Nada me soa mais estranho do que o fundamentalismo islâmico. Todo o meu contato com o mundo muçulmano sempre me mostrou o oposto do que esses loucos professam e fazem. É verdade que, por outro lado, nunca estive em um país de maioria islâmica, e portanto minha experiência tem algo de limitada. Mas conheci muitos muçulmanos de diversas nacionalidades – paquistaneses, indianos, nigerianos, palestinos, indonésios, egípcios, sudaneses, iranianos, sauditas, marroquinos, tunisianos, entre outros – e tenho uma imagem dessa gente como afetuosa, humana, alegre e tolerante.
Duas situações, em especial, que tornaram muito especiais dois lugares, fazem soar o alarme desse paradoxo, quando vejo situações como esse embate em torno das caricaturas de Maomé.
Há pouco mais de dois anos, participei de um seminário em Salzburg, na Áustria, cujos participantes vinham de um conjunto bastante amplo de países. Depois do evento, eu e Cássio, um grande amigo que vive hoje em Manaus, tínhamos planos de viajar, entre outros lugares, para Viena.
De forma absolutamente inesperada, Najwa, uma sudanesa funcionária da ONU, convidou não apenas a nós, mas também a vários outros participantes do seminário que desejavam conhecer a capital austríaca, para se hospedarem em seu apartamento. No final das contas, apertamo-nos 11 pessoas – contando a própria Najwa, seu marido (um alemão), a filha e Nusa, uma sobrinha – naquele pequeno lar absolutamente multicultural durante três dias – três brasileiros, uma equatoriana, um holândes, uma indonésia, uma iraniana, três sudanesas e um alemão.
A família, incluindo o marido de Najwa, era toda muçulmana – não bebem álcool, jejuam no Ramadã, oram cotidianamente voltados para Meca. Entretanto, em nenhum momento nos impediram de fazer qualquer coisa – incluindo tomar álcool em sua casa (Nusa, entretanto, não tocava as latas de cerveja). Poucas vezes me senti tão bem recebido e poucas vezes me diverti tanto. Conversamos muito, ouvimos muito sobre o Sudão e o Islã, andamos muito bem guiados por Viena, vendo essa cidade incrível, de certo modo, com olhos muçulmanos. Via-se e sentia-se nos olhos e gestos daquela família seu genuíno prazer em abrir suas portas aos amigos, algo enraizado em tradições muçulmanas e africanas seculares. Eles me ensinaram muito sobre humildade, respeito e tolerância.
Além do fato de que a Nusa, sobrinha de Najwa, que vivia com eles em Viena, era completamente ensandecida. A mulher não bebia, mas nem precisava. Acabamos apelidando-a “Maria”, em referência a uma piada com nossos patrícios contada pelo Cássio. A grande onda da Nusa naqueles dias era aprender a dançar salsa em um clube latino que descobrira na cidade. Estendia seu tapete, colocava seu véu, lia o Corão e orava voltada para a cidade sagrada. Trocava de roupa e saía para a night em Viena. Vê se pode…
A segunda estória remonta ao mesmo seminário. Lá estavam também Amin e Naim, dois palestinos, o primeiro exilado na Holanda, o segundo residente em Hebrom – olho do furacão. Os dois são camaradas muito formidáveis. Dos palestinos que conheci, guardo um traço comum de aguda inteligência, capacidade crítica e, especialmente, um humor muito refinado.
Em uma das muitas confraternizações noturnas, várias pessoas de todos os cantos do mundo cantaram alegre e zombeteiramente músicas de seus países. Neste grupo boêmio, estavam não apenas dois dos brasileiros presentes, mas também esses dois palestinos. E todos rimos de doer a barriga até altas horas (o grupo incluía também o louquíssimo candidato derrotado à presidência da Costa Rica, Oton Sollis, mas isso é estória pra outra hora).
No dia seguinte, momento da sobriedade, fora solicitado um espaço para que os palestinos e o israelense presente falassem um pouco sobre a questão envolvendo seus dois países e suas perspectivas.
