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A porta estreita

É realmente estreita. Já dizia André Gide, num romance homônimo que tomei emprestado da Rosa há muito tempo. A expressão, na verdade, é do evangelho de Mateus (“Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta e espaçoso o caminho que leva à perdição”). Significa o que você acha que significa: é difícil seguir pelo caminho correto, porque é cheio de sacrifícios.

Obviamente tinha a ver com a época – “naquele tempo” os cristão eram perseguidos, torturados, queimados ou devorados vivos por leões, além, é claro, da crucificação que dispensa comentários. Então escolher o cristianismo era quase sempre escolher a dor e o sacrifício. Mais fácil seria contemporizar com o poder.

Atualmente a expressão tem outro significado. Ainda significa que há um custo existencial muito pesado em ser cristão (em qualquer denominação). Nada exemplifica melhor isso do que um post do Tio Rei sobre a morte do terrorista Imad Mughniyeh. Justificando sua felicidade com a morte do assassino, diz Tio Rei

O que fazer diante desse delírio? Entregar-se em holocausto? Ficar esperando o próximo ataque dos Imads? Oferecer a outra face? A nossa face ou a face da imensa massa de inocentes mundo afora? Olhem aqui: não preciso recorrer a Deuteronômios para endossar o ato. Apelo ao direito à autodefesa. Temos de fazer, nesse caso, como Nasser fez no Egito, em 1966, com Sayyd Qutb, então principal ideólogo da terrorsita Irmandade Muçulmana: forca. Anuar Sadat, lembram-se dele?, resolveu relaxar o cerco à turma. Foi assassinado. A morte de qualquer homem nos diminui. A de um terrorista nos eleva e consola. E nada nos impede de rezar por sua alma.

Pois é. Em outro lugar ele diz coisas como “dá pra matar, de modo cristão (afinal, aquele livro do Velho Testamento é acatado pelos católicos), apelando à letra do texto bíblico”. Obviamente, ele não poderia citar o Novo Testamento.

Tio Rei faz parte de um grupo de católicos associados a um tipo ideal (Weber) de religioso exemplificado pelo personagem de Robert De Niro no filme A Missão – o outro tipo, também ideal, é o personagem de Jeremy Irons. Se vocês se lembram do filme, enquanto uma expedição espanhola se preparava para dizimar a tribo indígena na qual estão os dois religiosos, cada um assume uma postura diferente diante do destino. Enquanto o personagem de Irons organiza um procissão, De Niro organiza uma defesa: arma os índios e prepara armadilhas. Representam duas formas de catolicismo, igualmente presentes no livro (e filme) A Última Tentação de Cristo: a cruz e o machado. Já sabemos a opção de Cristo.

O problema com a postura do Tio Rei é apenas um: sob determinadas condições, a vida deixa de ser um valor. Simples assim. Quais as condições? Autodefesa (dele? como assim?). E quando nossas vidas estão em perigo? Quem é o juíz disso? Quem, no mundo humano, está em condições de julgar a vida de um indivíduo? Difícil.

Eu sei que nem preciso dizer, mas direi assim mesmo: se alguém quiser me matar, vai encontrar resistência. Pelo simples motivo de que quero continuar vivo. Se precisar matar quem me ameaça, eu o farei. E não irei para o inferno por isso. Logo, eu não tenho problema com a morte de um terrorista. Poderia justificar a pena de morte pelo mesmo argumento? Sim, mas não justifico, porque o problema da pena de morte é assumir que uma entidade abstrata e não humana, o Estado, tenha condições de julgar sobre a vida ou a morte de alguém.

Mas um cristão tem um problema um pouco maior do que o meu. Vejam, Moisés foi punido por matar um egípcio. Porra, Moisés era o cara que conversava com Deus – ele não falava com mais ninguém! Será que ele não se arrependeu? Provavelmente, mesmo assim o Deus-Pai (e não o Deus-Trino) do antigo testamento não permitiu-lhe entrar na terra prometida. Pedro foi admoestado por Jesus por cortar a orelha de um centurião romano. Uma pletora de Santos poderia ter resistido e lutado contra seus algozes, mas morreram como mártirs. Os exemplos abundam.

