blog do escritor yuri vieira e convidados...

Categoria: literatura Page 31 of 49

Uma solução para a África

(Ainda sobre a entrevista publicada na Der Spiegel, “Pelo amor de Deus, parem de ajudar a África!“)

Eu conversei em duas ocasiões com o Bruno Tolentino sobre a África – onde ele esteve várias vezes – e tentei empurrar a idéia de que o problema era a educação. Ele então me falou de dois países africanos (não me lembro quais), que receberam ajuda de grupos ligados a Oxford para melhoria de seus colégios e instituições de ensino. Segundo ele, todas as vezes que as tribos se levantavam umas contra as outras, a primeira coisa que, juntas, destruíam eram os tais colégios e instituições. O Bruno me dizia não ver qualquer solução identificável para a África. Já o explorador e escritor inglês Richard Francis Burton dizia que a única coisa capaz de tornar os nativos africanos confiáveis, trabalhadores e dignos de respeito era o islamismo, segundo ele, uma religião mais condizente com a natureza tosca daqueles povos, uma vez que não respeitavam e costumavam deitar e rolar sobre os caridosos cristãos, os quais achavam ingênuos. (Temiam – perceba, temiam e não respeitavam – apenas os cristãos de fachada, aqueles que se impunham pela força, uma “linguagem” comum entre as tribos.) Pois então: islamismo… Já pensou? A solução para a África poderia ser uma ameaça para o Ocidente…

Arendt e a Internet

Outra questão que poderia ser levantada é o possível papel – em constante atualização – da Internet enquanto veículo de uma “esfera pública”. Quando escreveu seu livro (anos 1950), Hannah Arendt conhecia o crescente isolamento dos indivíduos na sociedade moderna, mas, tal como muitos autores de ficção científica, a quem ela dedica respeito, tampouco conseguiu prever o advento da “rede mundial de comunicação”. Embora a Internet ainda seja um mero campo onde brotam, aqui e ali, arremedos mais ou menos relevantes de “esferas públicas”, no futuro, talvez não tão distante, ela é bem capaz de abrigar ou ao menos propiciar o surgimento da verdadeira “esfera pública” mundial. Não é difícil imaginar assembléias de debates realizadas em grandes arenas – reais ou virtuais – interconectadas mundo afora como numa gigantesca video-conferência. A democracia pode ser representativa, mas a palavra e o testemunho devem ser de todos.

Espaço público

Puts, o conceito de “esfera pública” da Hannah Arendt dá muito pano pra manga. Já fiz mil e uma relações e ainda não me decidi sobre qual delas escrever primeiro. Talvez a mais, digamos, conspícua seja a do papel de espaço público que a área em torno da Caaba, em Meca, tem para os islâmicos. Os que ali chegam tornam-se “pares” e entram para uma cidadania totalmente diferente daquela dos Estados Nacionais de que se originam. Os cidadãos da antiga Atenas buscavam se imortalizar através das “grandes palavras e ações”. Era sua forma de emular os deuses olímpicos. Embora os islâmicos não tenham lido Homero, senão o próprio Alá, assim que adquirem sua cidadania metafísica de peregrinos – hadji – também saem atrás de “grandes palavras e ações”. A maioria dá ao termo grande um sentido de profundidade ou, diria o Mário Ferreira dos Santos, de intensidade. Mas há esses radicais terroristas que só o interpretam enquanto extensidade. Quanto mais vistosas, espetaculosas e monumentais forem suas ações, tanto melhor. Assim crêem. O Ocidente, que não possui senão uma esfera pública fragmentada e vazia – sendo a dos campos de futebol um bom exemplo -, que espere por ainda mais pedras no caminho. Não temos a unidade transcendente que uma peregrinação a Meca dá. E, sem unidade, não há resistência possível. A tradição ocidental jamais aceitará o Corão. E o Islã jamais engolirá os livros dos cristãos e judeus. Logo, a solução para o impasse só se dará ou através da força – com mais guerras e mortes – ou através da união pacífica, que é impossível sem um pretexto. Sem um pré-texto, entenda, sem um texto que lhes dê forma, um texto de inspiração não-humana. Assim como a Bíblia formou o Ocidente e o Corão, o Islã. (Alguém precisa ir a Meca dizer de que texto se trata.) Os que me conhecem já entenderam onde quero chegar…

As imagens da Casa

Nossa, mal escrevi a entrada anterior e já me escreveram dizendo que nem todo mundo tem um computador compatível com o Google Earth. É verdade, me desculpe. Então seguem duas fotos de satélite da Casa do Sol, a saudosa chácara da ascensionada Hilda Hilst: clique aqui para ver a primeira; e aqui para ver a segunda.

