blog do escritor yuri vieira e convidados...

Mês: novembro 2007 Page 2 of 3

Hoje não

Hoje ele não quer chupar peitos — nem os mais redondos e firmes. Não quer ver uma mulher de quatro, não quer ouvir gemidos suaves (quase verdadeiros), nem se debruçar sobre um corpo macio depois da descarga cansativa e aliviante. Ele não quer ir ao banheiro se livrar da camisinha, nem ficar abraçado na cama, imerso no cheiro misto de suor e látex. Não quer vê-la se vestindo, nem puxá-la de volta, alegando uma incapacidade qualquer para deixá-la. Ele não quer reiniciar as carícias, e se orgulhar de poder excitá-la novamente.

Quando ela telefonar, ele não vai atender — seja ela quem for! Ele quer a paz de uma cama vazia, o silêncio de um livro antigo, o inapelável cheiro de roupa suja de um quarto de solteiro. Pensamentos vagos vão lhe ocorrer, talvez até lembranças de uma infância descalça e triste, que ele já nem sabe se teve realmente. Um suave arrependimento vai lhe perturbar por algum tempo, depois ele vai expurgá-lo num sonho levemente torturante, como uma música clássica. Aos poucos ele vai se reconciliar com seu corpo, seus quilos a mais, seus cabelos que já começam a escacear sobre a testa.

Mas ela não vai entender. Vai se sentir rejeitada, ultrajada na sua obscura dignidade de fêmea. Vai relembrar um velho namorado, que a amava muito mais, e não a deixava sozinha nos fins de semana. Vai tentar acreditar que quer ligar para esse ex-namorado e marcar um encontro naquele restaurante afastado, perto de um motel. Depois vai pensar que toda a farsa não terá sentido se não for, de alguma forma, descoberta por ele. Então vai ficar algumas horas tentando criar um plano para que tudo — o encontro clandestino, a tarde no motel — chegue ao conhecimento dele e o faça arrepender-se como um mártir desesperado. Mas em pouco tempo ela vai lembrar que não é boa em planejamento, e vai desistir da idéia. Deitada, em frente à televisão, vai sentir seu desejo se diluir como o sal se dilui em água. E os dois vão dormir, cada qual em sua cama, o sono morno de uma noite de outubro.

No outro fim de semana, aí sim, eles vão transar e gozar como rãs patéticas. E esse domingo de ausência será tão insignificante que não restará sequer na lembrança. Sem fotos, sem testemunhas, sem conseqüências, será um nada dentro do vazio, uma gota de chuva caindo num lago, uma sombra encontrando a paz definitiva da escuridão. Até que um dia o corpo dele vai relembrar o desejo de uma cama vazia. Agora casado, ele irá procurar um hotel modesto no centro da cidade. Ela vai relembrar um antigo namorado, vai acreditar que quer dar um telefonema. E tudo se repetirá, com a monotonia infalível dos domingos.

Pôr-da-Terra

por-da-terra.jpg

Sonda japonesa Kaguya registra o pôr-da-Terra a partir do pólo Sul da Lua.

Bolsa de Apostas

Encerrou-se ontem à noite, a mostra competitiva do III Festcine, de ótimo nível, conforme afirmado no post anterior. Abaixo minhas apostas para a premiação a ser anunciada logo mais à noite:

LONGA METRAGEM DE FICÇÃO

– Melhor Filme de ficção – R$ 30.000,00 (trinta mil reais): Via Láctea
– Melhor Direção – R$ 20.000,00 (vinte mil reais): Sandra Kogut, por Mutum
– Melhor Ator –R$ 5.000,00 (cinco mil reais): o menino Thiago da Silva Mariz, em Mutum
– Melhor Atriz –R$ 5.000,00 (cinco mil reais): Tainá Muller, em Cão sem Dono
– Melhor Ator Coadjuvante – R$ 5.000,00 (cinco mil reais): Marcos Contreras, o Lárcio, de Cão sem Dono
– Melhor Atriz Coadjuvante – R$ 5.000,00 (cinco mil reais): Janaína Kaemer, a Ana, de Cão sem Dono
– Melhor Roteiro – R$ 5.000,00 (cinco mil reais): Aleksei Abib e Lina Chamie, por Via Láctea
– Melhor Fotografia – R$ 5.000,00 (cinco mil reais): Walter Carvalho, por Baixio das Bestas
– Melhor Direção de Arte – R$ 5.000,00 (cinco mil reais): Marcos Pedroso, por Mutum
– Melhor Música ou Trilha Sonora Original – R$ 5.000,00 (cinco mil reais): Siba Veloso e Fuloresta do Samba, em Baixio das Bestas
– Melhor som – R$ 5.000,00 (cinco mil reais): Louis Robin e Beto Ferraz, por Via Láctea
– Melhor Montagem – R$ 5.000,00 (cinco mil reais): André Finotti, por Via Láctea

