Da Folha:

Casa-grande e senzala

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Para quem já nasceu cansado, como o cronista, participar do movimento daqueles que se declaram cansados é, além de um esforço suplementar, um esforço inútil. Durante os oitos anos do governo de FHC, quase diariamente eu me declarava cansado -e não adiantou. Antes mesmo da posse de Lula, eu já estava exausto de saber que nada iria mudar, o que acaso mudasse, mudaria para pior.

Há espanto entre os entendidos sobre a taxa de aprovação do atual governo, apesar dos escândalos, da corrupção, da inércia, da embromação oficial. Aos poucos, estão brandindo a dicotomia de pobres e miseráveis contra ricos e remediados. A luta de classes é explorada agora pelo próprio presidente, que não entende como os ricos que ele beneficiou estão contra ele. Para os pobres, prometeu o Fome Zero, que fracassou, e o Bolsa Família, que alguns receberam e a maioria ainda espera.

Mas não é por aí que se explica a charada. Quem ganha menos de R$ 1.500, acredito que a maioria dos brasileiros, se identifica com Lula de uma forma que transcende a realidade e o raciocínio. É uma química de vísceras, de tripa, “ele é um dos nossos”. Atribui os problemas que todos sofremos à maquinação dos patrões, dos bem nascidos que não deixam Lula fazer o que prometeu e continua prometendo.

Também eles estão cansados das maquinações das elites, das classes dominantes que não assinam carteiras de trabalho, demitem para enxugar a folha, exploram o suor escravo, a clássica divisão entre a casa-grande e a senzala.

Acontece que estou realmente cansado de tudo isso. Já citei aqui uma estrofe genial do Orestes Barbosa num velho samba que nunca esqueci: “Meu avô morreu na luta, o meu pai, pobre coitado, fatigou-se na labuta, por isso nasci cansado”.