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Viva o Candomblé!

Dá-lhe Nizan!

NIZAN GUANAES – Especial para a Folha de S.Paulo

Sou católico, apostólico, baiano.

Sou devoto de Santo Antônio e de Nossa Senhora do Carmo. Entrei no
candomblé, tardiamente, aos 20 e tantos anos, pelas mãos de Luiza
Olivetto e Lícia Fabio, que me pediram para ajudar nas obras de
restauração do telhado do Terreiro do Gantois.

Fui consertar o telhado do Gantois e o Gantois consertou minha vida.
O candomblé não é uma religião. É um culto. Culto aos antepassados,
às forças da natureza.

O candomblé é moderno. Ele já era ecológico antes que a ecologia
entrasse em voga. Ele é avançado. Não exclui opções sexuais. Ao
contrário, acolhe.

Os deuses do candomblé têm ira, inveja e raiva. Xangô é colérico.
Oxum é ciumenta e chorosa. Ogum tem o pavio curto.

A religião católica quer que os homens sejam deuses. No candomblé,
são os deuses que baixam nos homens.

Não é muito chique ser do candomblé.

Pelo menos na parte do país em que eu vivo. Como toda cultura vinda
dos vencidos, é visto como desvio, coisa de gente desajustada ou de
artista.

E confesso que isso, ao contrário de me afastar dele, sempre me
instigou a caminhar contra o vento.

Toda sexta-feira, vejo, aqui e ali, o olhar jocoso com que algumas
pessoas me olham vestido de branco.

Neste momento, sou judeu. Adoro como os judeus se afirmam pelo mundo
usando suas barbas, seus quipás e seus casacos longos, onde convêm e
onde não convêm.

Aliás, como estudante bissexto de cabala, vejo constantemente as
similaridades entre procedimentos do candomblé e do judaísmo. Eles
também se preocupam com olho gordo, eles também passam frango no
corpo, eles também se banham em sal grosso. Enfim, há muitas
similaridades entre o candomblé e a cultura judaica.

O candomblé é, e isso precisa ficar bem claro, o culto do bem. Tantas
vezes confundido com feitiço. Ele é magia. As grandes mães-de-santo
da Bahia se dedicavam sempre ao bem e à luz.

Se, aqui e ali, alguém usou esses poderes santos para o mal, é
descaminho. E contra ele a força deve ter se voltado com certeza. O
catolicismo não pode ser julgado a partir de padres pedófilos. E o
candomblé não pode ser julgado a partir de pais-de-santo picaretas
que ficam se exibindo na TV ou fazendo macumbas perversas.

Tenho certeza de que na hora em que o Santo Padre pisar no Brasil,
todas as mães-de-santo do país e seus filhos e filhas estarão rezando
e saudando sua Santidade.

Ainda que a igreja não tenha sido nem seja tão generosa com o
candomblé. Mas o candomblé não está nem aí. Queira Roma ou não, na
Bahia, igrejas e terreiros convivem e se abraçam. E isso é mágico.

E candomblé é magia. Aquela energia que a gente sente na Bahia vem
dele. Aquela comida vem dele. Aquela música, aquela batida vem dele.
Aquela sensualidade e aquela pimenta vêm dele.

Sua Santidade, por ser padre e por ser alemão, talvez não tenha o
mesmo jogo de cintura para assimilar tudo isso.

Mas meus olhos e meu coração não podem negar o bem que mãe Cleusa me
fez. O bem que mãe Stella me faz. Coisas inexplicáveis que eu não
entendi. Mas presenciei.

E não se pode negar o bem e as coisas mágicas que elas fazem pelos
pobres. O candomblé sempre foi e continua pobre.

Não tem catedrais, nem TVs, nem rádios. Não faz coleta de dinheiro.
Ao contrário, as grandes mães-de-santo doam. Ao invés de lucrarem,
vivem modestissimamente. E vivem consumidas dia e noite por todos
aqueles que as procuram por um amor, pelo sossego perdido, pela paz
nunca encontrada, pela esperança de cura ou de um amanhã melhor.

Vi mãe Cleusa, minha linda mãe do Gantois, morrer muito cedo,
estressada por sua luta e sua dedicação à causa de sua mãe. Causa que
hoje mãe Carmem, irmã da falecida, conduz com garbo, doçura e carinho.

Vejo mãe Stella, a maior mãe de santo do Brasil e a mãe de santo que
eu escolhi, do alto dos seus 80 anos, consumir seus dias a dar ao
povo pobre da Bahia, luz e esperança a setores da sociedade onde
geralmente a luz e esperança não chegam.

Mãe Estela vive franciscanamente. Nunca fez voto de pobreza. Porque
os pobres não precisam desse voto já que já são pobres.