LONGA METRAGEM DOCUMENTÁRIO ( 35MM OU DIGITAL)

– Melhor Longa-metragem Documentário – R$ 30.000,00 (trinta mil reais): Jardim Angela
– Melhor Direção – R$ 10.000,00 (dez mil reais): Marina Person, por Person
– Melhor Roteiro – R$ 5.000,00 (cinco mil reais): Marina Person, por Person
– Melhor Fotografia – R$ 5.000,00 (cinco mil reais): José Roberto Eliezer, por Person
– Melhor Som – R$ 5.000,00 (cinco mil reais): Rita Cadillac, a Lady do Povo
– Melhor Montagem – R$ 5.000,00 (cinco mil reais): Marcelo Moraes, por Jardim Angela

CURTA METRAGEM GOIANO

Melhor Curta Goiano – R$ 10.000,00 (dez mil reais): Espelho, do nosso Yuri em parceria com a Cássia Queiroz
Melhor Direção – R$ 5.000,00 (cinco mil reais): Amarildo Pessoa, por “Última Clareza” (aposto que vão dividir os prêmios)
Prêmio Estímulo Secretaria Municipal da Cultura à Produção de Curta-Metragem – R$ 10.000,00 (dez mil reais): 14 Bis

A boa safra do cinema nacional

Dá a sensação de que a safra recente do cinema nacional está de ótimo nível. Assisti a quase todos os longas – documentários e ficções – selecionados para o 3º Festival de Cinema Brasileiro de Goiânia e gostei muito do que vi. Achei o nível geral dos longas excelente. Não há nenhum lançamento, mas são todos filmes que estrearam no circuito de festivais ou comercial de um ano pra cá, alguns bem recentemente.

Já disse aqui neste blog em outra ocasião que acho os brasileiros muito bons documentaristas, mas ficcionistas apenas medianos. Teorizei inclusive que isso poderia se dever a algum traço cultural que nos torna mais propensos a dar tapas na cara do espectador, enquanto nossos amigos argentinos teriam a sutileza requerida para a ficção.

Os filmes que andei vendo confirmam nossa boa veia documental, mas desmentem a idéia de que ótimas ficções seriam exceções bissextas a confirmar a regra. Abaixo o que vi nestes últimos dias e comentários ligeiros. Tentarei escrever mais detidamente sobre pelo menos alguns deles.

DOCUMENTÁRIOS:

Person: o documentário de Marina Person sobre seu pai, o cineasta Luis Sérgio Person, é maravilhoso: sensível, inteligente e emocionante – uma homenagem nada superficial que só uma filha poderia fazer.

Encontro com Milton Santos, de Silvio Tendler: um panfleto esquerdista que sequer faz jus ao pensamento do grande geógrafo. Um engodo que evidentemente tem recebido aplausos em vários festivais. É a exceção negativa da ótima seleção do festival. Não faz jus à obra do próprio Tendler – perdoe-se seu comunismo -, diretor, por exemplo, do ótimo “Glauber Labirinto do Brasil”.

Rita Cadillac – a Lady do Povo, de Toni Venturi: belo tributo à eterna chacrete, hoje também atriz pornô. É um documentário muito bom, mas que não está à altura de seus concorrentes.

Jardim Angela, de Evaldo Mocarzel: grande surpresa. Feito com pouquíssimos recursos e nenhuma mise-en-scéne, sustenta-se na força dos depoimentos de seus personagens, jovens moradores do Jardim Angela, região paulistana que no passado esteve entre as áreas mais violentas do mundo. É espetacular. Merece compor uma tríade dos melhores documentários sobre o tema da violência urbana no Brasil com “Notícias de uma Guerra Particular” e “Ônibus 174”.

