A última do doutor Meirelles
Por José Paulo Kupfer, no NoMínimo

A melhor piada do momento na economia brasileira foi contada pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. O doutor Meirelles disse à repórter Marina Guimarães, do jornal “Estado de S. Paulo” que, para reduzir os juros bancários, estuda medidas capazes de dar maior poder de negociação aos clientes. Com essas providências, segundo ele, o sistema ficará mais competitivo, “devendo propiciar uma queda nos spreads bancários”.

Então, tá. Já se pode imaginar o cidadão, peito estufado, avisando ao gerente do banco em que mantém conta, como quem fala para o feirante que lhe vende bananas: olha, você baixa os juros e aumenta o limite do empréstimo ou eu vou procurar o banco ali da esquina!

Claro que com banco não é assim. O sujeito tem de ter ficha limpa na polícia, no SPC, na Receita Federal, na Serasa e até a mensalidade do clube deve estar em dia. Isso não é nada. Tem também de ter patrimônio, um orçamento compatível com a renda, referências pessoais e bancárias, etc. etc. O principal, porém, vem depois, o que, aliás, faz da atividade bancária algo muito peculiar: para pegar dinheiro emprestado, tem de ter dinheiro depositado ou aplicado no banco.

Resumo da história: mais uma vez, sobrou para a galinha uma culpa que é muito mais do ovo. Por isso, são fortíssimas as suspeitas de que, se é que alguma coisa vai ser realmente feita pelo doutor Meirelles, não vai funcionar.

A conversa de que o sistema bancário brasileiro precisa ficar mais competitivo é velha. Tão velha quanto a idéia de que o problema dos juros altos e do crédito raquítico tem a ver com a falta de competitividade dos bancos. Não é que não seja verdade – é verdade. Mas o que, nessas horas aparece como causa, muito provavelmente, é conseqüência. Só quando os juros baixarem é que os bancos serão forçados a serem mais competitivos.

Nos tempos de FHC, quando os juros voaram para propiciar a estabilidade monetária, também se tentou fugir do diagnóstico óbvio. Descobriu-se que faltava ao setor bancário brasileiro a competência dos bancos estrangeiros. Era uma lógica estranha, essa de que o problema se resolveria pela cor do passaporte, mas foi por aí que os bancos de fora voltaram a entrar no Brasil, depois de um fechamento de portas, nas décadas anteriores, que, diga-se, fala mal da mentalidade dos governos anteriores.

Da chegada do HSBC, na onda da quebra do Bamerindus, ao que ocorreu no setor daí para cá, visto em perspectiva, é de gargalhar. Os estrangeiros vieram, compraram bancos com problemas variados, e chegaram, rapidamente, a abocanhar 20% do mercado. E aí empacou. Além de ficar provado que a competência dos bancos brasileiros era muito maior, a competição que se imaginava não deu sinal de vida. O spread bancário, indicador de falta dessa competição, continuou, impávido, nas nuvens.

Spread bancário é a diferença entre o custo de captação de recursos pelos bancos e o custo dos financiamentos por eles oferecidos no mercado. Um levantamento recente do Banco das Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês), baseado em dados do FMI, mostrou que o Brasil, campeão mundial em juros altos, também é campeão nessa outra modalidade.
O spread bancário, no Brasil, alcança 40%. Seu mais próximo competidor, o Peru, opera com um spread em torno de 10%. Na Argentina, Chile, Coréia do Sul, Malásia, em qualquer outro emergente, a diferença entre o custo de captação e de empréstimo não passa de 5%.

No fundo, falta competição porque os juros pagos pelo governo por seus títulos mais líquidos são altos o suficiente para garantir a melhor rentabilidade ao menor risco. Com juros muito altos e os governos (federal, estaduais e municipais) necessitando de recursos para cobrir seus elevados gastos com custeio da máquina estatal, emprestar dinheiro ao público, razão básica da atividade bancária em todo o mundo, não é o melhor negócio dos bancos.

Dá muito trabalho e é muito arriscado financiar pessoas e empresas quando é possível financiar governos com rentabilidade e segurança. Quando, então, é possível obter outras receitas, cobrando tarifas altas numa infinidade de serviços, aí nem se fala. Levantamentos recentes revelam que passa de 40 o número de serviços tarifados pelos bancos e que as tarifas, entre 2001 e 2006, subiram, média, 384%, para uma inflação de 50% no período.

O resultado é que o volume de crédito, no Brasil, está entre os mais baixos do mundo, em relação ao tamanho da economia. Não equivale a um terço do PIB, metade do que seria o mínimo aceitável, na comparação com economias semelhantes mais equilibradas.

A partir do Plano Real, o Banco Central ganhou condições mínimas para, de fato, assumir as rédeas da política monetária. Desde então, todos os presidentes do BC anunciaram esforços para reduzir o spread bancário. Armínio Fraga, o mais badalado deles, chegou a traçar um plano em etapas para reduzir a distância entre os custos de captação dos bancos e os dos empréstimos oferecidos a níveis civilizados. Foram todos derrotados porque nenhum conseguiu atacar o verdadeiro problema.

Baixa competitividade é, em parte o nome do problema. O setor bancário é um oligopólio que comercializa “mercadoria” escassa. No caso brasileiro, essa escassez, já mais acentuada do que em outras economias pela reduzida capacidade de poupança da sociedade, tem sido levada a extremos pelas distorções da política macroeconômica.

Por tudo isso, quando uma autoridade invoca a necessidade de aumentar a competitividade do sistema bancário como solução para os juros altos, o mais provável é que esteja querendo esconder o essencial: os juros básicos altíssimos, o absurdo da tributação sobre a atividade fundamental dos bancos, a leniência das autoridades com práticas de oligopólio – nessa ordem.

Daí por que o discurso de Meirelles, tentando trocar a causa pela conseqüência, só pode ser entendido como enrolação, uma conversinha para boi dormir.