Casa do Sol

Quem quiser conhecer a chácara da Hilda Hilst – vista pelos satélites que alimentam o Google Earth – vá até esta página e baixe o arquivo anexo ao thread. Claro, após executar o referido programa.

Machado rejeitado

Segundo o Pedro Novaes, há cerca de dois anos a Folha de São Paulo (salvo engano) enviou, para publicação em coletâneas, um conto não muito conhecido do Machado de Assis, mas sob um nome falso, a diversas editoras. Foi recusado em todas. (Será que acharam o texto ruim? Ou será que o acharam muito… machadiano?)

Zaratustra

Terminei de reler um livro para todos e para ninguém: Assim falava Zaratustra, de Friedrich Nietzsche. Desta vez, foi a tradução de Mário Ferreira dos Santos, com notas explicativas da simbólica nitzscheana. Eu diria que a leitura do Mário Ferreira é das mais luminosas – ele é fã do Nietzsche – mas sob uma ótica totalmente distinta das que costumamos ver por aí. A maioria vê o copo ou meio vazio ou toma o vazio pelo cheio. Mário Ferreira consegue ver com exatidão o copo cheio e aponta com real sabedoria onde o próprio Nietzsche demonstra confusão de conceitos: “Como Nietzsche pouco conhecia a Teologia escolástica, tinha do Deus dos cristãos uma visão falsa. A culpa não era dele, mas sim do seu século, ignorante da filosofia medieval (do que não isentamos o nosso), e que tinha da religião uma visão exotérica, que em parte a culpa cabe à mentalidade de sacristia de muitos crentes e muitos padres, que cooperam, desta forma, para que se faça do Deus cristão uma verdadeira caricatura, fácil, depois, para combater. Nietzsche desprezava os estudos escolásticos, como o fazem hoje muitos, que pensam haver ultrapassado a filosofia medieval e, no entanto, patinam nos velhos erros já refutados”. Mário Ferreira também escreveu, a respeito de Nietzsche, outro livro: “O Homem que Nasceu Póstumo“, que ainda não li. E não pensem que ele se limita a corrigir o pensador prussiano. Não. Ele o esclarece e purifica. “O meu amor à obra desse grande poeta e a minha lealdade para com o seu pensamento não me permitiram que procedesse de outro modo.”

O Penitente

Outro livro excelente, que li semana passada, foi O Penitente, de Isaac Bashevis Singer, Prêmio Nobel de 1978. Toda a trajetória de seu protagonista-narrador, com suas devidas críticas ao mundanismo e ao secularismo, fazem coro com os pensamentos de qualquer pessoa deste planeta que tenha a alma sã. Muito embora, assim como o próprio autor o confessa na introdução, eu tampouco concorde com a solução abraçada por ele, narrador. Alguém deveria lhe dizer: não odeie o mundo, não fuja dele, já foi feito o upgrade da Revelação…

Lovecraft

O livro O caso de Charles Dexter Ward, de H.P.Lovecraft, é de uma fina ironia narrativa. Para os adeptos do gênero horror, um prato cheio. Pensei que não iria curti-lo – já que hoje em dia vejo as coisas sobrenaturais de modo distinto – mas a forma com que o narrador de Lovecraft põe mil e um dados suspeitos diante de nossos olhos, deixando a nosso encargo as conclusões, chega a ser hilariante. Muito bom. Vale dizer que a história daria também um excelente video-game.