FICÇÃO

Via Láctea, de Lina Chamie: sua seleção para a mostra “Un Certain Regard”, em Cannes, este ano, já era evidência de se tratar de um filme incomum. Foi outra surpresa. Imperdível. Lindo.

Mutum, de Sandra Kogut: baseado no conto “Campo Geral”, de Guimarães Rosa, o filme consegue, mais que contar uma história, fazer o espectador mergulhar na atmosfera da fazenda no sertão mineiro. Os papéis infantis, todos com crianças selecionadas em escolas na região do norte de Minas, onde se realizou a filmagem, são incríveis. Todas as crianças dão um show de interpretação. “Mutum” também esteve em Cannes, na quinzena dos realizadores, além de ter sido o grande vencedor do Festival do Rio deste ano. Imperdível.

Cão sem Dono, de Beto Brant e Renato Ciasca: como o último filme de Brant foi muito fraco (“Crime Delicado”), eu não tinha expectativas em relação a este, sobretudo também porque a crítica foi fria. Fiquei entretanto muito positivamente surpreso. O elenco está excelente. As interpretações são tão naturalistas que, volta e meia, dá a sensação de se estar em um documentário. Além de que Tainá Muller, a protagonista, é uma deusa…

Baixio das Bestas, de Cláudio Assis: achei bobo, um filme feito por um adolescente revoltado, que está muito abaixo do nível do belo e forte “Amarelo Manga”, do mesmo diretor. Salva-se a impecável fotografia do mestre Walter Carvalho.

O fim da dúvida

No mês passado, eu sanei uma velha dúvida. E foi na prática mesmo, sem nada de teoria.

Fui ao Rio fazer um frila e, numa quarta-feira de manhã, peguei a ponte aérea de volta a São Paulo. Para poder chegar à minha poltrona, a 5a, na janela, pedi licença à passageira da 5b, a do meio, que prontamente se levantou para que eu pudesse passar. De cara, eu a reconheci, apesar de seus imensos óculos de sol.

Numa discreta blusa branca e preta, a senhora retirou um grosso livro (em inglês) de sua bolsa (Prada, deu pra ver bem) e passou a viagem lendo. Confesso que ela me deixou um pouco tenso. E se eu cometesse alguma gafe? Sei lá…

Resolvi, assim, ficar “na minha” o máximo que conseguisse. Ou seja, mal abri a boca. Acho que o “máximo” que fiz foi pedir-lhe a revista da Gol que estava no “porta-coisas” à sua frente. “Posso?”, perguntei-lhe. “Claro”, respondeu-me.

Nem aceitei a barrinha de cereal; pedi apenas água com gelo. Ela só aceitou o suco de manga. “Light”, frisou.

Daí que, chegando a São Paulo, me distraí olhando pela janela a imensidão de concreto e asfalto. Foi quando a minha antiga dúvida se resolveu.

Como não notei que o comissário me dirigia a palavra, pedido o copo já vazio, a senhora me chamou a atenção. Não disse uma palavra, na verdade. Apenas tocou meu ombro — e com certa força, não foi ligeiramente — usando dois dedos, o indicador e o do meio.

Agora já posso dizer à Débora, minha filha, que tá liberado o cutucão. Se a Gloria Kalil cutuca, nós também podemos cutucar, não?

Salles, no NYT

Notes for a Theory of the Road Movie

By WALTER SALLES
Published: November 11, 2007

What is the origin of road movies? A year ago, I interviewed Wim Wenders on this topic for a documentary about “On the Road,” Jack Kerouac and the legacy of the Beat generation.

(Texto original)

¿Por qué no te callas?

Vi uma menção a este vídeo no blog do Reinaldo Azevedo. Trata-se de um puxão de orelha dado pelo rei Juan Carlos no palhaço bolivariano do Hugo Chávez, enquanto este recebia um sermão do primeiro-ministro espanhol, José Luis Zapatero. :))

As mulheres em “Tropa de Elite”

As atrizes Maria Ribeiro e Fernanda Machado falam sobre suas personagens no filme do José Padilha.

Grafite — 11

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Espelho quebrado

Esta música faz parte da trilha sonora do nosso curta-metragem ESPELHO. Chama-se “Espelho quebrado – 7 anos de Hammond” e foi composta por Emanuel Mastrella e Victor Pimenta originalmente para o filme.

[audio:http://www.archive.org/download/Podcasts_Karaloka/Espelho_quebrado_7Anos_de_Hammond.mp3]

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