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Ah, este povo estúpido!!!

Durante a época de avaliações na Universidade, uma conhecida piada volta a freqüentar os corredores e salas de professores. A piada diz o seguinte: “aqui é o melhor lugar do mundo para se trabalhar, o problema são os alunos”. Politicamente incorreta? Eu sei. Dá até para sentir um cheiro de autoritarismo, se não fosse piada, se não fosse o humor. Acontece que numa enquete feita aqui mesmo no blog sobre a razão do Lula estar à frente nas pesquisas, a opção mais votada era “porque o povo não sabe votar”. Pensamento perigoso numa democracia. Explico.

Ciência política não é uma ciência exata – Bruno, não pense que não irei te responder, espere só mais um pouquinho -, mas é uma ciência concreta. Está ancorada nos fatos, mesmo que os métodos reflexivos imponham seu quinhão especulativo. Se o povo votou em Lula, há motivos e estes podem ser explicados (vão desde as estratégias de campanha até os imponderáveis caprichos do azar); nenhum deles tem a ver com a “inteligência” do povo.

Bem, falava de ciência política e não era à toa. Vejam, um dos problemas mais antigos da ciência política é o problema da ação. Em Aristóteles encontramos uma dupla explicação consorciando educação e reflexão. A ação é moldada no indivíduo, em primeiro lugar, pela educação – hábito e exemplo -, mas também não se pode retirar seu componente reflexivo – a deliberação -, cujo conhecimento específico não é nenhuma ciência, mas apenas prudência, sabedoria prática (para aqueles dotados de um c.d.f. já escrevi sobre isso antes). Para Aristóteles as pessoas são éticas apenas se podem atualizar, via deliberação consciente e autônoma, o que aprenderam quando eram crianças. Ou ainda, só somos verdadeiramente éticos quando optamos conscientemente por um determinado modo de agir e enfrentamos suas consequências.

Os medievais deram seu pitaco, os modernos deram seu pitaco e os contemporâneos continuam às voltas com o problema político essencial: “porque as pessoas agem como agem num determinado contexto político?”. Como sou o tarado do blog por pesquisas, há também uma metodologia para tentar esclarecer como as pessoas votam do modo como votam. Vejam bem, tenta. A mente das pessoas continua indevassável, pelo menos para a ciência.

A metodologia de que falo – uma dentre muitas – é chamada grupo focal (focus group). Quem já conhece por favor pule para o próximo parágrafo. Esta metodologia tem um objetivo bastante específico: determinar como se sedimentam as opções políticas dos indivíduo. A partir de uma amostragem estratificada, reune-se um grupo de até 12 pessoas – mais do que isso torna temerário o trabalho do moderador – numa sala com um espelho falso. De um lado, as pessoas são dispostas numa mesa de acordo com suas afiliações políticas (eleitores de A de um lado, eleitores de B de outro) sem saberem disso. Através do espelho de Alica, um pesquisador anota, tematicamente, os assuntos e os argumentos utilizados pelos eleitores para justificar seu voto. O moderador – um pesquisador mais experiente que coordenará a discussão – senta-se com o grupo de faz as mesmas anotações, que depois serão comparadas. A partir de uma série – nesta campanha para governador do Estado de Goiás fui convidado a acompanhar alguns, mas a equipe de pesquisa fez, ao todo, 100 grupos) – os pesquisadores consolidam uma interpretação sobre como as flutuações de voto se dão e por quais motivos. Os pesquisados sabem que estão sendo filmados e a duração média de cada grupo é de 2 horas.

Muito bem. Porque as pessoas votaram no Lula? Não porque são estúpidas ou porque não possuem informação ou educação para saberem o que está acontecendo. O que ficou bastante claro nos grupos focais dos quais participei, foi que o eleitor não fez um julgamento moral dos candidatos. E isso não porque ele seja idiota ou ingênuo, muito pelo contrário, é porque ele pensa estrategicamente. Já falei sobre isso aqui, mas passou despercebido:

Só que o eleitor não pensa assim, ele pensa estrategicamente – o que quer dizer: o que eu ganho com isso? Em linguagem mais técnica, ele procura sempre um jogo de soma positiva, buscando maximizar seus ganhos ou diminuir suas perdas. E ele trabalha sempre de uma perspectiva individual. Belo paradoxo: a única coisa capaz de garantir a vitória de Alckmin (ou uma vitória do liberalismo) é apelar para o senso de coletividade dos indivíduos, vinculando a ação atual não ao ganho individual imediato, mas ao ganho futuro; futuro este apenas identificável quando encarnado na idéia de Nação.

