blog do escritor yuri vieira e convidados...

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Otto Lara Resende entrevista Nelson Rodrigues

Primeira parte:

Segunda parte:

O Rolex e o Celular

Digamos, por motivos de pura ironia, que seu nome era Christian, uma vez que se mostrou tão irritado — em outra conversa velha de um ano, que agora não vem ao caso — ao tratar das “desprezíveis” raízes cristãs (the christian roots) do Ocidente. Christian, um diretor de cinema brasileiro, basicamente de curtas-metragens, me foi apresentando como sendo curador de um relevante festival de cinema do Rio de Janeiro. “Não se preocupe”, me disse, “pelo que ouvi falar a respeito do seu filme, com certeza irei gostar muito”. Eu não estava preocupado, mas quis saber o que ele ouvira. “Ué, bróder, me disseram que o filme era uma porrada no estômago. Fiquei curioso. Se eu curtir, ele poderá ser selecionado pro meu festival.” Estávamos na festa de encerramento de mais uma edição da Goiânia Mostra Curtas, taças de vinho à mão, enquanto, ao nosso lado, uma fila se formava para o bufê que já começara a ser servido. Era noite e o pátio da Secretaria de Cultura estava abarrotado de cineastas, atores, políticos, empresários e culturetes em geral, todos muito satisfeitos em participar de um evento do gênero. Era como se uma atmosfera cosmopolitana tivesse subitamente descido sobre a cidade. Nada como testemunhar que o cinema goiano, em particular, e o brasileiro, em geral, parecia ter finalmente tomado impulso — muito embora não se soubesse exatamente em qual direção…

O rega-bofes patrocinado involuntariamente pelo contribuinte seguia seu curso, enquanto eu, Christian e o também cineasta João Novaes prosseguíamos rindo e conversando sobre temas diversos. A certa altura, lembrando-me da polêmica recente a respeito do sucesso do longa “Tropa de Elite”, decidi indagar:

“E aí, Christian, você gostou do Tropa de Elite? Seria interessante saber de um cineasta carioca se o filme afinal é fiel ou não à realidade.”

O cara mudou de cor instantaneamente, ficou branco, em seguida vermelho, então franziu o cenho e começou a disparar mil petardos contra o filme. Falava na velocidade de uma metralhadora, uma dessas que os traficantes costumam usar nos morros. Mais baixo que eu, Christian às vezes me olhava por cima dos óculos, o que tornava suas sobrancelhas mais ameaçadoramente expressivas. Dizia que o “Tropa” era o filme mais mentiroso e ridículo de todos os tempos, uma enganação com DNA hollywoodiano à qual apenas a massa estúpida poderia dar algum crédito.

“Acho que então faço parte da ‘massa estúpida'”, comentei, “porque achei o filme excelente.”

Vinicius de Moraes e Tom Jobim bêbados

Camus vai ao futebol

Solzinho bom

Flashbacks of a Fool

Vale mesmo pelo tal flashback do título original —Flashbacks of a Fool virou Reflexos da Inocência.

Joe (Daniel Craig; também produtor do longa) é um astro de Hollywood que vive um presente autodestrutivo em meio a drogas, orgias, egocentrismo e muita babaquice (pelo menos o personagem não é um yuppie de Wall Street ou um alto executivo de grande empresa). No momento em que se descobre em decadência, recebe também a notícia da morte de seu melhor amigo de infância e juventude.

Essa primeira parte é um tanto monótona. Quando o filme muda para a adolescência de Joe, as coisas melhoram e muito. A partir daí, o filme ganha beleza e maturidade.

Numa vila no litoral inglês, durante as férias de verão nos anos 1970, Joe descobre o primeiro amor, o sexo e o peso dos acontecimentos —a cena em que ele e Ruth dublam If There Is Something, do Roxy Music, é impagável. São os fatos que o levarão a perder a tal inocência do título brasileiro.

É fácil perceber que algo grave o fará se transformar no babaca do presente, mas a história é muito bem conduzida, sem pieguice, pelo diretor Baile Walsh em sua estréia em longas —ele é autor de videoclipes que tem em seu currículo bandas como Oasis e INXS; no filme, além de Roxy Music, destacam-se músicas de David Bowie.

Quando ela retorna ao presente, perde bastante força —Joe volta à cidade natal para o enterro. E a pequena redenção que ele consegue no final soa irreal e forçada. Reflexos da Inocência poderia muito bem ter se centrado muito mais no flashback.