O candomblé foi perseguido no passado pela polícia. Hoje é perseguido
pelas igrejas evangélicas. Que escolheram o candomblé como bode
expiatório num marketing infame.

E batem dia e noite no candomblé. Diante do silêncio lamentável de
todos nós.

Bisneto de preto, neto de pobres, filho da Bahia, de mãe Cleusa e mãe
Stella, teimosamente digo não a essa perseguição implacável. E
defendo nosso direito democrático de acreditar na força do trovão,
dos mares, do vento e da chuva.

Pode ser primário, mas é lindo. Quer coisa mais bonita do que
acreditar que os deuses podem baixar entre os homens em lugares tão
pobres onde nem a saúde, a educação e polícia se interessam em ir?

Por isso saúdo sua Santidade e peço a Xangô e a Oxum que guiem seus
caminhos para que ele possa ser uma grande mãe ao longo de seu
papado.

Que, além de encíclicas e regras, ele nos dê colo e carinho, porque o
que o mundo mais precisa é de colo e carinho. Que ele seja o carinho
da gente, a estrela mais linda. Que ele seja uma espécie de mãe
Menininha global.

Porque, ao fazer isso, ele honrará o trono de Pedro e terá cumprido,
no fim de seu papado, seu papel no tempo e na história.
—————————–
Nizan Guanaes, 48, é publicitário e presidente da Africa Propaganda

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9 Comments

  1. Meus avós paternos são baianos de Maraú, ao sul de Salvador, perto de Valença. Minha avó é católica e vive hoje com minha tia evangélica em Vitória, Espírito Santo. Minha avó sempre me diz que esse negócio de candomblé é coisa do pessoal de Salvador, que no restante da Bahia não dão muita atenção a isso não. Ademais, minha avó só foi tomar conhecimento do candomblé no Rio de Janeiro, quando minha tia, essa mesma com quem ela mora hoje, desapareceu numa praia da Barra da Tijuca, um local então deserto – estamos falando dos anos 50 – sendo mais tarde encontrada em transe no meio de uma roda de candomblé, as macumbas repercutindo. Ela tinha entre 7 e 10 anos de idade. Sim, minha tia foi médium durante muitos anos. (Ainda é, mas ela trata suas experiências hoje como manifestações e revelações do Espírito Santo). Cresci ouvindo meus parentes do Rio falando a respeito da “Ritinha” (um erê) e da “Vovó Maria Conga” (uma preta velha), entidades que ela recebia. (Na casa da minha avó, no Rio, havia um nicho cheio de brinquedos que eu, minhas irmãs e meus primos não podíamos tocar porque pertenciam à Ritinha. “Quem diabo é essa Ritinha que nunca vi mais gorda?”, matutava então.) Depois do candomblé, minha tia passou pela umbanda, kardecismo, seicho-no-ie, budismo, novamente catolicismo, etc. para só se encontrar na Igreja Cristã Maranata.

    A principal atividade da minha tia, hoje, é consolar e confortar moribundos em hospitais, sem tentar convertê-los. Ela sempre indaga a respeito das crenças ou descrenças do doente, partindo daquilo em que eles depositam suas esperanças. Acha uma covardia se aproveitar de sua situação de fraqueza para fazer prosélitos. Os médicos e enfermeiras ficam aliviados quando ela aparece porque sempre levanta o astral dos doentes, mesmo o dos ateus. Enfim, minha tia conheceu a fundo o candomblé e, hoje, acredita que o sem fim de entidades, santos, deuses, ou como queiram chamá-los, apenas dá margem a que pessoas com certos desvios morais permaneçam nesses desvios, afinal, seus orixás de cabeça também são assim. “Se Ogum é assim, por que devo mudar?” Minha tia crê que a religião deve melhorar o ser humano, não justificá-lo. É óbvio que há muita gente honesta e sincera no candomblé, como em qualquer outra religião, mas certos pontos da doutrina podem apenas servir de becos sem saída para seus crentes.