O que o Reinaldo está fazendo é perigoso para um católico. Lembrou-me aqueles monges com crucifixos em riste para que os hereges pudessem beijá-los enquanto ardiam nas fogueiras. Joana D´arc talvez seja o melhor exemplo de todos. Queimada viva e depois canonizada. É coisa da teologia medieval, dos milles Christi. Do que estou falando? Da relação entre uma ação e as conseqüências morais que daí derivam. Desconfio que o critério do Tio Rei é por demais utilitarista. Afinal, quantas pessoas não saíram lucrando com a morte do terrorista? Mas o princípio moral cristão não é utilitarista. Ele não pergunta quem sai ganhando com isso. Se o fizesse, justificaria todas as mortes em nome do bem comum. Justificaria também as mortes do Estado em nome do bem coletivo. Em certo sentido, não há nenhuma diferença entre Stálin e Tio Rei neste particular – apenas, é óbvio, uma diferença de intensidade. A justificativa para a morte é a mesma: o bem dos outros. Ou Tio Rei teme um atentado terrorista islâmico na porta da casa dele?

A porta estreita a que me referia é o fato de que, para um cristão, é melhor dar a vida do que tirá-la de alguém. O cristão confia em Deus, um princípio metafísico que vigora no mundo. E sua confiança é tamanha que ele é capaz de apostar sua vida nisso. O fato de que precisamos matar para nos defender diz apenas que nossa fé na intervenção divina é menor do que deveria. Um cristão não está indefeso diante de um terrorista, ele está com Deus e não há proteção maior. É uma loucura pensar assim? Se for, meu amigo, então é cada um por si, porque a “bala perdida” está mesmo perdida. É tudo randômico e nós temos que cuidar de nós mesmos. Se não é assim, então eu posso me tranqüilizar e continuar vivendo minha vida normalmente, porque Deus está comigo.

Talvez ele não tenha pensado bastante sobre isso, mas não creio que seja o caso. Ele já defendia postura igual na época da revista Primeira Leitura. Também não dá para imaginar que ele não tenha entendido direito o catolicismo, ele corrige até tradução de texto do Papa. Quando eu disse, noutro lugar, que havia uma “luxúria de morte” incrustrada na teologia cristã, era a isso que eu me referia.

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5 Comments

  1. Rosa

    Que bom você me lembrar do Gide! Nostalgia boa em manhã de chuva na Windy Welly!
    Não leio o Reinaldo por falta de tempo e afinidade, mas leio você e, antes de mencionar a Joanna D’Arc, pensei nela pedindo ajuda a Deus pra derrotar os ingleses…Sempre tive uma dúvida doída desde os tempos das aulas de Catecismo: Quem é afinal filho de Deus? Se eu sou, então meus inimigos não são e Ele me protegerá, certo? Mas se eles são filhos Dele, então eu não sou e não adianta rezar que Ele nunca vai me ouvir…E se Deus tivesse escolhido os ingleses? E se os pommes tivessem feito Mademoiselle Jeanne prisioneira? Talvez ela tivesse morrido louca numa prisão qualquer e nunca tivesse virado Santa. Nossa! Como se chamariam as muitas colegas de escola desde o primário que foram batizadas Joana Darc?
    Chega! Preciso terminar a resposta pro post da Carne pra Clarice (nossa, soou péssimo isso!)
    Beijos muitos das Antípodas

  2. Daniel, omitir-se a combater o mau é ser mau. Ou seja, não combater o terror é, no final das contas, compactuar com o próprio. Pior ainda é oferecer a face do outro, como prova de ser um bom cristão. Quer dizer que só se é cristão quando é a sua face que está em perigo? O tal lider do Hezbollah foi e, com certeza, seria responsável pela morte de muitos inocentes. Vc consegue imaginar a brutalidade de uma bomba explodindo em meio a pessoas escolhidas aleatoriamente? Cada uma com seus sonhos e famílias? Não há nada mais cristão que se oferecer em holocausto, segundo vc colocou, mas um bom cristão apertaria o gatinho para evitar o sofrimento das “outras faces”, pois estas não são a sua. Essa decisão tem que ser delas! Eu apertaria o gatilho, caso estivesse em meu alcance. E é claro que me refiro a uma situação de combate, como foi o caso. Caso ele hasteasse a bandeira branca haveria a possibilidade de arrependimento, mesmo que pequena, o que já seria motivo para considerá-lo um prisioneiro e não um alvo.

    Como exemplo cito o caso daquele turco que tentou assassinar o João Paulo II. Era a função de qq guarda costas cristão evitar que ele realizasse seu intento, mesmo que esse guarda costas tivesse que atirar para matar. Se tal situação ocorresse o guarda costas não teria pecado. Como o turco sobreviveu, ele foi julgado e condenado à prisão, onde ele se arrependeu. E será que ele se arrependeu mesmo? Isso não importa. O que importa é que o Papa agiu como se fosse um arrependimento genuíno e o perdoou! E será que ele o perdou mesmo? Bem, isso eu não sei, mas que foi bonito foi!

    abs.

