Vai acabando o dia de finados. Ano passado escrevi uma pequena crônica sobre este dia que ficou enterrada no meu antigo e abandonado blog. Para mim o dia de finados é todo pôr-do-sol, é todo crepúsculo. Eis a crônica:
O dia de finados transcorreu normalmente. Céu nublado, muita gente nos cemitérios, muitas flores, choros e longos suspiros de saudade. Algumas pessoas passeavam com o olhar perdido, um longo olhar. Outros permaneciam parados até, de repente, girar a cabeça num movimento brusco, como se tivessem ouvido ou visto alguma coisa. Depois retornam para dentro de si mesmos, contemplando mudamente as lápides como a um espelho. “Ó espelho meu, o que de mim neste morto morreu?”
Meus mortos aumentaram este ano. Por isso este post. Uma vela para os meus mortos, simbólica, cibernética.
Estou ouvindo uma missa composta por Palestrina. Como são belos os meus mortos, congelados em lembranças alegres ou graves. Acompanho-lhes os movimentos em detalhe, acompanho-lhes a precisão dos gestos. Meus mortos não se perdem, nem fazem o que não deviam. Quando me olham, que doçura!!, estão em paz. Hoje é o dia no qual converso com todos.
“Como vão as coisas?”, “O que o senhor tem feito, meu Tio? Continua fechado em si mesmo? É a morte para o senhor tão solitária quanto foi a vida?”.
“Vó, aprendeu mais algum ponto sofisticado no crochê? Há sapos por aí? Sei que senhora não os suporta. Olha, estou morando na sua casa, seu bisneto foi visitar-lhe o túmulo hoje, viu como está grande?”.
“Tio, How are you? Sentimos sua falta na mesa de pôquer”.
“Jordino, como estás rapaz? Sinto falta dos seus conselhos, do seu humor capenga, da sua silhoueta torta pelos corredores da faculdade.”
O meu olhar não pode mais alcançar sua diáfana existência. Apenas a memória persiste. Nela fico atrás da porta, logo após a curva, para tentar alcançá-los desprevenidos, surpreendê-los com um susto ou num gesto inédito, espontâneo. Mas nunca. Sempre os mesmos movimentos, a mesma doçura e a mesma paz. Sempre no museu de cêra dos meus pensamentos.
Rosa Maria
Daniel, também me peguei pensando nos meus mortos no meio do expediente, quando digitava a data numa carta educadamente fria para um cidadão com nome estranho: Hamish.
Era 02 de novembro e senti o cheiro de terra molhada e pisada dos cemitérios.
Carrego diariamente os mais saudosos nos meus dedos (lembra que uso as alianças de casamento dos meus pais?) e, isso apesar de boa moça católica do interior de Goiás, ainda me é a única mortalidade que conheço. Enquanto nos lembramos deles, eles permanecem.
Beijo grande