Já escrevi algumas vezes sobre o futuro dos ideogramas chineses, que certamente conquistarão todo o mundo. (Veja este artigo e estes posts:Pão em coreano e As línguas do futuro.) O que eu não sabia é que Schopenhauer já previra o mesmo há mais de um século:

Nós desprezamos os ideogramas chineses. No entanto, como a tarefa de toda escrita é evocar conceitos mediante sinais visíveis na mente alheia, apresentar à vista, em primeiro lugar, apenas um sinal equivalente ao sinal audível e fazer com que ele se transforme no único portador do próprio conceito representa, evidentemente, um grande desvio: com isso, nossa escrita por letras é apenas um sinal do sinal. Poderíamos então nos perguntar qual vantagem teria o sinal audível em relação àquele visível, a ponto de nos fazer deixar o caminho direto da vista à mente para tomar um desvio tão grande, como o de fazer o sinal visível falar à mente alheia apenas por meio do sinal audível; enquanto seria obviamente mais simples, à maneira dos chineses, fazer do sinal visível o portador direto do conceito, e não o mero sinal do som; tanto mais que o sentido da vista é sensível a modificações ainda mais numerosas e delicadas do que o da audição e, além disso, permite que as impressões sejam dispostas uma ao lado da outra, o que as afeições da audição, por sua vez, não são capazes de fazer, pois são dadas exclusivamente no tempo. Os motivos aqui indagados poderiam ser os seguintes: 1) por natureza, recorremos em primeiro lugar ao sinal audível para exprimir, antes de tudo, as nossas emoções, mas em seguida também os nossos pensamentos: desse modo, chegamos a uma língua para o ouvido antes de pensarmos em inventar uma língua para a vista. Após um certo tempo, porém, é mais rápido reduzir esta última, quando ela se torna necessária, à língua para a audição do que inventar ou, respectivamente, aprender uma língua totalmente nova, ou melhor, de gênero totalmente diferente para a vista, tanto mais que logo se descobre que a infinidade de palavras pode ser reduzida a pouquíssimos sons e, portanto, ser facilmente expressa. 2) A visão é capaz de abranger modificações mais variadas do que a audição, no entanto, nós não somos capazes de reproduzi-las para a visão, como o fazemos para a audição; sem a ajuda de certos instrumentos. Também nunca seríamos capazes de produzir e mudar os sinais visíveis com a mesma velocidade com que, graças à agilidade do órgão da língua, conseguimos fazer com os audíveis, como igualmente comprova a imperfeição da linguagem de sinais utilizada pelos surdos-mudos. Portanto, isso faz com que, por natureza, a audição seja o principal sentido da língua e, conseqüentemente, da razão. Mas então os motivos pelos quais, nesse caso excepcionalmente, o caminho direto não é o melhor são, na verdade, apenas externos e acidentais, que não surgem da essência da tarefa. Por conseguinte, se considerarmos a questão de um ponto de vista abstrato, puramente teórico e a priori, o procedimento dos chineses permaneceria como sendo o que de fato está correto; de modo que se poderia acusá-los somente de um certo pedantismo se tivessem deixado passar certas circunstâncias empíricas que pudessem sugerir outro caminho. Entrementes, a experiência também revelou um mérito extremamente importante da escrita chinesa. Na verdade, não é necessário saber chinês para conseguir exprimir-se nesta língua; cada um a lê na própria língua exatamente do mesmo modo como lê nossos sinais numéricos, que em geral representam para os conceitos numéricos o que os sinais da escrita chinesa representam para todos os conceitos; e os sinais algébricos têm essa mesma função até em relação aos conceitos abstratos de grandeza. Por isso, conforme me asseverou um comerciante inglês de chá que havia estado cinco vezes na China, a escrita chinesa é em todos os mares índicos o meio comum de compreensão entre comerciantes das mais diversas nações, que não usam nenhuma língua comum. Tal comerciante estava aliás firmemente convicto de que um dia essa língua se difundiria em todo o mundo, em virtude dessa sua peculiaridade. Um relato que concorda plenamente com essa opinião encontra-se em J.F.Davis, em sua obra The Chinese, Londres, 1836, cap.15.

(Fonte: Sobre o ofício do escritor, Schopenhauer, São Paulo: Martins Fontes, 2003.)

E por falar nisso, tal como há alguns dias, mais um blog chinês andou nos citando. (Nós somos The Fire Throat.) Agora a gente precisa aprender alguns ideogramas para dizer aos caras que o texto citado não é nosso.