  3. O guarda-costas poderia, também, jogar-se na frente do Papa e tomar o tiro por ele. Mas esse não é o ponto. O ponto é: a vida deixa de ser um valor supremo quando julgamos que algo está acima dela. Ora, eu poderia, para citar outro exemplo, matar o Capitão Nascimento com a justificativa de que muitas vidas seriam salvas. Aí você diria que a morte dele – e o fato de que ele não vai mais subir o morro – terá como consequência exatamente o fato de que muitos outros morrerão. Mas aqui nós estamos discutindo quais valores justificam melhor a morte de um ser humano. A vida virou um dado na equação. Viu o problema?

  4. Aqui perto de casa tem uma escola com o nome de Joana D´arc. Se mudassem o nome, com a criatividade própria aos goianos, a chamariam de Rui Barbosa. Já notou como tem escola pública no Brasil com o nome do Rui Barbosa?

    Rosa, há aquele famoso ditado: “Deus sempre luta do lador vencedor”. Essa coisa de religião-guerra é meio confusa. Mas eu sempre notei que a religião justificou algumas guerras e nunca impediu nenhuma. Na hora de gerenciar conflitos, a razão, por mais limitada que seja, ainda é um guia melhor do que a fé.

  5. Vou brincar de fundamentalista e ir direto aos fundamentos… 🙂

    1. A MISERICÓRDIA E A JUSTIÇA

    Um incidente muito interessante ocorreu, em uma tarde, no acostamento da estrada, quando eles se aproximavam de Tarento. Eles viram um jovem rude intimidando brutalmente um outro menor do que ele. Jesus apressou-se a ajudar o jovem atacado e, quando o tinha resgatado, ele permaneceu apenas segurando apertado o ofensor até que o menor tivesse escapado. No momento em que Jesus liberou o pequeno brigão, Ganid agarrou o menino e começou a bater nele sonoramente, então, Jesus prontamente interferiu, para espanto de Ganid. Depois que ele tinha contido Ganid e permitido ao menino amedrontado escapar, o jovem homem, tão logo recuperou o fôlego, exclamou excitado: “Eu não consigo entender-te, Mestre. Se a misericórdia exige que tu resgates o menino menor, a justiça não exige a punição do menino maior e que era o ofensor?” Respondendo, Jesus disse:

    “Ganid, é verdade, tu não entendeste. A ministração da misericórdia é sempre o trabalho do indivíduo, mas justiça na punição é função do social, do governamental ou dos grupos que administram o universo. Como indivíduo sou obrigado a mostrar misericórdia; eu devo livrar o garoto atacado, e com toda a firmeza eu posso empregar a força necessária para conter o agressor. E isso foi exatamente o que eu fiz. Eu realizei a libertação do menino atacado; esse foi o fim da ministração da misericórdia. E, então, à força eu detive o agressor por um período suficiente de tempo para permitir que a parte mais fraca, na disputa, escapasse, após o que eu me retirei do caso. E não continuei, não fiz o julgamento do agressor, nem repassei o seu motivo – nem julguei tudo o que motivou o seu ataque ao seu companheiro – e não assumi executar a punição que a minha mente podia ditar como a justa compensação pelo erro dele. Ganid, a misericórdia pode ser pródiga, mas a justiça deve ser precisa. Não podes discernir que não há duas pessoas que provavelmente concordem quanto à punição que deveria satisfazer as exigências da justiça? Um imporia quarenta chicotadas, o outro vinte, enquanto outro iria aconselhar ainda o confinamento em solitária como uma justa punição. Não vês que, neste mundo, essas responsabilidades ou deveriam ficar com o grupo ou deveriam ser administradas pelos representantes escolhidos do grupo? No universo, o julgamento é entregue àqueles que conhecem plenamente os antecedentes de todos os erros, bem como as suas motivações. Na sociedade civilizada e em um universo organizado, a administração da justiça pressupõe aplicar uma sentença justa em conseqüência a um julgamento equânime; e essas prerrogativas são dadas aos grupos jurídicos dos mundos e aos administradores todo-cientes dos universos mais elevados de toda criação”.