Hannah Arendt

Tenho um amigo – professor de filosofia e chefe do departamento de jornalismo de uma universidade – que sempre cita Hanna Arendt em nossas conversas sobre política. Cheguei a pensar, maldosamente, é claro, que ele não pensava com a própria cabeça, mas com a dela. Eu jamais poderia lhe dizer tal coisa, pois ele teria um leque de autores para me acusar de haver roubado o cérebro: Allan Watts, D.T.Suzuki, Spengler, Nietzsche, Goethe, Dostoiévski, Henry Miller, Pauwels e Bergier, Olavo de Carvalho, Fernando Pessoa, Hilda Hilst, etc. Poderia até me chamar de urantiano. Mas a questão é que, ao ler A Condição Humana, de Hannah Arendt, vou observando o que me chama a atenção e, de quebra, o que – pelas conversas que tivemos – parece ter chamado a atenção dele. (Mas isso é algo a ser discutido pessoalmente.) Por enquanto ressalto o que atraiu meu interesse:

“Sempre que a relevância do discurso entra em jogo, a questão torna-se política por definição, pois é o discurso que faz do homem um ser político.” (O que prova que, em nossas discussões, quando falávamos de política, cada qual entendia algo completamente distinto. Daí a necessidade de definir os conceitos previamente.)

“A condição humana não é o mesmo que a natureza humana, e a soma total das atividades e capacidades que correspondem à condição humana não contitui algo que se assemelhe à natureza humana.”

“(…) literatura de ficção científica, tão destituída de respeitabilidade (e à qual, infelizmente, ninguém deu até agora a atenção que merece como veículo dos sentimentos e desejos das massas.” (O que confirma a boa idéia que estou tentando levar adiante num livro que venho escrevendo.)

“(…) se temos uma natureza ou essência, então certamente só um deus pode conhecê-la e defini-la; e a condição prévia é que ele possa falar de um ‘quem’ como se fosse um ‘quê’.” (Daí eu concluo também que, se não adianta especular sobre o que é Deus, necessário é aceitá-Lo – como um quem – e lidarmos com Ele.)

“A mudança mais radical da condição humana que podemos imaginar seria uma emigração dos homens da Terra para algum outro planeta.” (Disso também já estou tratando…)

“A inversão hierárquica na era moderna tem em comum com a tradicional hierarquia a premissa de que a mesma preocupação humana central deve prevalecer em todas as atividades dos homens, posto que, sem um único princípio global, nenhuma ordem pode ser estabelecida. Tal premissa não é necessária nem axiomática; e o uso que dou à expressão vita activa pressupõe que a preocupação subjacente a todas as atividades não é a mesma preocupação central da vita contemplativa, como não lhe é superior nem inferior.” (Concordo. Mas devo dizer também que o único princípio global que nos une é aquele que chega por revelação – daí não ser axiomático – a saber, nossa filiação divina e conseqüente fraternidade humana, já que a fraternidade, sem paternidade, é impensável. Tampouco há paternidade impessoal e paz duradoura sem fraternidade. Logo…)

“A queda do Império Romano demonstrou claramente que nenhuma obra de mãos mortais pode ser imortal, e foi acompanhada pela promoção do evangelho cristão, que pregava uma vida individual eterna, à posição de religião exclusiva da humanidade ocidental. Juntas, ambas tornavam fútil e desnecessária qualquer busca de imortalidade terrena; e conseguiram tão bem transformar a vita activa e o bios politikos em servos da contemplação que nem mesmo a ascendência do secular na era moderna e a concomitante inversão da hierarquia tradicional entre ação e contemplação foram suficientes para fazer sair do oblívio a procura da imortalidade que, originalmente, fora a fonte e o centro da vita activa.” (Bem, a própria Hanna Arendt admite: Jesus não negava a ação e foi Paulo quem colocou a salvação como centro da doutrina. Aliás, o cristianismo não é a religião que Jesus, enquanto homem, seguia e ensinava. É o que dela restou. Quanto à dicotomia imortalidade/eternidade, Ernest Becker discorreu muito bem a respeito. Escrevi um artigo sobre o tema.)

Page 31 of 49

Desenvolvido em WordPress & Tema por Anders Norén