blog do escritor yuri vieira e convidados...

Categoria: escritores Page 6 of 31

Alteridade

Uma rapidinha com Guimarães Rosa para aplacar o calor infernal de fim de dia no Planalto Central e o calor geral desta vida abafada:

“Conto ao senhor é o que eu sei e o senhor não sabe; mas principal quero contar é o que eu não sei se sei, e que pode ser que o senhor saiba.”

(Do Grande Sertão Veredas).

Authors@Google: Neil Gaiman

A Google tem organizado palestras com escritores convidados no campus da empresa, divulgando-as em seguida através do Google Video. Eis a palestra do Neil Gaiman, autor de Sandman, aliás, único trabalho dele com que tomei contato, por insistência de amigos. Entre outros, gostei do trecho onde conta que, numa reunião literária, alguém lhe indagou o que escrevia. “Comics“, ele respondeu, para desgosto do interlocutor que reagiu com uma careta. “Sei… Algo conhecido?” “Bom, Sandman, etc. etc.” E o cara: “Mas então você é Neil Gaiman!” “Sim, eu mesmo.” “Mas, meu amigo”, tornou o outro, “você não escreve comics, você escreve graphic novels…” E Gaiman comenta com a platéia: “Me senti uma puta sendo chamada de garota de programa…” (A tradução é minha, perdoe qualquer equívoco.)


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“Permaneço um racionalista”

Seria psicanalítico demais, depois de postar o texto do Graciliano, citar o José Guilherme Merquior? Acho que não. Ter consciência da crítica do Graça – é… sou íntimo dos meus heróis – aos “intelectuais de miolo mole” faz da minha citação algo mais do que um ato falho freudiano (falho exatamente quando inconsciente). Faz dela justamente uma filiação, apesar do Merquior nada ter a ver com meus devaneios de “sumo pontífice em brochura”. Ser amigo dos mortos tem esta vantagem. Além disso, ela diz muito sobre minha posição intelectual e pessoal a respeito do meu último debate travado no blog.

Doa a quem doer, permaneço um racionalista – embora firmemente convencido de que o único racionalismo consequente é o que se propõe, não a violentar o mundo em nome de seus esquemas, mas a apreender em seus conceitos, sem nunca render-se ao ininteligível, sem jamais declarar o inefável, a essência de toda realidade, ainda a mais esquiva, mais obscura e mais contraditória. Somente as almas cândidas, os cegos voluntários e os contempladores do próprio umbigo não percebem e não aprovam a virilidade desta Razão; mas ela é apenas a própria e íntima razão de todo verdadeiro conhecimento humano.

Linhas Tortas

Quando comecei a escrever para o blog corri à livraria mais próxima e comprei o livro. Quem dera eu tivesse 10% da capacidade do Graciliano para a ironia fina! Desisti muito cedo de ser escritor, em alguma medida por conta do texto que segue. Foi uma porrada bem dada no meu ego.

O literato em esboço é um sujeito que tem sempre no cérebro um pactolo de idéia e que ordinariamente não tem na algibeira um vintém.

É poeta na acepção vulgar da palavra – é desocupado. Anda com a cabeça no ar, como convém a um indivíduo que faz versos. Através da fumaça branca de seu cigarro percebe vagamente alguma coisa muito brilhante e muito grande a acenar-lhe. É afoito, ri muito, gesticula em excesso, fala alto, principalmente a respeito de sua pessoa.

Ma che futebol que nada!

Futebol?! Eu prefiro é acompanhar o arremedo de debate entre o Rodrigo Constantino e o Olavo de Carvalho. (Já comentei sobre um dos gols aqui.) Arremedo porque, bem, um dos lados não quer assumir a disputa. (Tá parecendo um jogo entre a Seleção do Penta e, sei lá, o Coritiba em fuga.) Na verdade, eu prefiro não dar palpites, ando muito relapso para me meter numa confa dessas. Se o Olavo é fodão e o Rodrigo, fodinha, eu sou um fonada. Vou ficar é assistindo. (Claro, vão dizer que sou torcedor descarado de um deles. Bom, sou socrático, eu torço é pela verdade e pela tríade bom-belo-justo. Quem está com elas? Ora, aquele que acompanhar a polêmica com a tranquilidade e atenção necessárias terá a resposta. E, se for para escolher um time, escolho o Urântia, time com o qual nenhum dos dois se identifica. Alguém conhece?)

O Sexo Anal e a Alma Feminina

Sexo Anal

Dá preguiça demais ler na tela do computador, especialmente ficção e jornal, que são leituras que induzem e pressupõem certos estados de espírito. Jornal, em dia de semana, eu leio aos pedaços, entre um comando e outro no computador da ilha de edição, entre uma tarefa e outra. Em fim de semana, leio esparramado no sofá, escutando música e tomando café ou abrindo os trabalhos com a primeira cerveja do sábado. Livro é livro. Tem que ser de papel e pronto, pesar nas mãos, dar culpa de sublinhar, etc e tal.

