Ano passado (2005) eu vi a curva do mundo. Aos 32 anos finalmente viajei de avião. Fiquei imaginando aqueles senhores da virada do século XIX para o XX, experimentando seu primeiro vôo aos 50, e entendi o deslumbre que se seguiu com a capacidade tecnológica do homem, com a técnica. Um monstro de ferro e fibra de carbono pesando mais do que algumas toneladas levantar do chão é mesmo um assombro.
Também entendi melhor algumas teorias sociológicas que versam sobre uma mudança radical na experiência do tempo e do espaço na pós-modernidade. Ou mesmo a ênfase que Hobsbawn dá aos meios de transporte no desenvolvimento do capitalismo moderno. Sair de Goiânia, ir a São Paulo e depois Florianópolis em menos de 5 horas. A idéia de liberdade associada a essa mobilidade é espantosa – a impressão que se tem é a de que podemos ir a qualquer lugar, como se o mundo fosse completamente acessível a qualquer um. O espaço diminui e o tempo se alarga. Com mais rapidez no transporte – o que implica menos espaço a percorrer – o tempo se alarga e passamos a contar horas ao invés de dias ou meses; nossa percepção do tempo se altera. Eis que o conceito de velocidade se torna chave para determinar nossa experiência do presente.
Além disso, quando o avião estabilizou-se acima das nuvens – e como são lindas as nuvens vistas de cima, pareceram-me um novo continente, dotado de uma geografia provisória, com leves ondulações seguidas de complexos padrões de volume e densidade – e estávamos sobre o oceano, consegui ver a curva do mundo; talvez a primeira visão que nos arrancou do torpor dos sentidos em direção a uma astronomia heliocêntrica. O mar se curvava no horizonte e o horizonte o acompanhava, arqueando-se levemente, como se mergulhassem no cosmos. E tudo isso da janela arranhada de um avião. Como diziam os medievais, o homem é mesmo um magnun miraculum.