“A única diferença entre marafonas e políticos é que aquelas usam o que lhes pertence”
    (Lavra pessoal)

Apesar de não negociar coisa alguma neste tradicional espaço e vendo a barbárie ocorrida há pouco nas terras de Aracruz, lembro-me: quando Catarina — a Grande — subiu ao trono e finalmente substituiu os boiardos pelos boiolas, comentou-se na corte que era mais uma arrivista a espoliar a mãe Rússia. Portanto, com Pedro “morto”, restava agora examinar quem estava vivo e depois optar entre ser, respirar e decidir-se pelos melhores preços da temporada, com ou sem a intervenção marketeira e mercantilista de Grigori Potenkin, o chanceler caolho que iludia a imperatriz, narrando-lhe besteiras e enganando-a com promessas cenográficas enquanto camponeses famintos se dispunham a incendiar Moscou.

Digo isso tudo, sim, não porque tenha algo a ver com o que ocorre à “democracia estratificada”, como chamava nosso “melting pot” o velho e defuntado Darcy Ribeiro ou “cordialidade nacional”, como nominava Sérgio Buarque de Hollanda, mas, sim, porque acho aqueles períodos sombrios do século 18 russo um primor de estupidez com o qual — sabe-se — estamos cada vez mais nos parecendo.

Mas, aquilo era uma monarquia absolutista, clamarão os burocratas desarvorados. “Bananas!”, lhes dirá Toledo, desembainhando sua luzente bengala Excalibur e zurzindo-a frente aos seqüestradores da lógica, verdadeira quadrilha de sacripantas manipanços que fica aí, a tripudiar sobre estas delicadas narrativas.

Simples: para se compreender a analogia entre a Rússia czarista pré-pré-pré-revolucionária (que acabou adernada depois sob Nicolau II) e o Brasil onírico das eminências pardas e burrices sado-metalúrgicas de hoje, só depende de humildes e torrenciais conhecimentos históricos examinando detalhes ocorridos com significativos trezentos anos de diferença. Tempo, aliás, suficiente para que Lulalá (nosso atual prócer de plantão) estudasse tudo e, colocando blindados e ferozes jagunços às portas do que se imagina latifúndios sertanejos, analisasse a questão (como ocorreu desastradamente no Rio dos onze fuzis), buscando alguns hussardos para reforço corporativo e meditando a respeito, enquanto a hidrofobia do caos arrefecesse sob aparente e fetichizado controle de um João Pedro Stédile e seus sequazes do MST.

Todavia, pensando bem, acho absurdo perder meu precioso tempo tentando enviar lembretes aos sobreviventes. Muito melhor seria poder voltar à alquimia metafórica a que me entrego há anos, quando então realizamos — o leitor e eu — um acordo tácito de ouvirmos toda aquela salabórdia pseudo-oficial, pensarmos no assunto, e depois, sob orgiástico prazer, ficarmos aqui, em libações pré-caracolinas somente sob o filosófico saber do Nada.

Eu sei, pode parecer tudo confuso, desordenado e inacreditável, entretanto, sempre que penso em políticos lembro duas coisas fundamentais: num afundamento semanal do Titanic (que poderia estar abarrotado deles) e nas extremadas teses de Sir Francis Galton, o eugenista furioso que acreditava ser trabalho da ciência cultivar a sociedade como se fosse um inofensivo jardim, simplesmente eliminando-lhe ervas daninhas. Não é fantástico?

Nem as taxonomias do grande Carl von Linné ou mesmo do mal-humorado Burle Marx pensaram nisso ao praticar sua jardinagem diária.

Porém e a despeito dos bárbaros excessos cometidos por cretinas e totalitárias ideologias, aquela ciência — que ingenuamente se propunha ao aperfeiçoamento da reprodução humana — parece querer voltar. Não sob genômicos codinomes insossos mas, sim, sob o grandiloqüente formato da eutanásia tropical, isto é, a limpeza etno-racial pela sujeira e esterilização mental dos puros e honestos que — de forma alguma — não conseguem decifrar o signo e a linguagem de tantas vilezas globalizadas.

Então, deu ou não para entender?

Ótimo! Assim, ao menos conseguiremos extirpar dúvidas e não confundir mais Leviatã com leviandades, o ignóbil com Oldsmobile, ou mesmo trocar de valores atabágicos, substituindo o grande John Profumo que acabou de morrer em Londres por um belo charuto, que acabo de acender aqui e agora.

Bom dia.

(J. Toledo é escritor, fotógrafo, artista plástico e colunista do Correio Popular de Campinas-SP)