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Imprensas

Do Globo:

A grande imprensa

por Ali Kamel

Agrande imprensa está sob ataque. Não do público, que continua considerando o jornalismo que aqui se produz como algo de extrema confiabilidade, conforme atestam pesquisas de opinião recentes. Os ataques vêm de setores autoritários e antidemocráticos, que, diante do noticiário, sentem-se ameaçados.

Esses setores consideram que só é notícia aquilo que, em nenhuma hipótese, atrapalha os seus planos de poder. Não importa que alguns acontecimentos lhes sejam embaraçosos; importa que ou não sejam noticiados ou sejam levados ao público de tal forma que o efeito, para eles, seja positivo ou neutro. Já disse uma vez: isso não seria jornalismo, mas propaganda.

Evidentemente, em seus ataques eles não deixam transparecer essa verdade. Tão logo surge um evento que eles consideram desvantajoso, começam a gritar, dizendo que não é o evento que lhes faz mal, mas a cobertura da grande imprensa. Costumam seguir o seguinte padrão: mentem, atribuem à grande imprensa coisas que ela não fez e denunciam conspirações que não existem. Sempre num tom indignado, dourando a grita com defesas “apaixonadas” da liberdade de expressão e do que chamam de democratização da mídia.

Um disfarce. Às vezes, publicam livros, financiados por partidos, com estudos pseudocientíficos como os que tentam demonstrar que, em 2006, os jornais penderam pesadamente a favor de Alckmin e contra Lula, no noticiário eleitoral. Tais estudos se esquecem apenas de contar que todo o noticiário sobre o mensalão e outros escândalos foi considerado prova de desequilíbrio contra Lula. Ora, se é assim, qual seria a alternativa para que o estudo apontasse equilíbrio? Não noticiar os escândalos? Mas isso sim seria perder o equilíbrio e a isenção.

É uma tautologia, mas, na atual conjuntura, vale dizer: o jornalismo só é livre e independente quando não depende de nenhuma fonte exclusiva de financiamento. Quanto mais variadas forem as fontes de recursos que sustentam um jornal, uma revista, um portal de internet ou uma emissora de rádio e televisão, mais livres e independentes serão esses veículos. O leitor pode fazer o teste. Veja os anunciantes da grande imprensa e verifique: a variedade é tanta que o veículo não depende, nem de longe, de ninguém isoladamente para sobreviver. E por isso é livre. E por isso é independente.

O leitor poderá fazer outro teste. Procure algum veículo que se diga livre e independente e ao mesmo tempo se dedique costumeiramente a atacar a grande imprensa e a defender este ou qualquer governo. Veja os anunciantes. Eles serão poucos e a concentração, grande. Quase sempre, será propaganda governamental. Se o veículo for um portal de internet, verifique quem são os controladores: fundos de pensão de órgãos do governo.

Portanto, livre mesmo, só a grande imprensa. Só ela tem os meios para investir em recursos humanos e tecnológicos capazes de torná-la apta a noticiar os fatos com rapidez, correção, isenção e pluralismo, sem jamais se preocupar se o que é noticiado vai ser bom ou ruim para este ou aquele cliente, para este ou aquele governo. A grande imprensa sabe que o seu compromisso é com o público, que lhe dá a audiência que lhe traz publicidade. A grande imprensa sabe que o público exige informação de qualidade e que não pode ser enganado. O grande público é o que faz as suas escolhas cotidianas de acordo com o que é melhor para si, é o mesmo que tem discernimento para votar, para eleger seus governantes.