    Durante dias eles conversaram sobre esse problema da manifestação da misericórdia e da administração da justiça. E Ganid, ao menos em uma certa medida, compreendeu por que Jesus não queria entrar em combate pessoalmente. Mas Ganid fez uma última pergunta, para a qual ele nunca recebeu uma resposta totalmente satisfatória; e essa pergunta foi: “Mas, Mestre, se uma criatura mais forte e de temperamento maldoso te atacasse e ameaçasse destruir-te, o que farias? Não farias nenhum esforço para defender-te?” Embora Jesus não pudesse plena e satisfatoriamente responder à pergunta do jovem, porquanto ele não estava querendo revelar-lhe que ele (Jesus) estava vivendo na Terra como a exemplificação do amor do Pai do Paraíso, para um universo que a tudo assistia; ainda assim ele disse o seguinte:

    “Ganid, eu posso entender bem o quanto alguns desses problemas te deixam perplexo e eu vou esforçar-me para responder à tua pergunta. Primeiro, em todos os ataques que poderiam ser feitos à minha pessoa, eu determinaria se o agressor seria ou não um filho de Deus – meu irmão na carne – e, se eu achasse que uma tal criatura fosse desprovida de juízo moral e de razão espiritual, eu defenderia sem hesitar a mim próprio com toda a capacidade dos meus poderes de resistência, a despeito das conseqüências para o atacante. Mas, eu não agrediria assim a um irmão que tenha o status de filiação, nem mesmo em autodefesa. Isto é, eu não o puniria adiantadamente e sem julgamento pela sua agressão contra mim. Por todos os meios possíveis eu procuraria impedi-lo e dissuadi-lo de fazer aquele ataque e faria tudo para mitigá-lo no caso em que eu fracassasse em evitá-lo. Ganid, eu tenho confiança absoluta no cuidado do meu Pai celeste; eu estou consagrado a fazer a vontade do meu Pai no céu. Eu não acredito que nenhum mal real possa sobrevir a mim, eu não acredito que o trabalho da minha vida possa ser ameaçado por qualquer coisa que os meus inimigos possam desejar que aconteça a mim, e certamente não há nenhuma violência dos nossos amigos a ser temida. Estou absolutamente seguro de que todo o universo é amigável comigo – essa é a verdade todo-poderosa na qual eu insisto em acreditar, com uma confiança de todo coração a despeito de todas as aparências em contrário”.

    Ganid, todavia, não estava plenamente satisfeito. Muitas vezes eles falaram sobre essas questões, e Jesus contara a ele algo das suas experiências de infância e também sobre Jacó, o filho do pedreiro. Ao saber como Jacó se propusera a defender Jesus, Ganid disse: “Oh, eu começo a perceber! Em primeiro lugar muito raramente qualquer ser humano normal iria atacar uma pessoa tão boa como tu és e, mesmo se alguém fosse tão impensado a ponto de fazer tal coisa, há de haver muito certamente algum outro mortal à mão que acorrerá em tua proteção, do mesmo modo que tu sempre acorres em defesa de qualquer pessoa que tu percebes estar em aperto. No meu coração, Mestre, eu concordo contigo, mas na minha cabeça eu ainda acho que se eu tivesse sido Jacó, eu teria gostado de punir aqueles irmãos rudes que ousaram atacar-te só porque sabiam que tu não irias defender-te por ti próprio. Eu presumo que tu estás a salvo o suficiente nessa tua jornada pela vida, já que passas grande parte do teu tempo ajudando aos outros e ministrando aos teus semelhantes em desespero – bem, muito provavelmente haverá sempre alguém à mão para defender-te”. E Jesus retorquiu: “Esse teste ainda está para acontecer, Ganid, e quando vier, nós teremos que nos conformar com a vontade do Pai”. E isso foi tudo o que o jovem pôde levar o seu Mestre a dizer sobre essa questão difícil da autodefesa e da não-resistência. Numa outra ocasião ele conseguiu tirar de Jesus a opinião de que a sociedade organizada tinha todo o direito de empregar a força para o cumprimento dos seus mandatos de justiça.