Grafite — 25

O Poder vermelho

Mamãe cortava, lixava, arrancava cutículas. Eu, no meu canto, só podia pensar que aquilo era bobagem. Por que não resolver tudo com um simples cortador de unha? Pele, água quente, esmalte, a dor, sim, era quase nenhuma, mas e o tempo? Porque não gastá-lo com um livro ou filme? Por que o trabalho inútil de criar mais uma superfície onde já havia uma casca bastante eficiente, ainda que dura e fria? E depois, a corrosão. A segunda casca se desfazia e era preciso gastar mais uma tarde para uma nova camada de tinta. Desde cedo eu sabia que seria muito diferente de mamãe. Minhas unhas ficariam expostas, não havia motivo para cobri-las. Os homens que se conformassem. E as mulheres, eu as olhava de cima, não desperdiçava meu tempo e meu dinheiro com cores inúteis. Eu tinha mais o que fazer com minhas tardes de domingo.

Mas, quando ele apareceu, eu vi nos seus olhos alguma coisa mais firme e convicta que minha petulância. Ele parecia satisfeito consigo mesmo, e isso me assustava, eu que tanto tentava me transformar. Eu queria descobrir que força era aquela que o sustentava, que chão ele tinha achado para pisar no meio de tanta onda imprevisível. Mas ele não se revelava, ele apenas me olhava daquele jeito limpo e sereno. E fui aos poucos percebendo que era preciso encontrar outro meio de indagá-lo, era preciso submetê-lo a algum inquérito definitivo e silencioso, e o problema é que eu não tinha nem idéia de como começar. Foi quando aquelas lembranças vieram à minha mente com a força imprevista de um pequeno impacto. Procurei mamãe, vi as suas mãos cruas e pálidas, e senti medo. Pensei em lhe perguntar por que não havia mais cor, mas logo percebi que a resposta não me saciaria. Eu estava inquieta, arisca, obscuramente revoltada. Eu precisava de um ritual, não de uma explicação. Desci as escadas correndo – nem sei por que fui pelas escadas – e confesso que me senti um pouco derrotada quando paguei pelos pequenos vidros vermelhos. Mas depois, trancada no quarto, fui aos poucos recuperando minha confiança e lucidez. O contorno tinha de ser nítido; a cor, uniforme e compacta. Aquela pequena superfície tinha o dever intransferível de atestar toda a minha solidez. Saí do quarto sentindo uma alegria estranha e completamente nova para mim. Acho que pela primeira vez na vida senti vontade de mostrar algo à mamãe. Ela pegou minhas mãos, reparou nelas, contemplou-as como quem contempla de longe o vôo de um pequeno pássaro. Senti que uma nova compreensão, profunda e silenciosa, se instalava entre nós. Quando ele me ligou, não fiquei surpresa. Eu também tinha achado um chão onde pisar. As ondas começavam a se tornar previsíveis, como a órbita da lua, que as gera e justifica. O ritual estava concluído.

Poesia, Arte e Mito

Preste muita atenção:

“Quando a poesia exprime os mitos que a tradição lhe propõe, ela não é autônoma, não tem em si a mesma soberania. Ela ilustra humildemente a narrativa cuja forma e sentido existem sem ela. Se é obra autônoma dum visionário, ela define aparições furtivas que não tem a força de convencer e não têm verdadeiro sentido senão para o poeta. Assim, a poesia autônoma, fosse ela aparentemente criadora do mito, não é em última análise senão uma ausência de mito. De fato, este mundo em que vivemos já não engendra novos mitos, e os mitos que a poesia parece fundar, se não são objetos de fé, só revelam finalmente o vazio: falar de Enitharmon não revela a verdade de Enitharmon, é confessar mesmo a ausência de Enitharmon neste mundo a que a poesia o chama em vão.”
Georges Bataille, em “A Literatura e o Mal”.

E isto ocorre com todo e qualquer gênero artístico. A arte, em suma, deve fincar raízes no Mito e este, assim como toda energia consumida na Terra vem do Sol, recebe sua vitalidade de fora deste mundo…

Cartier-Bresson

Henri Cartier-Bresson/Magnum Photos

FRANCE. Ile-de-France. Seine-et-Marne. 1968
Henri Cartier-Bresson/Magnum Photos

Esta é uma das primeiras fotos que me lembro de ter admirado.

Hoje, há 100 anos, nascia o francês Henri Cartier-Bresson.

Mais fotos

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