    Sim, toda religião tem seus becos (não há culto sem doutrina, como quer o Nizan), mas os maiores becos são esses que afirmam que não é preciso, não direi buscar, mas tender para a perfeição (moral). (Olha o que diz o Nizan: “A religião católica quer que os homens sejam deuses. No candomblé, são os deuses que baixam nos homens”. Isso aí é próprio do Cristianismo, pois Jesus disse: “Sede perfeitos como vosso Pai celestial é perfeito”. É um norte, uma orientação, não um jugo.) Há outros becos menores como a adoração e culto (ao invés de respeito e gratidão) à natureza e aos antepassados. Como diz a Suprema Personalidade de Deus (Krishna) no Bhagavad Gita: “Ao morrer, aqueles que adoram seus antepassados irão até seus antepassados, aqueles que adoram semideuses irão até eles, mas apenas aqueles que adoram a Suprema Personalidade de Deus virão até mim”. Bem, nem tudo estará perdido, pode-se dizer. Não é preciso acertar o alvo na primeira tentativa. (Não me refiro à reencarnação, por favor.) Mas, mesmo que você imagine que seu antepassado seja um santo, ele pode ter alguns podres muito bem escondidos, estando hoje num local não muito agradável. Melhor respeitá-lo e mandar bons pensamentos, e não apegar-se a ele. Um apego – que é o que resulta da adoração e do culto – é um link. Morrer é dar um salto quântico e acompanhar esse link.

    Quanto à adoração da natureza, vide “A Nova Era e a Revolução Cultural“, do Olavo. Resumirei assim: “Incapazes de compreender a capacidade que temos de atingir interiormente a transcendência – aquilo que está além do tempo e do espaço – algumas pessoas (a turma da Nova Era) se apegam a elementos do espaço (à Terra, às águas, aos animais, aos astros, etc.) e outros (a turma da Revolução Cultural) ao tempo (à História, ao destino, ao futuro paraíso terrestre, aos antepassados, etc.)”. Lembre-se do que falei sobre apego e link e estamos conversados.

    Eu curto a mitologia dos orixás tanto quanto admiro a astrologia ou a mitologia grega: são arquétipos. E só. Vivo dizendo que sou escorpiano, mas isso é porque sei onde, segundo a astrologia (que bate perfeitamente com minha intuição), estão meus potenciais e meus defeitos. Tento corrigir estes e atualizar aqueles. Se eu for passar a vida me vingando, guardando remorsos e rancores, tal como é típico num escorpiano, apenas porque sou um escorpiano, estarei ignorando o norte dado por Jesus: “Sede perfeitos”. Imagine um cara que se identifique totalmente com um Exú sacana. Pode ser muito bom para inspirar uma tragédia shakespeariana – Iago é bem exuzento, se comunica pelos cotovelos – mas, sem o tal norte da bússola, não há de ser nada bom para a alma dele.

    Em suma, a grande questão é: por mais que busquemos a perfeição, somos limitados e estamos constantemente submetidos a tentações e às mares do humor. Se sou um devoto de Cristo, de Deus, por mais que eu não esteja num bom dia, devo saber que apenas as boas intuições, ações e palavras têm origem neles. Se, tal qual minha tia (no passado), fico me linkando toda semana à Vovó Maria Conga ou a um erê (a entidade criança), é preciso saber que nem sempre a entidade que baixa hoje é a mesma que baixou ontem, sendo esse nome – Vovó Maria Conga, por exemplo – mais um arquétipo que uma personalidade fixa sempre idêntica a si mesma. Se esta semana ando meio ressabiado, de mau humor, grilado, devo saber que atrairei uma entidade no mesmo padrão vibratório. E é por isso que minha tia – uma escorpiana que precisou vencer suas tendências negativas (que no escorpiano são terríveis) – precisou superar tantas doenças graves que quase a levaram à morte diversas vezes. É muito fácil ser engambelado por vampiros astrais nesse meio. E ela só se tornou a pessoa vibrante que é hoje – sim, após todas essas experiências – depois que se entregou ao Cristo e somente a Ele. Como diz o Highlander: “Só pode haver um”. Sem esse Um, não há unidade, que NÃO é sinônimo de uniformidade. A unidade é a base da realidade, sem ela não podemos conhecer uns aos outros, não podemos nos conectar aos princípios universais. O politeísmo, se levado a sério, pode por indução nos afastar da idéia de unidade e nos levar ao relativismo absoluto. Eu creio numa hierarquia e acho que Cristo está acima de todos os demais mestres deste universo, simplesmente porque é anterior a todos aqui, nosso backbone a nos comutar com a Primeira Fonte e Centro. É o Caminho, a Verdade e a Vida porque, não importa qual buda, orixá, deus, mestre, amparador ou entidade você siga hoje, quando você estiver se aproximando da Personalidade de Deus – porque o Espírito dele já está em nossos corações – antes desse Encontro você precisará passar pelo “escritório” de Jesus e receber o “carimbo” dele em seu “passaporte cósmico”. Tenho certeza de que essas mães e pais de santo citados pelo cara – esses que são de fato boas almas – compreendem o que estou dizendo e apenas por isso vivem uma vida santa, isto é, tendente à perfeição. Do contrário só atrairiam gente baixo astral…

