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Fundamentalismo Eclético

WBC

Nesta última sexta, vi uma das coisas mais bizarras dos últimos tempos. Alguém aí também assistiu a “A Família mais Odiada da América”, no GNT?

Sempre gostei das reportagens de viagens do Louis Theroux, que também já foram exibidas pelo GNT. Ele tem um jeito ao mesmo tempo honesto e respeitosamente cético com seus objetos que rende excelentes entrevistas e imagens.

Numa série de reportagens em que segue trabalhando para a BBC, Louis, que é filho do escritor Paul Theroux e cidadão britânico e americano, aborda, em viagens pelos EUA, temas como cirurgias plásticas e adição ao jogo. Neste primeiro episódio escolhido pelo GNT para exibição no Brasil, ele visita a Westboro Baptist Church.

Trata-se de uma igreja de orientação batista – embora não-afiliada a ou reconhecida por nenhuma associação ou linha batista formal nos EUA – constituída essencialmente por membros de uma mesma família – a comunidade toda se limita a 75 pessoas -, com sede em Topeka, estado do Kansas, e conhecida nos EUA por sua virulenta homofobia e pelos protestos em funerais de militares americanos mortos no Afeganistão e no Iraque. Crêem eles que o mundo está perdido, que os EUA são uma nação depravada, e que as mortes no Iraque são atos de ira divina, pelo serviço destes militares a uma nação afundada na luxúria e no despudor. Na verdade, como se pode observar em seu site oficial “God Hates Fags” (literalmente “Deus Odeia as Bichas”), toda e qualquer morte por catástrofe, natural ou provocada pelo homem, é comemorada pela igreja, que a toma como resposta divina aos pecadores.

É absolutamente bizarro e um pouco assustador, embora risível. Para se ter idéia, estas pessoas planejaram, por exemplo, um protesto para o funeral das vítimas do massacre na escola amish, na Pensilvânia, em 2006. Em seus cartazes, a WBC chamava as meninas mortas de “putas” (whores) e dizia que elas já “estavam queimando no inferno”. Os membros da igreja foram dissuadidos por um radialista que , em troca de sua desistência, ofereceu-lhes uma hora em seu programa de rádio.

Além da homofobia, a igreja tem declarações anti-semitas, anti-islâmicas, anti-católicas, contra a Suécia, como uma país defensor de homossexuais (o pastor Phelps, patriarca da igreja, atribuiu o alto número de mortos suecos no tsunami do Oceano Índico a isso), contra a Irlanda, a favor de Al Gore – por declarações pretéritas contra um projeto de lei pró-gays -, contra Bill e Hillary, a favor de Fidel Castro e a favor e contra Saddam Husseim.

Independente de tudo isso, o que mais impressiona na reportagem de Theroux é o fato de que nenhum dos membros da igreja abre a guarda em momento algum. Cada vez mais boquiaberto, o telespectador cria a expectativa de que, no momento seguinte, um deles haverá de ceder à lógica e conceder uma vitória às perguntas diretas de um entrevistador cada vez mais abismado. Alguém irá ver que está se contradizendo, vai gaguejar e recorrer a impropérios e à raiva, o que já seria algo. Mas não, friamente, as resposta seguem sempre na mesma linha. O único a vacilar é um pequeno membro da igreja, um neto de Phelps, com quatro ou cinco anos, que ao ler para Theroux uma série de regras de comportamento faz uma parêntese a “não mentir”, dizendo que “algumas pessoas às vezes mentem, principalmente quando são crianças”.

Theroux pergunta: “eu acredito que cada um deve poder fazer sexo com quem achar melhor, tenho uma filha com minha namorada e não sou casado? Eu vou pro inferno? A interlocutora sorri e responde que sim. “Você fica feliz com isso?” Ela torna a sorrir e a dizer que sim.

Acho que vale à pena assistir. Na verdade, não sei se eles merecem. Mas como fiquei chocado, resolvi compartilhar. Veja aqui as exibições programadas deste e de outros episódios da série.

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5 Comments

  1. Rosa

    Que coincidência interessante, Pedro!
    Ontem à noite assiti na TV pública daqui um dos programas do Theroux (de quem eu já gostava desde os tempos em que via pelo GNT). Neste ele vai à Las Vegas e tenta entender porque “aquelas” pessoas vão “praquele” lugar “perder” tanto dinheiro. Fui dormir pensando no que vi, acordei com algumas idéias a respeito e dei de cara com seu tópico quando tomava café.
    Gosto muito da cara de “desconforto” do repórter, que apesar de bem simpático (em geral os entrevistados vão com a cara dele), sempre acha um momento certo pra fazer perguntas pertinentes, mas que sempre soam muito racionais e diretas pro absurdo em que vai se tornando a estória toda.
    Chocou-me muito um programa (visto ainda no Brasil) sobre racistas extremistas no interior dos EUA. Crianças aprendendo musiquinhas com letras assustadoras como “negros estripados” me tiraram o sono.
    Estou ansiosa pra este programa sobre essa família chegar por aqui. Quem sabe perderei mais algumas horas de sono ou darei boas risadas.
    Beijo

  2. Bizarro. Eu fiquei pensando comigo que tipo de “jornalismo” esse cara estaria fazendo e, puff!, me dei conta de que é um tipo um tanto sofisticado de gonzo jornalismo. Pena não existir esta mais desta tradição aqui no Brasil. É uma coisa americana que valeria a pena copiar em maior escala.

  3. Eu só assisti a um episódio do programa desse cara, a saber, India: Enlightenment, no qual viajou até a Índia para entrevistar diversos gurus. O encontro que mais me chamou a atenção foi com a guru Amma, aquela que distribui às multidões abraços, digamos, transcendentais. O Theroux ficou horas na fila fazendo comentários levemente irônicos, mas, após o abraço, ficou com uma cara de pastel, emocionado, dizendo que algo que não sabe explicar lhe aconteceu.
    {}’s

  4. Vai ver o guru ficou “feliz” em ver o cara.

  5. Xi, ele é ela. Então foi o cara que ficou feliz…

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