bons roteiros e precisam de alguém que o saiba. Ah, outra coisa: não escreva sobre política no seu site, não faça como eu. Do contrário atrairá sobre si mais antipatias que simpatias e os tais cineastas nem se darão ao trabalho de perceber que vc poderia fazê-los ganhar prêmios. É isso.
Boa sorte, abraço
Yuri