Isto posto, digo que abro poucas exceções para textos de ficção na tela do computador. Mas devo confessar que, nas poucas vezes em que o fiz, não me arrependi. E, por coincidência, tratam-se de três romances que guardam incríveis e louváveis semelhanças entre si.

A primeira exceção, já há alguns anos, foi para o “Mulher de um Homem Só”, do Alex Castro, que àquela época ainda se chamava Alexandre Cruz Almeida. Como ele anda tramando sua publicação em papel, tirou o livro temporariamente do ar. É romance curto que não se consegue largar depois de poucas páginas centrado em torno da pergunta de se é possível uma verdadeira amizade entre homem e mulher. Uma genial incursão pela mente de uma mulher decidida a manter seu macho. Delicioso e muito engraçado.

A segunda exceção, bem mais recente, foi para o “Romance Barato”, de ninguém menos que nosso camarada de blog, Ronaldo Brito Roque. Outra genial incursão pelas mentes femininas, pelas emoções, ingenuidade e frieza de garotas que optam pela “vida fácil”. Também me prejudicou os afazeres, pois, uma vez iniciado, não pude mais largá-lo. Literatura do país de Nelson Rodrigues. O rapaz tem sensibilidade e verve. Está tentando publicá-lo e, espera-se, em breve, todos terão o privilégio de se divertir e emocionar com sua literatura.

A terceira exceção, recém concluída, foi para o “Sexo Anal – Uma Novela Marrom” do Luiz Biajoni. Puta que o pariu! Que livro! Como já foi dito, quase um filme. Uma novela visual. Que inveja desse cara. Vá escrever assim no inferno. O Biajoni tem uma capacidade absolutamente anormal para, em escassíssimas linhas meramente descritivas, derramar imagens muito poderosas. O cara não elabora, não psicologiza. Explicita as emoções dos personagens com muita parcimônia, pois não precisa. Está tudo ali nas entrelinhas naquela magia que pouco escribas dominam com tanta habilidade.

“Sexo Anal” é sexo anal, sexo oral, hetero e homossexual, fios-terra, hemorróidas, vibradores, repórteres policiais que gostam de travestis, justiça com as próprias mãos, maçons porcos rindo com escárnio, policiais corruptos, imprensa marrom, cocô e sangue. Contínuos de escritório, punhetas, podolatria. Porra, cerveja choca e fumaça de cigarro. E tudo isso com uma leveza incrível. Humor fino e pura ironia. Qualquer acidez fica por conta do leitor.

Como disse Idelber na orelha do ebook (e ebook tem orelha??), Sexo Anal é “pós ou transpornográfico”, pois “ao escancarar já no título paradoxalmente esvazia qualquer bobinha pretensão de excitação e voyeurismo punheteiro com o texto.” É fato. Você vai até ficar de pau duro ou molhada, mas não dá pra largar o livro e ir pro banheiro. Logo você estará rindo desmesuradamente para, em seguida, se incomodar com a crueza de cagadas e sangue na privada, estupros e assassinatos, e pouco depois puto com coroas gosmentos e qualquer sombra de excitação já terá passado.

A sinopse, nas palavras do próprio autor:

Em “Sexo Anal – Uma novela marrom” uma jornalista descobre as delícias do sexo anal ao mesmo tempo em que é escalada para cobrir – junto a um jornalista policial experiente – um crime bárbaro de estupro e morte. Em paralelo, seu namoro vai mal por conta do assédio de um médico bem-sucedido. Seu namorado conhece uma garota virgem de 23 anos que sofreu um abuso sexual na pré-adolescência e se interessa por ela. Uma homossexual, amiga de faculdade da jornalista – e apaixonada por ela -, faz de tudo para afastar os dois.

Não perca tempo! Antes que ele se envaideça com a enxurrada de elogios e declarações de amor e resolva cobrar, vá lá e baixe seu exemplar.

Finalmente, não posso deixar de enfatizar a semelhança de estilo, temática e de atmosfera entre os três romances citados. Sobretudo me parece curiosa a similaridade na enorme sensibilidade destes três autores homens para sondar a alma feminina. São três obras que têm mulheres como personagens centrais. E tenho certeza que as meninas teriam que ser muito hipócritas, invejosas ou se sentirem amedrontadas demais para negar que os três descrevem com argúcia e sutileza o que se passa no coração e na cabeça delas. Muito bacana.

Mais vegeto que vivo?

“Como é que ousaram dizer que eu mais vegeto que vivo? Só porque levo uma vida um pouco retirada das luzes do palco. Logo eu, que vivo a vida no seu elemento puro. Tão em contato estou com o inefável. Respiro profundamente Deus. E vivo muitas vidas. Não quero enumerar quantas vidas dos outros eu vivo. Mas sinto-as todas, todas respirando. E tenho a vida de meus mortos. A eles dedico muita meditação. Estou em pleno coração do mistério.”