Consumidores exigentes, grande público e cidadãos conscientes não são três entidades distintas, mas uma única realidade. Na cobertura da tragédia da TAM, a grande imprensa se portou como devia. Como não é pitonisa, como não é adivinha, desde o primeiro instante foi, honestamente, testando hipóteses, montando um quebra-cabeça que está longe do fim. A nação viveu um descalabro aéreo nos últimos dez meses? Então é necessário testar qual o impacto dessa desordem no acidente (e, hoje, ouve-se o ministro da Defesa dizer que a prioridade não é mais o conforto ou a ausência de filas, mas a segurança, uma admissão cabal de que, antes, não era assim). A pista de Congonhas estava escorregadia (a ponto de, no dia anterior ao desastre, uma aeronave deslizar até um canteiro e outra quase se espatifar no fim da pista)? Então é preciso verificar se a pista foi fundamental no desastre. Chegam informações de que a manutenção da TAM é falha? Então é preciso saber como estava o avião acidentado (e descobrir que ele voava com o reverso pinado).

A análise da caixa-preta ficou pronta? Então é preciso tentar revelar o seu conteúdo e mostrar que uma falha do piloto pode ter sido a causa do acidente. É a grande imprensa que noticia tudo isso, passo a passo, tendo apenas em mente informar o grande público, sem pensar no impacto negativo ou positivo que isso terá para o governo ou para a companhia aérea.

É assim aqui, é assim em todas as democracias. Quando do furacão Katrina, a imprensa americana, num continuum, testou muitas hipóteses: noticiou que aquela era uma tragédia anunciada, mostrou que houve cortes federais para obras urgentes nos diques que se romperam, denunciou a inépcia do governo no socorro imediato às vítimas.

E a única coisa que o governo fez foi se defender, com dados e argumentos.

O público pôde julgar quem estava com a razão. Ninguém ouviu de aliados de Bush que a mídia queria derrubá-lo, provocar o seu impeachment, desestabilizar o seu governo.

Já aqui, temos de conviver com essas bazófias. Porque aqui, ao contrário de lá, há quem queira que a informação esteja a reboque de projetos de poder.

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3 Comments

  1. De fato. A grande imprensa, à qual você se refere, é tão livre e independente que ignora há 17 anos uma organização chamada Foro de São Paulo. A grande imprensa é tão independente que independe, inclusive, do compromisso de divulgar a verdade. Isso é que é independência.

  2. filipe

    camaradas,
    eu nem li o post todo por conta da correria (tentarei faze-lo assim q puder). mas de antemao, afirmo (ate com certa indignaçao) q é perda de tempo tecer comentarios sobre um texto oriundo das organiçoes GLOBO.

    sem entrar no ambito da credibilidade desse pessoal, o primeiro paragrafo (o unico q li) ja “entra solando” no quesito auto-critica:
    “A grande imprensa está sob ataque”. o mesmo paragrafo termina com a perola “Os ataques vêm de setores autoritários e antidemocráticos, que, diante do noticiário, sentem-se ameaçados”. kem nao conhece o passado nefasto das organiçoes GLOBO q acredite nessa patifaria.

    como diria um ex-funcionario desse pessoal:
    fala serio…

  3. Cinismo hipotético
    Ali Kamel, todo-poderoso da Rede Globo, não acredita em racismo no Brasil. Chegou a escrever um livro sobre o assunto, que apesar da máquina de propaganda da sua empresa, teve repercussão muito próxima de zero. Normal. Não foi o primeiro nem o último livro a testar uma hipótese – por mais absurda que ela pareça. Há páginas e mais páginas nas livrarias afirmando que Elvis não morreu, que a Terra está se expandindo (um camarada meu acredita piamente nessa história), que homens dourados vivem no centro do planeta, enfim, tem de tudo. Parece que o big boss global agora está com uma nova tese pronta, e é bem capaz que vire livro, por que não? Num artigo publicado em seu house-organ particular (o jornal O Globo), Kamel garante que a imprensa é o único veículo de comunicação realmente livre e independente que existe, movido pelo anseio de bem informar o seu grande público. Manipulação? Desinformação? Interesses? Não, não, a imprensa é uma vestal pura, que apenas segue sua missão sagrada de produzir informação de qualidade. E assim o fez na cobertura do acidente com o avião da TAM.

    (mais no http://www.escriba.org)

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