O povo aprendeu a fazer este raciocínio, não nasceu sabendo. Aliás, um voto moralmente orientado seria muito mais natural se a previsão corrente de que o povo é conservador fosse válida. Na verdade, o povo é conservador, mas de um tipo muito especial: ele procura conservar o que melhorou sua vida, neste sentido o povo é pragmaticamente inteligente. Podemos não concordar, podemos até julgar o povo moralmente (como diz o Reinaldo Azevedo, “é lula de novo com a culpa do povo”), mas numa democracia é ele quem decide. Portanto, mesmo discordando, nos submetemos e, daqui para frente, tentamos travar o bom combate.

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4 Comments

  1. Vin

    Daniel,

    Seu post é esclarecedor. Muito bom mesmo. Mas tenho algumas ponderações. A primeira diz respeito à pesquisa (focus group). O recém-internado, Duda Mendonça, tem lá seus méritos, e um deles têm relação com que o vc acaba de retratar. No seu livro “Casos & Coisas”, ele aborda muito bem essa questão que vc ventila em nossa memória empoeirada. Mas a falha dele talvez esteja no fato do dito ser um dos grandes benefeciados da estratégia autoritária do PT. Vamos deixar o tempo nos responder. Porém, numa campanha eleitoral, o valor que mídia representa em dada sociedade (desinformada), é imenso. Pior ainda quando ela é toda manipulada, comprada e governista. O grande público não tem acesso aos jornais, a opinião, a crítica, fica, pasmem!, com a inconteste “verdade” dos jornais nacionais dos meios de comunicação. A era da desinformação vem liquidando tudo que é barreira para os ganhos governamentais. E é preciso muito cuidado para não fazermos uma avaliação errada do eleitor brasileiro. E tem outra: se o povo soubesse que o governo é o problema, e não a solução, já estava de bom tamanho. E, acredito, essa realidade eu não estarei vivo para ver. É o que nos sentencia Roberto Campos: “o governo [no Brasil] não é um instrumento nosso – é uma força de ocupação de demagogos, corporativos e clientelistas que nos domina e explora”.

    E para que seu artigo fique mais foda do que está, acrescendo as palavras de Alexander Tyler: “Uma democracia não pode existir como uma forma permanente de governo. Só pode existir até que os eleitores descubram que podem votar por mais dinheiro do tesouro público para si mesmos. Deste momento em diante a maioria sempre votará nos candidatos que prometem a distribuição de mais dinheiro do tesouro público, tendo como resultado que uma democracia sempre acaba em razão de políticas fiscais frouxas, liberais e irresponsáveis e são seguidas por uma ditadura. O tempo médio de duração das grandes civilizações da história tem sido de duzentos anos. Estas nações evoluíram através da seqüência seguinte: da escravidão à fé espiritual, da fé espiritual para uma grande coragem, da coragem para a liberdade, da liberdade para a abundância, da abundância para o egoísmo, do egoísmo para a satisfação pessoal, desta para a apatia, da apatia para a dependência e desta de volta à escravidão”.

    Abraço!

