blog do escritor yuri vieira e convidados...

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Comediantes negros

The Original Kings of Comedy Quem ainda não assistiu então assista ao excelente filme do Spike Lee The Original Kings of Comedy, um documentário sobre impagáveis comediantes stand up dos quais nunca havia ouvido falar: Steve Harvey, D.L. Hughley, Cedric the Entertainer e Bernie Mac. Não me esqueço de dois temas abordados por um deles: o porquê de o termo motherfucker ser de uso imprescindível e a diferença entre se criar filhos hoje em dia e antigamente. E o figura fala sobre como apanhava da avó por interromper uma conversa de adultos – que não falavam senão de cenouras e repolho – e de como atualmente seus sobrinhos de 3, 4 e 6 anos de idade o desafiam e enfrentam, sendo a menina de três a líder da gangue. Ele, claro, morre de saudades da época em que os adultos tinham autoridade e podiam dar uma surra nas crianças.

Outra coisa: é interessante notar como certas piadas que contam sobre negros levariam qualquer comediante americano branco diretamente ao tribunal ou ao cemitério. Falam coisas que todos pensam – ou vêem – mas não têm coragem de dizer. (Afinal, possuem um salvo-conduto na cor da pele.) Enfim, os caras são ótimos.

Bob Dylan e Martin Scorsese

Bobo DylanMês passado assisti ao documentário biográfico No Direction Home: Bob Dylan, dirigido por Martin Scorsese. Muito bom, apesar de ele se fixar tão somente no período que vai de 1961 a 1966, o que, claro, não é pouca coisa, já que mostra a metamorfose dum promissor jovem cantor de música folk num compositor de canções de protesto e, finalmente, deste último no Bob Dylan literalmente elétrico e plugado de Like a Rolling Stone.

Vale a pena detectar, nos 201 minutos de filme, o gênio, o talento, a presença de espírito e a honestidade desse figura que não apenas negou todos os rótulos que tentaram lhe impingir – cantor folk? de protesto? puff! – como fez questão de sublinhar sua completa descrença para com movimentos políticos. Participou de um ou dois festivais de protesto, foi a um grande comício em Washington junto a Martin Luther King e pronto, já sacou qual era a dessa gente que dá o sangue pela política. Valeu a experiência? Valeu, agora bola pra frente. E até hoje Dylan não entende o porquê de a imprensa querer saber o que artistas como ele, gente tão despreparada para tal, pensam sobre política. (Isso é que é um cara lúcido!)

Pêlos

Eu invejava todo aquele carinho. As mãos deslizando sobre a barriga, o tórax, o pescoço, aquela lentidão indecente de peixe de aquário. Imóvel, trancado na minha própria vergonha, eu desejava participar duplamente da carícia: sentir as mãos dela pelo meu corpo, e tocar — por que não? — a aspereza mole dos pêlos dele. A cena, quase vil de tão explícita. Mais de uma vez quis interrompê-los, mas só de olhar eu já comungava um pouco daquele balé. Se não era convidado a subir no palco, pelo menos completava o drama como espectador; ouvia os gemidos com modesta agonia. Mais tarde eu teria aqueles pêlos à minha disposição, mas as mãos dela, as mãos que me curariam dessa dor fina e enjoada, estariam no corpo de outro, talvez com o mesmo prazer que tinham no dele. Já estava com ciúmes quando ela se despediu:

— Ele já está quase bom, acho que não vou precisar mais vê-lo.

— Nem mais uma vez?

— Me ligue se ele tiver uma recaída.

Em casa, pego o cartão (Renata — Clínica Veterinária São Francisco de Assis) e penso no que vou dizer ao telefone. Talvez simplesmente a verdade: quero que ela me trate como um cachorro.

LavourArcaica

Neste final de semana que passou, revi o filme LavourArcaica, de Luiz Fernando Carvalho. Chego à conclusão de que se trata de um dos melhores filmes brasileiros de todos os tempos.

Em primeiro lugar, importante ressaltar, é um raríssimo exemplo de roteiro adaptado de peça literária em que o filme está à altura do livro que o originou. E de que altura estamos falando! Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar é, sem dúvida, um dos maiores livros brasileiros de todos os tempos. A ousadia de adaptá-lo demonstra a coragem do cineasta. O mestre Hitchcock, por exemplo, que não era bobo nem nada, disse a François Truffaut que era uma loucura tentar trazer para a tela grandes romances. “Essas histórias já encontraram sua melhor forma na literatura. O filme estará sempre abaixo”, diz ele. (Truffaut achava que Alfred deveria filmar Crime e Castigo por considerá-lo uma típica trama hitchockiana).

A literatura no umbral

Escreveu Claudinei Vieira, do Desconcertos:

Alguém precisa ir lá bater na porta da literatura européia. Mexer no colchão, trocar a cadeira, dar uma chacoalhada, assobiar. Para que acorde. E não continue a nos fazer dormir. Parece que se perdeu alguma coisa de verve, de fogo, de urgência. De beleza, talvez. Formalmente bem construída sem dúvida; não se nega que saibam escrever, são séculos de cultura constituída. O problema é que se há de tomar cuidado em que não esteja fossilizada.

