Pecados

“Naquele momento, Larry se deu conta de que o passado não pode ser modificado, mas o futuro, esse sim, poderia ser diferente. E a construção desse futuro distinto deveria começar naquele instante. Ele podia salvar uma vida.”

Com essa frase, ou algo muito semelhente, dita em off pelo narrador, o roteirista e diretor Todd Field quase destrói o excelente filme “Pecados Íntimos”, título este em português que aliás não faz jus ao muito melhor “Little Children” (“Criancinhas”) original em inglês. O filme é candidato aos prêmios de melhor ator coadjuvante (Jackie Earle Haley excelente no papel do pedófilo Ronnie), melhor atriz, com Kate Winslett, também em ótima atuação, e melhor roteiro adaptado, na cerimônia do Oscar hoje à noite. Aparentemente tem alguma chance no primeiro, embora Eddie Murphy seja franco favorito, chances remotíssimas no segundo, onde Hellen Mirren é quase barbada, e escassas no terceiro, onde a concorrência de “Os Infiltrados” é forte.

O uso do off, ou “voice over”, para empregar com precisão a terminologia cinematográfica, é evidentemente objeto de muita crítica. Via de regra, torna-se uma muleta para coisas que o cineasta não consegue passar através de imagens ou com naturalidade nos diálogos dos personagens. Além de denotar certa incapacidade do diretor e do roteirista, o voice over em geral implica na explicitação de pontos de vista, emoções, fatos ou “mensagens” que deveriam ser transmitidos de forma sutil ou ser subentendidos pelo espectador, sob pena do filme tornar-se didático e/ou de se tratar com estupidez e superficialidade as emoções e o raciocínio do próprio espectador.

O roteiro de “Pecados Íntimos” é pontuado em muitos momentos por observações de um narrador em terceira pessoa, a princípio até interessantes – porque complementam ao invés de substituir, como em “Dogville” e “Manderlay” do dinamarquês Lars Von Trier. Mas o escorregão no final é violento.

O filme conta a história de Sarah (Kate Winslett), Brad (Patrick Wilson) e Ronnie (Jackie Earle Haley). Os dois primeiros, oprimidos pelos casamentos e pela paternidade, têm os filhos como desculpa para se conhecerem e eventualmente se tornarem amantes. Ronnie é um condenado por molestar sexualmente crianças que, solto em liberdade condicional, passa a residir com a mãe na mesma comunidade dos subúrbios de Boston. A vida dos três se entrelaça de maneira inesperada, ressaltando a imaturidade emocional como motivador das ações não apenas deles, mas de quase todos os personagens envolvidos. Criancinhas.

O roteiro é excelente e, o tempo todo, não sente pena dos personagens, resultando em um filme forte e incômodo. Todd Field só se perde no final, quando deixa vazar seu pendor para o melodrama americano. Depois de conduzir o filme de forma impecável e cheia de surpresas até minutos antes do fim, ele não se contém e produz uma pequena epifania individual para Larry, o personagem de Noah Emmerich, que culmina com a frase citada no início do post, através da qual evidentemente ficam todos os personagens redimidos de seus pecados.

O final como um todo é discutível. Moralista? Talvez. Seguramente um pouco melodramático demais.

De toda maneira, não chega a comprometer o todo. Vale à pena assitir.