    2. O EMBARQUE EM TARENTO

    Enquanto permaneciam no navio atracado, esperando que o barco fosse descarregado, os viajantes observaram um homem maltratando a sua mulher. Como era do seu costume, Jesus interveio em defesa da pessoa submetida à violência. Ele foi por trás do marido irado e, tocando gentilmente no seu ombro, disse: “Meu amigo, posso falar contigo em particular, por um momento?” O homem em cólera ficou embaraçado com essa abordagem e, depois de um momento de hesitação e embaraço, balbuciou : “É… – por que – Está bem, o que quer comigo?” E, depois de levá-lo para um lado, Jesus disse: “Meu amigo, percebo que algo terrível deve ter acontecido a ti; e desejo muito que me digas o que teria acontecido a um homem tão forte para levá-lo a agredir a sua mulher, a mãe dos seus filhos, e isso, bem aqui diante dos olhos de todos. Estou seguro de que tu deves sentir que há uma boa razão para esse ataque. O que fez a mulher para merecer esse tratamento do seu marido? Ao olhar para ti, vejo que posso perceber no teu rosto o amor da justiça e até o desejo de mostrar misericórdia. E aventuro-me a dizer que, se tu me visses atacado por ladrões, tu irias, sem hesitação, acorrer para ajudar-me. Eu ouso dizer que tu já fizestes muitas coisas valentes no curso da tua vida. Agora, meu amigo, diga-me o que está acontecendo? A mulher fez algo errado, ou terias tu perdido tolamente a cabeça e, sem pensar, agrediu-a?” Não foi tanto o que ele dissera que tocara o coração desse homem, mas foi o olhar de bondade e o sorriso de simpatia que Jesus lhe dirigira quando concluía as suas observações. Disse o homem: “Eu vejo que tu és um sacerdote dos cínicos e estou agradecido por me teres refreado. Minha mulher nada fez de muito errado; ela é uma boa mulher, mas o modo pelo qual me provoca em público me irrita, e perco a cabeça. Sinto muito pela minha falta de autocontrole, e prometo tentar viver de acordo com a promessa que fiz outrora a um dos teus irmãos que me ensinou as maneiras certas. Eu te prometo”.

    E então, despedindo-se dele, Jesus disse: “Meu irmão, sempre te lembra de que o homem não tem autoridade de direito sobre a mulher, a menos que a mulher tenha de propósito e voluntariamente dado a ele essa autoridade. A tua mulher se propôs a viver contigo, a ajudar-te a lutar nas batalhas da vida e a assumir a parte maior na carga de ter e de criar os vossos filhos; e, em troca desse serviço especial, é mais do que justo que ela receba de ti aquela proteção especial que o homem pode dar à mulher, como uma parceira que deve carregar, suportar e nutrir os filhos. O cuidado e a consideração amorosos que um homem deseja dar à sua esposa e aos seus filhos são a medida da realização daquele homem, nos níveis mais elevados da autoconsciência criativa e espiritual. Sabes tu que esses homens e mulheres são parceiros de Deus, pois eles cooperam para criar seres que crescem e que possuem por si próprios o potencial de terem almas imortais? O Pai no céu trata o Espírito Materno, que é mãe dos filhos do universo, como igual a si próprio. Compartilhar a tua vida e tudo que se relaciona a ela em termos de igualdade com a mãe que tão plenamente compartilha contigo a experiência divina de reproduzir-vos, na vida dos vossos filhos, é ser semelhante a Deus. Se apenas puderes amar aos teus filhos como Deus te ama, tu amarás e acariciarás a tua esposa como o Pai no céu honra e exalta o Espírito Infinito, a mãe de todos os filhos espirituais de um universo vastíssimo”.

    E quando eles foram a bordo do barco, olharam para trás e viram a cena do casal que permanecia, com lágrimas nos olhos, em um abraço silencioso. Tendo ouvido a última metade da mensagem de Jesus ao homem, Gonod esteve todo o dia ocupado em meditar sobre tudo aquilo, e resolveu reorganizar a sua casa quando voltasse para a Índia.

    A viagem a Nicópolis foi agradável mas lenta, pois o vento não estava favorável. Os três passaram muitas horas recontando as suas experiências em Roma e relembrando tudo o que lhes tinha acontecido desde que se conheceram em Jerusalém. Ganid estava tornando-se imbuído do espírito do ministério pessoal. Ele começou a auxiliar no navio como camareiro, mas no segundo dia, quando mergulhou mais nas profundas águas da religião, ele chamou Joshua para ajudá-lo.

    Eles passaram vários dias em Nicópolis, a cidade que Augusto tinha fundado, há uns cinqüenta anos, como a “cidade da vitória”, em comemoração da batalha de Actium, pois fora nesse local que acampara com o seu exército antes da batalha. Eles alojaram-se na casa de um tal de Jeremias, um prosélito grego de fé judia a quem conheceram a bordo do barco. O apóstolo Paulo passou todo o inverno com o filho de Jeremias na mesma casa durante a sua terceira viagem missionária. De Nicópolis eles velejaram no mesmo barco para Corinto, a capital da província romana de Acáia.

    O Livro de Urântia, Documento 133, Capítulos 1 e 2.

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