blog do escritor yuri vieira e convidados...

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Gnod

Neste site você encontrará interessantes “mapas” de livros, filmes, músicas e, claro, de pessoas…

Os Falsários (conto)

O falsário era poeta — e dos bons, como lhe diziam —, só que falso. Seus amigos, no entanto, não o distinguiam de um poeta veraz, e graças a isso ele pôde conquistar um pequeno círculo de admiradores. Nas festas, em que só comparecia sob súplicas, todos louvavam a verve que produzia alternadamente versos melancólicos e frases originais. Também dominava razoavelmente alguns idiomas estrangeiros e fazia citações curtas de Nietzsche, Sartre ou qualquer outro arrogante, impressionando os convivas com sua cultura filosófica forjada. É certo que não o fazia por mal. Era um fruto das circunstâncias e conquistara seu posto inadvertidamente, por vias que ele próprio desconhecia. E como não era estúpido, tratou de encarnar um personagem sutil e distante, de forma que sua popularidade, não remitindo nem crescendo, permitisse-lhe apenas o suficiente para gostar de si mesmo.

Literatura não é rock

Henry Miller

Esse aí é o Henry Miller. É mais ou menos com essa idade que os escritores começam a ser abordados pelas fãs. Tarde demais…

O Cueca Apertada

Escreveu Lin Yutang, em 1938, n’A Importância de Viver:

“A minha idéia de um bom magazine é esta: uma reunião quinzenal de bons conversadores, para deixá-los falar uns com os outros, por uma ou duas horas. Os “leitores” escutariam essas conversas. Depois disto, iria o leitor para a cama e, na manhã seguinte, ao acordar para os seus deveres cotidianos, sentiria, ainda persistente junto às suas faces, o sabor da conversa da noite passada”.

E esses meus amigos teimando em não realizar nosso podcast com debates, isto é, um… “cueca apertada”.

Lamento de Donzela

Eu quero um homem

que faça versos

que me mostre o quanto eu não sei

fazer versos

e me deixe subitamente feliz por não precisar mais

fazer versos.

eu quero um homem que seja

um menino

magro, desamparado

rejeitado por todas as mulheres

e ainda assim tenha no peito

um amor quente e inquestionável

úmido e salgado como lágrima

espesso como sêmen

explosivo como sêmen.

Ou um homem velho, bruto,

fatigado das mulheres.

Perguntas que não querem calar…

Pergunta 1: a Bruna Surfistinha está esperando as vendas do livro dela darem uma arrefecida para posar nua? (Pois é de se estranhar que ainda não o tenha feito, certo?).
Pergunta 2: na segunda arrefecida ela se casa em grande estilo?
Pergunta 3 e mais importante: será que o casamento da Bruna Surfistinha vai sair em Caras?
Seria talvez o ápice da história do Brasil. Depois, vem a decadência.

Pêlos

Eu invejava todo aquele carinho. As mãos deslizando sobre a barriga, o tórax, o pescoço, aquela lentidão indecente de peixe de aquário. Imóvel, trancado na minha própria vergonha, eu desejava participar duplamente da carícia: sentir as mãos dela pelo meu corpo, e tocar — por que não? — a aspereza mole dos pêlos dele. A cena, quase vil de tão explícita. Mais de uma vez quis interrompê-los, mas só de olhar eu já comungava um pouco daquele balé. Se não era convidado a subir no palco, pelo menos completava o drama como espectador; ouvia os gemidos com modesta agonia. Mais tarde eu teria aqueles pêlos à minha disposição, mas as mãos dela, as mãos que me curariam dessa dor fina e enjoada, estariam no corpo de outro, talvez com o mesmo prazer que tinham no dele. Já estava com ciúmes quando ela se despediu:

— Ele já está quase bom, acho que não vou precisar mais vê-lo.

— Nem mais uma vez?

— Me ligue se ele tiver uma recaída.

Em casa, pego o cartão (Renata — Clínica Veterinária São Francisco de Assis) e penso no que vou dizer ao telefone. Talvez simplesmente a verdade: quero que ela me trate como um cachorro.

LavourArcaica

Neste final de semana que passou, revi o filme LavourArcaica, de Luiz Fernando Carvalho. Chego à conclusão de que se trata de um dos melhores filmes brasileiros de todos os tempos.

Em primeiro lugar, importante ressaltar, é um raríssimo exemplo de roteiro adaptado de peça literária em que o filme está à altura do livro que o originou. E de que altura estamos falando! Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar é, sem dúvida, um dos maiores livros brasileiros de todos os tempos. A ousadia de adaptá-lo demonstra a coragem do cineasta. O mestre Hitchcock, por exemplo, que não era bobo nem nada, disse a François Truffaut que era uma loucura tentar trazer para a tela grandes romances. “Essas histórias já encontraram sua melhor forma na literatura. O filme estará sempre abaixo”, diz ele. (Truffaut achava que Alfred deveria filmar Crime e Castigo por considerá-lo uma típica trama hitchockiana).

A literatura no umbral

Escreveu Claudinei Vieira, do Desconcertos:

Alguém precisa ir lá bater na porta da literatura européia. Mexer no colchão, trocar a cadeira, dar uma chacoalhada, assobiar. Para que acorde. E não continue a nos fazer dormir. Parece que se perdeu alguma coisa de verve, de fogo, de urgência. De beleza, talvez. Formalmente bem construída sem dúvida; não se nega que saibam escrever, são séculos de cultura constituída. O problema é que se há de tomar cuidado em que não esteja fossilizada.

Creio que os caras, isto é, os escritores ocidentais em geral, e os europeus em particular, ainda demorarão muito para engolir aquilo que foi prenunciado – cada qual a seu modo – por Vico, Spengler e Harold Bloom: a “nova” Literatura só existirá quando os escritores passarem a respirar ao compasso da “nova” Era Teocrática em cujo umbral ora estamos…

Com as mãos do diabo (conto)

Aquela noite foi a primeira em que ela se sentiu realmente esposa, porque teve de esperar. Ele não veio às dez, não veio às onze, e à meia-noite também não conheceu o calor infernal que já lhe queimava o ventre. As roupas foram para o chão. O lençol, esfregando-se em seu corpo, chegou mesmo a parecer um outro corpo, leve como de criança, porém ligeiramente áspero, como os primeiros pêlos de um adolescente. E foi mesmo a juventude, com seu ímpeto de descoberta, que tomou aquelas mãos delicadas e as fez descer sobre um ventre que já ardia como a própria pele do diabo. Quando abriu a porta de casa, o marido ouviu os gemidos da secreta agonia. Quis matar o amante, depois de invejá-lo pelos gritos sinceros que ele arrancava da sua mulher. Na cozinha, escolheu a faca mais afiada. Chegou ao quarto pronto para esquartejar o próprio diabo, se ele tivesse corpo. Mas o diabo era apenas um calor úmido que agora se esvaía do corpo dela. Não havia mesmo ninguém no armário. Na cama, uma mulher exausta e um lençol molhado. O marido sabia o que tinha acontecido, ou antes, pensava que sabia. Na verdade só ela conhecia o segredo daquela descoberta: um segredo que ela não revelaria a um homem que se atrasara mais de duas horas. Dormiram calados. Ele aturdido pelo medo, ela com um riso nos lábios.

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