Salton Sea é um pepino ambiental americano tão grande e surreal que faz a gente se sentir menos mal de ser brasileiro. Trata-se de um lago de cerca de 600 km2 no deserto do sul da Califórnia, não muito distante da luxuosa Palm Springs e de San Diego.

Para começar, o lago se formou a partir de uma megacagada de engenharia, durante um desvio do Rio Colorado para fins de irrigação no começo do século XX. Alimentado e salinizado pela água que escoa de grandes projetos agrícolas nos solos salinos do deserto do Imperial Valley, Salton Sea tornou-se um paraíso para as tilápias e corvinas.

Entre 1930 e 1960, empreendimentos imobiliários e hordas gigantescas de turistas prometiam transformar as cidades da orla em novas Palm Springs.

Entretanto, uma série de tempestades tropicais e inundações na década de 1960 e o paulatino aumento da salinidade do lago, transformaram a região,em pouco tempo, numa paisagem apocalíptica e num desastre ambiental que aparentemente está longe de se resolver. Tudo indica que só vai piorar.

As tempestades elevaram sucessivas vezes o nível da água, deixando um rastro de destruição nas cidades vizinhas, como Bombay Beach: casas destruídas e inundadas, carros abandonados e apodrecidos e pântanos e mais pântanos de água vermelha estagnada que remetem a paisagens de nossas metrópoles nordestinas ou, ironicamente, à outra Bombaim, hoje Mumbai, na Índia.

A alta salinidade e o calor se associam para, de tempos em tempos, reduzindo a oxigenação da água, produzir episódios colossais de mortandade de peixes. Exagere muito na imagem desse festival de tilápias e corvinas mortas e não chegará nem próximo do que é a necrótica paisagem do lago num momento desses. São milhões de peixes mortos se decompondo. A eles, sucedem-se episódios de proliferação massiva de algas, exatamente pela abundância de matéria orgânica em decomposição e, em seguida, de morte hecatômbica dessas mesmas algas, o que mantém o ar constantemente adornado por um macio cheiro de podridão.

Há cerca de 10 anos, começaram a acontecer os episódios de mortandade de pássaros, especialmente pelicanos, gaivotas, patos e garças. Salton Sea, ao longo do tempo, com o desaparecimento de outras áreas úmidas na Califórnia, tornou-se um refúgio de aves selvagens.
Os peixes são hospedeiros intermediários da variedade avícola do botulismo; quando morrem, as aves os comem e se contaminam. As outras aves, além dos peixes, passam a petiscar suas colegas mortas e a epidemia cresce em progressão geométrica.

O problema com as aves é constante hoje e tão sério que Salton Sea tem uma força tarefa especial do Serviço de Parques da Califórnia, em plantão e rondas constantes, para recolher carcaças de aves mortas e incinerá-las, impedindo que a mortandade se alastre.
Na região, sobraram apenas aposentados. Um imóvel em Salton Sea vale uma barganha e só realmente quem não tem recursos para se mudar continua por ali.

Para completar, a sedenta metrópole vizinha de San Diego conseguiu um acordo para desviar a maior parte da água que escoa dos projetos de irrigação que mantêm o lago vivo, de forma a assegurar seu abastecimento público. Imaginem o que acontecerá à medida em que o lago começar a secar?

Durante anos, como aqui nos trópicos, várias iniciativas e planos feitos à custa de muitas reuniões públicas e de eventos de lançamento cheios de flashes, apertos de mão e sorrisos, incluindo a criação da Salton Sea Authority, prometeram dar conta do problema. Tudo indica entretanto que o lago está mesmo destinado a desaparecer.

Aqui há um artigo muito completo sobre o assunto. Há também um bom documentário sobre o tema. E aqui está a página da Salton Sea Authority, cheia de planos e promessas, como as dos nossos órgãos ambientais aqui.

Pimenta nos olhos dos outros é refresco.