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Estudo relaciona descrença religiosa a Q.I. alto.

É possível estabelecer alguma diferença entre fato e valor? Eu, particularmente, não acredito que pesquisas como esta, apesar de baseadas em rigorosa metodologia, pretendam afirmar que os crentes são mais idiotas do que os não crentes. Há, entretanto, correlação, ou seja, de alguma forma a variável “descrença religiosa” altera-se quando a variável “Q.I. alto” é modificada. A discussão toda concentra-se nas variáveis intervenientes.

Eu, por exemplo, acredito muito na observação do professor de Psicologia da London School of Economics, Andy Wells. Inteligência implica uma gama maior de conhecimento, o que significa uma variedade maior de informação sobre várias coisas – inclusive visões de mundo – diversificando as opções antes restritas a crer ou não crer.

O mais interessante nem é isso. Ao relacionar estas variáveis o estudo mostra que não há, nem pode haver, relação causal entre elas. Quem crê em Deus não é mais inteligente ou esclarecido do que quem não crê em Deus. Nossa capacidade de compreender o mundo, nossa faculdade de intelligere como queriam os medievais, não está submetida à aceitação intelectual da idéia de Deus. O pensamento é capaz de conhecer a realidade e o homem capaz de compreender a si próprio mesmo que não acredite num Ser supremo.

Por outro lado, parece que para cada Santo Agostinho há uns 400 idiotas. Deve ser por isso que os pentecostais vivem amplificando seus cultos. Sua inteligência parece associar o volume da voz à capacidade divina de prestar atenção às suas súplicas. Deus deveria providenciar o milagre da elevação do Q.I.

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2 Comments

  1. filipe

    daniel,

    a inteligência não é resultado de apenas uma, mas de um conjunto de capacidades relativamente independentes. essa idéia está
    fundamentada na teoria das múltiplas inteligências desenvolvido pelo psicólogo howard gardner, na qual o próprio divide a
    “inteligência” em sete componentes distintos: lógico-matemática, espacial, musical, cinemática, linguística, intra-pessoal e inter-pessoal. o guilford conseguiu distinguir 120 tipos de inteligências. outros pesquisadores “investiram” ainda num
    conceito de inteligência emocional, chegando a afirmar que esta seria tão importante quanto a perspectiva mais tradicional de
    inteligência. esse grupo de pesquisadores considera que a teoria g e o Q.I. são, no máximo, uma medida de capacidades
    acadêmicas. portanto, os outros tipos de inteligência podem ser facilmente mais importantes fora desse ambiente [academia].

    dessa forma, além de não existir um conceito definitivo que sintetise todas essas habilidades, também não existe apenas um
    único teste para medir esta idéia de inteligência de forma coerente. historicamente, os testes de inteligência surgiram na china, pelo século V, e passaram a ser utilizados cientificamente na frança século passado. inclusive, este emprego
    científico [por alfred binnet e theodore simon] buscava não uma mensuração da inteligência, mas a identificação de estudantes que precisassem de ajuda extra na sua aprendizagem escolar. nas palavras do binnet:

    “This scale properly speaking does not permit the measure of the intelligence, because intellectual qualities are not superposable, and therefore cannot be measured as linear surfaces are measured, but are on the contrary, a classification, a
    hierarchy among diverse intelligences; and for the necessities of practice this classification is equivalent to a measure”.

    isto é, baixos resultados nos testes indicavam uma maior necessidade de intervenção dos professores no ensino destes alunos, e não necessariamente uma inabilidade no aprendizado.

    falando especificamente sobre o quociente de inteligência, esse termo foi proposto para representar o nível mental relacionando duas variantes: idade mental e idade cronológica. ainda assim, não existe um único teste de q.i., e sim várias adaptações pra situações/realidades diversas. não sou especialista no assunto, mas é fácil imaginar o grau de variância que se obtém na aplicação desses testes e quão complexo deve ser sua análise. portanto, seus resultados bem como sua validade devem ser relativizados. jared damond causou polêmica sobre o assunto quando sugeriu que qualquer ocidental [estamos falando de pessoas, obviamente] teria certamente resultados péssimos num teste de q.i. elaborado por aborígenes australianos. por que? porque o resultado do teste depende de elementos culturais articuladores de idéias como forma de comunicação, sistema de contagem e de operações aritméticas bla bla bla. em média, testes de q.i. sugerem que metropolitanos são mais inteligentes que tribais. também já foram submetidos chimpanzés e gorilas ao teste, onde a gorila chamada koko alcançou um q.i. 95 [ela tem, por convensão, um inteligência acima da média para humanos]. então, é um equívoco, ao meu ver, pensar que pessoas com q.i. alto são, de alguma forma mais elevadas cognitivamente [e pessoas com q.i. baixo são idiotas], da mesma forma que não existe bom senso em relacionar resultados de q.i. com crença em deuses.

    pra finalizar, concordo contigo, daniel, e acho muito perigoso tentar levantar alguma conclusão sobre esse tipo de estudo.
    lembro bem quando eu discutia resultados de projetos científicos com meu orientador e ele citou um exemplo clássico de
    conclusões equivocadas tiradas de correlaçoes. contarei bem resumidamente. um professor-pesquisador do estado de connecticut [se não me falhe a memória] determinou o período do ano no qual havia maior número de nascimentos de bêbês numa região e o período no qual uma espécie de cegonha “aportava” na mesma região para descansar e procriar. curiosamente, quando relacionou ambas as situações, notou que tratavam-se do mesmo período do ano. sarcasticamente, ele utilizava esse exemplo durante suas aulas pra sugerir que, de fato, a cegonha exercia seu papel folclórico de encomendadoras de criancinhas. eu poderia traçar, agorinha, uma correlação entre pessoas que tem q.i. alto, seus indicadores socioeconômicos maiores e consequente melhor
    acesso à saúde, informação e posterior descrença numa força suprema. seria uma idiotice, mas faria algumas pessoas
    discutirem por alguns minutos.

  2. Sobre o teste de Q.I. é verdade, filipe. O fato de que uma pessoal pode, ao longo do tempo, melhorar sua performance fazendo sucessivos testes é uma prova. Trata-se de avaliar certas habilidades. Nem de longe roça a complexidade do fenômeno.

    Mas o fato de que alguém se dispõe a financiar e divulgar de modo sério pesquisas com este viés é interessante. Como disse, até que ponto somos capazes de separar fato e valor? Tenho quase certeza de que o pesquisador já sabia o resultado antes mesmo de fazer a pesquisa.

    Outra coisa que vale a pena perguntar é qual teoria da inteligência sustenta a possibilidade destes tipos de pesquisa. Se não dá para fazer uma separação clara entre os tipos de inteligência, ao mesmo tempo ficamos sem conseguir explicar os gênios, por exemplo. Há coisas na pesquisa bem mais interessantes do que a pesquisa.

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