Creio que os caras, isto é, os escritores ocidentais em geral, e os europeus em particular, ainda demorarão muito para engolir aquilo que foi prenunciado – cada qual a seu modo – por Vico, Spengler e Harold Bloom: a “nova” Literatura só existirá quando os escritores passarem a respirar ao compasso da “nova” Era Teocrática em cujo umbral ora estamos…

Com as mãos do diabo (conto)

Aquela noite foi a primeira em que ela se sentiu realmente esposa, porque teve de esperar. Ele não veio às dez, não veio às onze, e à meia-noite também não conheceu o calor infernal que já lhe queimava o ventre. As roupas foram para o chão. O lençol, esfregando-se em seu corpo, chegou mesmo a parecer um outro corpo, leve como de criança, porém ligeiramente áspero, como os primeiros pêlos de um adolescente. E foi mesmo a juventude, com seu ímpeto de descoberta, que tomou aquelas mãos delicadas e as fez descer sobre um ventre que já ardia como a própria pele do diabo. Quando abriu a porta de casa, o marido ouviu os gemidos da secreta agonia. Quis matar o amante, depois de invejá-lo pelos gritos sinceros que ele arrancava da sua mulher. Na cozinha, escolheu a faca mais afiada. Chegou ao quarto pronto para esquartejar o próprio diabo, se ele tivesse corpo. Mas o diabo era apenas um calor úmido que agora se esvaía do corpo dela. Não havia mesmo ninguém no armário. Na cama, uma mulher exausta e um lençol molhado. O marido sabia o que tinha acontecido, ou antes, pensava que sabia. Na verdade só ela conhecia o segredo daquela descoberta: um segredo que ela não revelaria a um homem que se atrasara mais de duas horas. Dormiram calados. Ele aturdido pelo medo, ela com um riso nos lábios.

Que viva o imperador

37° no termômetro da Henrique Schaumann. Depois de sushi à sombra das árvores no Sumaré, me abrigo no ar condicionado do Arteplex e nas paisagens gélicas de A Marcha do Imperador

Não sei dizer se foi o melhor documentário que já vi. Mas com certeza foi o mais bonito.

As paisagens do filme de Jean Luc Jacquet são magníficas. E, de fato, a vida do pingüim imperador vale um romance. A idéia de misturá-los (vida e drama) como forma narrativa para mostrar como eles vivem — e sobrevivem — no mais inóspito dos hábitats funciona perfeitamente. Não por acaso foi o segundo documentário mais visto de todos os tempos, atrás apenas de Fahrenheit 9/11, de Michael Moore.

No deserto branco, o embate entre a vida e o inverno é tocante. Quem vencerá?

[Ao som de: Nina Simone / The Best of (s/d; Sum Records), em homenagem ao Pedro]

Como se Tornar um Best-seller

Primeiro, o blog Freakonomics, mantido por Steven Levitt e Stephen Dubner, autores do best-seller “Freakonomics, o lado oculto e inesperado de tudo o que nos afeta”, publicado no Brasil pela Elsevier, merece estar entre os favoritos. Segundo, dica deles, para candidatos a escritores best-seller, este site tem um “titlescorer”. Entre o título de seu livro lá, e as estatísticas te dirão quais as chances de se tornar um campeão de vendas.

Não é do Juca Chaves

Graças ao meu pai, ouço Juca Chaves desde criança. O que só aumenta minha vergonha diante da gafe que cometi para com ele. Recebi uma mp3 por email meses atrás – Cagar é bom -, dei muita risada da paródia ao João Gilberto e, sentindo que a voz poderia não ser do Juca, fiz uma rápida pesquisa na internet. O site Letras.mus.br, do portal Terra, me confirmou, pois, a “autenticidade”: a música era mesmo do Juca Chaves. Escrevi-lhe solicitando autorização para colocar aqui o mp3. E, hoje, cinco meses mais tarde, ele finalmente me responde – super delicado e atencioso – dizendo que a gravação não é dele, que não faz paródias, senão sátiras, e que não usa termos “assim tão chulos” em suas canções. Puts, eu podia dormir sem essa… É como elogiar um escritor que se admira há anos, diante dele, pelo romance dum outro. Pesquisando mais acuradamente, encontro ainda duas versões do autor: no site Mundo Bizarro, “Jactânsio Bazófio” afirma que a paródia é de Rogério Skylab. Mas, finalmente, descubro que é, sim, do Laert Sarrumor, do Língua de Trapo. Será que agora alguém me dará permissão para divulgá-la? (Ai, quanta frescura da minha parte!)

  • Ah, quer saber?, ouça e dê risadas!

(Qualquer problema aí, Laert, fale comigo e eu retiro a música do site, ok? Agora deixa eu voltar às Confissões de Santo Agostinho…)

P.S.: Recebi este email do Laert Sarrumor:

A foto roubada

Já faz uns 20 anos. Eu ainda morava no Rio. Mas fui a São Paulo e acabei conhecendo uma garota paulistana linda. Tempos depois eu a encontrei de novo, no Rio. Não me lembro o que ela fazia lá. Papo vem, papo vai, ela me disse que nunca tinha ido ao Corcovado. Pois então eu a levaria…

Aproveitei para levar minha câmera. Queria tirar umas fotos lá do alto, se o tempo estivesse bom. E estava. Maravilhoso. Mas não é que a garota grilou? Isso, uma simples Olympus. E foi grilar só lá em cima, quando a tirei da mochila. Eu sei, eu também não entendi. Por que uma câmera poderia estragar um passeio como aquele?

Emburrou. Ficou até mais bonita. E mais maluca. Me fez prometer que eu não a fotografaria. Promessa feita…

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