Naim, que vive na Faixa de Gaza e é professor de uma universidade fechada por Israel desde o início da Intifada, começou sua fala dizendo: “Ontem à noite, nós cantamos, bebemos e rimos até bem tarde. Foi uma noite inesquecível. Mas eu acordei com uma estranha sensação de desconforto e fiquei me perguntando o que estava acontecendo até que me dei conta de que me sentia culpado, de certa forma, por ter rido e me divertido tanto. A situação na minha cidade é tão horrível e as pessoas sofrem tanto, que eu, de certa maneira, me sinto como se não tivesse o direito de me sentir alegre”.
Esse é o Islã que eu conheço e admiro.
Augusto
Caro Pedro,
Bom seria que o Islã fosse sempre essa amistosa e agradável experiência que o amigo teve. Ah, quem nos dera! Infelizmente, para angústia do resto do mundo (obviamente não islâmico), ficará, sim, pairando sobre as cabeças (sua, inclusive, é uma questão de tempo) as espadas da jihad, pois o islã acordou, já que, pelo Corão (peça aos amigos muçulmanos pra lhe mostrar), Alá determina a MORTE a todos os INFIÉIS. A propósito, pergunte a eles quem são so infiéis (sempre consultando o Corão), e saberá que são os judeus, os cristãos, outras religiões, ateus, livres pensadores, e, pasme, dependendo da facção do muçulmano que lhe explicar estas coisas, alternativamente, xiitas ou sunitas, dependendo de qual deles lhe falar sobre o assunto. Pergunte também à sua amiga sudanesa sobre os milhares de cristãos sudaneses do sul (miserável) mortos pelas milícias islâmicas do norte, rico em petróleo e pedras preciosas (apoiadas pelo governo nacional islâmico), varrem o sul fazendo a política da ‘terra arrasada’ – genocídios, estupros e até – escravidão das (ai) mulheres, os seres de segunda classe do islã…Veja um relato extremamente moderado sobre o assunto na página http://www.acidigital.com/islam/drama.htm. É muito, muito triste, meu caro Pedro, e nem de longe se parece com a paisagem amena e fraterna que vc. nos descreveu em seu artigo. Um grande lamento, e uma grande preocupação para todo o mundo livre, pois não sabemos onde vai parar este inevitável ‘choque de civilizações’, como estão chamando os entendidos no assunto. Quem viver, verá.
pedro novaes
Olá, Augusto,
Obrigado pelo comentário ponderado e informado. Eu não discordo de forma alguma do que você diz. Meu texto nada mais é que um lamento, contrastando o Islã que eu conheci, com esse outro Islã que você descreve (e que está nas entrelinhas do meu texto). Agora, por outro lado, não se esqueça que o Islã que eu descrevi é também Islã, nem menos nem mais do que o que você descreve. E eu vivi ele de fato. A questão é, a meu ver, bem mais complexa do que a parte que você relata – grupos, grandes e pequenos, dentro do Islã, que têm uma certa interpretação do Corão, num certo contexto político e econômico global (e não entenda aqui que eu ache que os países do Oriente Médio são “oprimidos”, ou qualquer coisa que o valha, pelo “Imperialismo”; eu já deixei de acreditar nisso há algum tempo). O que há é um contexto de enorme integração global pelas tecnologias de informação que obriga todos os “islãs” a confrontarem seus valores de forma muito forte com os do
Ocidente – secularização, Estado laico e, mais que isso, um forte relativismo cultural.
Tampouco acho que a loucura do Islã deva servir como argumento para os males da religião. Eu acho que o mundo precisa de mais religião, não de menos. Acho que o que provoca essa loucura religiosa são questões que estão para além da religião. Isso é um uso da religião para outro fins que podemos oportunamente analisar com mais calma.
Cito a frase de Sri Ramakrishna citada pelo Yuri outro dia (http://blog.karaloka.net/2006/02/12/kali-yuga/): “Se você colocar Jesus, Buda e Maomé juntos na mesma sala, eles se abraçarão e confraternizarão. Se você colocar seus seguidores juntos…”
Grande abraço. pedro.