    Bom, that’s all, folks. (Por enquanto.)
    {}’s

  2. Faltou falar sobre o tal “carinho” que é, obviamente, pura demagogia, coisa de publicitário. Um padre (pai) e/ou uma mãe e pai de santos devem ser isso mesmo, pais espirituais de quem lhes busca conselhos e orientação. Como tal, devem ser como os pais de fato: carinhosos quando possível, duros quando necessário. Se fossem sempre carinhosos não criariam senão crianças mimadas e condenadas à imaturidade. Fui criado no catolicismo e, embora hoje não me considere um católico (fui contaminado pelo Livro de Urântia), acho que é o momento de a Igreja ser sim dura e inflexível com seus fiéis. É esse excesso de carinho que deu origem aos “Devotos de Judas Iscariotes”, isto é, aos seguidores da “teologia da libertação” que concordam com a bronca de Judas: “Por que você não vende esse azeite caro e dá o dinheiro aos pobres, mulher?” O cara colocou a “justiça social” acima da devoção a Deus. Isso se justifica? Só para quem não conhece a fé viva.
    {}’s

  3. Se a realidade deste culto for o que o Nizan falou, VIVA O CANDOMBLÉ!!!!

  4. ewerton

    e muito xiq ser do candomblemesmo!! apoiado!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

  5. Olha o Paulo: “viva o candomblé!” Pô, Paulo, vc apagou na União do Vegetal, queria ver o que iria achar duma “macumbinha”. Já disse o que penso, mas acho que vc deveria ler o que escreveu Albert Camus a respeito, em seu Diário de Viagem. Ele foi levado a um culto desses pelo Oswald de Andrade. O argelino se sentiu um peixe completamente fora d’água. (Na única vez em que estive presente senti a mesma coisa.) Não porque ele fosse mais europeu que argelino – meu vizinho em São Paulo era um italiano desses de sotaque e filho de santo – mas simplesmente porque aquilo tudo lhe causou mal estar, aqueles símbolos não lhe mostraram uma luz no fim do túnel. Preferiu ir admirar o céu estrelado.

    Tenho a impressão de que vc disse o seguinte: “se essa religião não é uma religião então ela é demais!”. Mas ela é. Vá lá ver se te diz alguma coisa…

    {}’s

  6. daniel christino

    Eu tô com o Paulo. Se o candomblé prega mesmo estes valores como o Nizan diz, tá ótimo. Não há problema em ser um tipo de politeísmo animista.

  7. Convertam-se logo, hermanos. Eu sei que vcs curtem quando baixam umas entidades. O médium só não pode dizer depois que se tratavam tão somente de seus heterônimos…
    {}’s

  8. daniel christino

    Bom, eu já fui a um terreiro e conversei com uma entidade. Foi estranho (supondo-se que fosse realmente uma entidade e não algum truque barato do qual não me apercebi). Um dia faço um post com a história toda. Conversamos por alguns minutos. Ele (chamava-se Baiano Firmino) perguntou-me sobre minha família, meus amigos, minha mãe. O mais interessante, contudo, foi o final do diálogo.

    – Estou vendo muitas pessoas tristes e chorando perto de você. Tem alguém doente na sua família?

    – Minha vó. Disse.

    – Pois é. Melhor você se preparar para o pior.

    – Minha vó está muito doente, seu Firmino, acho que já é hora dela descançar.

    – Toma um gole da minha pinga.

    – Er…tá. (não gosto de pinga, mas as consequências de desrespeitar uma entidade do além são preocupantes).

    – Olha, você tem um espírito poderoso, mas se algum dia precisar de alguma coisa – ou alguém te atrapalhar – vem aqui que eu te mostro QUEM é o Baiano Firmino.

    – Pode deixar.

    – Você pode voltar aqui quando quiser.

    – Tudo bem.

    Portanto, em relação ao candomblé, tô tranquilo. Tenho meus contatos com a diretoria.

  9. Grezieli

    Olá, somos estudantes de publicidade e propaganda da Puc – Paraná e estamos realizando um trabalho sobre Candomblé e temos algumas dúvidas e curiosidades que gostariamos de apresentar nesse trabalho, como não conhecemos exatamente como funciona, seria muito legal conversar com alguém que realmente entende do asunto. Seria possível nos ajudar com alguns pontos?
    As questões que gostaríamos de colocar para as pessoas que irão nos assistir são as seguintes:
    Quem é o fundador?
    Qual a visão de Deus?
    Qual a visão de homem?
    Como são os ritos e rituais e o que contempla?
    Como se trabalha o sentido para a vida e para a morte?
    Qual a dimensão e a influencia social?
    Como se da a relação com a ciência?
    Qual a relação com a política?
    Qual a relação e inferência sobre a ética e a moral?
    Muito obrigada pela atenção até o momento e aguardo sua resposta.

    Grezieli

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