  2. bruno costa

    Nem por um instante passou-me pela cabeça que você não iria me responder, Daniel. Eu acompanho com grande interesse seus posts, só não quero que vc fique chateado com minhas opiniões. Reservo-me o direito (democrático) de achar a caterva estúpida. Não creio, como você, na inteligência pragmática do povo, essa entidade metafísica a qual nunca pertence aquele que a enuncia. Não decorre disso, naturalmente, que eu despreze ou questione o poder do seu voto ou não me “submeta” à notória sabedoria popular quando esta vai, obrigada e manietada, às urnas. Eia, sus! Nada de tanques para amordaçar a turba ignara! Mas vc não teria reduzido o suposto pragmatismo popular a um mero imediatismo? O povo não faz julgamento moral? Só quando vota ou quando lincha também? Se não faz, deveria, mas sabemos que não tem condições para tanto, quantos de nós não votaríamos no Lula se fôssemos obrigados a viver com essa bolsa-família humilhante e que só desperdiça os recursos que deveriam ser empregados no desenvolvimento desse país? É fácil para mim falar, porque eu comi não faz duas horas. Daí se segue que eu tenho de me render à constatação de que o povo excele em seu jeitinho sinuoso de exercer o direito democrático de votar. Mas eu não acredito que foram só os miseráveis, seduzidos pelo assistencialismo repugnante do Molóide os responsáveis pela sua reeleição. Mas que contribuíram, ah, você há de convir que contribuíram! Prepare-se: seu alarme vermelho soará inúmeras vezes a partir de agora. Autoritarismo vai rolar solto. Nunca vi um sujeitinho tão ordinário, tão arrivista como esse rebotalho a quem temos de chamar de presidente! Você assistiu à entrevista que ele “gentilmente” concedeu após a reeleição? Que asinino de triste figura! Mas o povo é sábio, Daniel, ele não faz julgamentos morais, ele age pragmaticamente sobre a realidade, dotado de uma incrível e justificável, claro, sapiência intuitiva, farinha pouca, meus r$65 primeiro. Muito justo. Como vc nos explicou num post anterior, a vida dessas pessoas melhorou “de fato” (o que é questionável, de acordo com o ângulo que vc considerar) e esse é o dado objetivo ao qual devemos nos ater, exibir o cachaço à borduna do povo e lamentarmos a nossa idiotia pequeno-burguesa, que não entende os augustos embora tortuosos caminhos da democracia, quando postos nas mãos de um povo miserável e analfabeto. Onde não há consciência, não há escolha. Habermas? Sei lá. Quanto aos “adoradores do carvalho”, me fez rir. É da sua lavra? Eu fico surpreso que o Olavo de Carvalho, cujas idéias são, no mínimo, interessantes, seja tão tapado no que se refere à sexualidade e religiosidade. Despreza a união entre homossexuais, acha que travesti é um alienígena pronto para destruir os valores ocidentais cristãos e por isso não pode entrar em templo nenhum, e vem com essa balela ridícula de que se vc não acredita em nenhuma das grandes religiões então está condenado ao fogo do inferno do historicismo estéril e relativizante. Nesse caso específico, ele não conseguiu transcender a influência que o meio exerceu sobre ele. Mas não vou deixar de lê-lo nem de admirar a sua postura com relação a outros tópicos “só” por isso. Mas que foi engraçado, foi. A seita dos adoradores do carvalho!!!
    um abraço cordial

  3. bruno costa

    Ainda sobre a “inteligência pragmática” e a ausência de “julgamento moral” do bravo, inculto, miserável e analfabeto povo brasileiro, que sabe escolher, sim, seus governantes, e cuja escolha é sagrada e intocável, pois apesar de estúpida, é “democrática”. Quem discordar, está fermentando “pensamentos perigosos numa democracia”. Qual? Alguém a viu por aí?

    Do meu amigo Euler Belém, no Opção, (Imprensa, de 22 a 28 de outubro de 2006):

    Surrealismo

    Em Porangatu, no primeiro turno, os cabos eleitorais diziam aos eleitores: “Não esqueçam de levar uma colinha para não esquecer o nome do candidato na hora de votar”.

    Ocorre que pessoas mais humildes passaram a procurar colas ou “colinhas” nas papelarias. Para colar o quê, não se sabe.

  4. bruno costa

    O novo marqueteiro de Lula é bamba mesmo. Dá uma de louco, mas não rasga nota de cem. Ele não tem dúvida, o povo votou em Lula porque tinha certeza que ele era inocente. A sua teoria brilhante do “fortão” e do “fraquinho” explica muita coisa mesmo. Leiam, por favor:
    http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u86328.shtml

    FOLHA – Como isso ocorre?
    SANTANA – Passou a existir uma projeção das camadas C e D da população. Lula é um deles. Chegou lá. Os 60% da população que se identificam com Lula enxergam o presidente como o fortão, o igual que rompeu todas as barreiras sociais e tornou-se um poderoso. É algo que mexe profundamente com a auto-estima das pessoas. Lula, nesse caso, é o “fortão”, o “libertador” da minha teoria. Por outro lado, quando Lula é atacado, o povão pensa que é um ato das elites para derrubar o homem do povo. “Só porque ele é pobre”, pensam. Nesse caso, vira o bom e frágil “fraquinho” que precisa ser amparado e protegido. Jamais houve, no Brasil, tamanha identificação entre um presidente e os setores majoritários da população.

    FOLHA – A população é indulgente com o presidente porque se identifica com ele?
    SANTANA – Não. O fato é que as pessoas não enxergaram culpa direta, e não há nenhuma prova contra o presidente. O grande absurdo de leitura nesse processo é dizer que o brasileiro tem um padrão ético baixo ou que esqueceu a ética na hora de votar. O eleitor brasileiro só votou no Lula porque tinha certeza de que ele era inocente.

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