Clarice Lispector, em A Descoberta do Mundo

As verdades de Bernardo Carvalho

Nove Noites

Há gente que não gosta de Bernardo Carvalho. Acham-no pedante, artificial e forçadamente intelectual em seus romances e contos.
Eu acho “Nove Noites” um romance espetacular. “Mongólia” também é muito bom, embora não se compare ao anterior. E seus contos são, em geral, excelentes.
“Nove Noites”, que acabo de reler como referência para um roteiro que estou escrevendo, é a história da história de Buell Quain e, principalmente, da obsessão do próprio Carvalho em entender o mistério em torno desta figura perdida na história da antropologia e do indigenismo brasileiros.
Quain foi um antropólogo americano, discípulo de Ruth Benedict e Franz Boas, que se suicidou entre os índios Krahô, no Maranhão, em 1939. Sua morte nunca foi plenamente explicada.
Instigado pela menção recorrente deste nome em sua vida, Bernardo Carvalho tenta encontrar o fio da meada da verdade sobre Quain em meio às poucas pistas restantes sobre sua vida e suas duas viagens ao Brasil: uma primeira expedição à região do Xingu, para pesquisa junto aos índios Trumai, e sua ida ao Maranhão, que culminaria no desfecho trágico de sua existência.
E como desencavar a verdade “numa terra em que a verdade e a mentira não têm mais os sentidos que o trouxeram até aqui”, adverte logo à abertura do livro Manoel Perna, o outro narrador do livro, além do próprio Carvalho, um suposto amigo de Quain em Carolina, no Maranhão?
E continua: “Pergunte aos índios. Qualquer coisa. O que primeiro lhe passar pela cabeça. E amanhã, ao acordar, faça de novo a mesma pergunta. E depois de amanhã, mais uma vez. Sempre a mesma pergunta. E a cada dia receberá uma resposta diferente. A verdade está perdida entre todas as contradições e os disparates. Quando vier à procura do que o passado enterrou, é preciso saber que estará às portas de uma terra em que a memória não pode ser exumada, pois o segredo, sendo o único bem que se leva para o túmulo, é também a única herança que se deixa aos que ficam, como você e eu, à espera de um sentido, nem que seja pela suposição do mistério, para acabar morrendo de curiosidade.”
O resultado é um romance das possíveis verdades sobre a morte de Quain, não excluindo a hipótese mais banal de um suicídio sem histórias mirabolantes por trás – um surto de uma personalidade frágil exposta pela experiência radical de isolamento em meio a uma sociedade absolutamente estranha.
O melhor de tudo é que a estrutura do romance reforça a idéia das “verdades possíveis” ou de verdades parciais que se entrecruzam, situando-se na fronteira entre a ficção e um esforço de jornalismo investigativo. No texto, sobrepõem-se às palavras de Bernardo Carvalho, além das parcas fotos disponíveis de Buell Quain, supostas cartas deste Manoel Perna, um engenheiro de Carolina, último amigo de Quain e derradeiro não-índio a vê-lo vivo.
São pouco os escritores que conseguem abraçar com resultados elogiáveis este tipo de estrutura meio pós-moderna. Na maior parte dos casos, gera-se muito barulho por nada e os livros se esvaziam à medida em que se aproximam do final pela própria falta de sentido. Tramas rocambolescas que prendem o leitor de início, mas que não tardam a denunciar a própria fraude que são.
Não é o caso de Bernardo de Carvalho.

Señoritos satisfechos

“Ortega y Gasset já dizia que os principais inimigos da cultura são os “señoritos satisfechos” que desfrutam do legado da civilização sem ter a menor idéia de como foi conquistado e, por ignorância das condições que o geraram, acabam por destruí-lo.”

O puxão de orelha que o Olavo de Carvalho está dando no Rodrigo Constantino deveria ser lido por todo aquele que insiste em dizer que a “crença religiosa dogmática” é inimiga da liberdade, que a Inquisição foi o pior flagelo criado pela e contra a humanidade, que os cristãos são fundamentalistas que não aceitam discutir sua fé, etc., etc. Novamente, Olavo with lasers…

D. Harlan Wilson no Second Life

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Hoje, às 19 horas (horário de Brasília), estarei na leitura pública do escritor norte-americano D. Harlan Wilson, que apresentará seu livro “Dr. Identity”, a ocorrer na StarFleet Academy SLQ Library. Quem quiser aparecer por lá, por favor, não faça como nosso amigo Vinicius, isto é, não fique falando comigo em português no chat aberto enquanto todos estão quietos assistindo ao evento. Até lá.
🙂

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