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A língua

Como já disse dias atrás, tenho me debruçado, aqui em São Paulo, sobre a obra de dois grandes escritores: Rubem Braga e Monteiro Lobato. Este leio quando na casa do Dante e da Joana, aquele quando no apê do Rodrigo Fiume. Tanto como Lobato, Rubem Braga também tem altos causos, alguns muito engraçados. Veja este, intitulado A língua:

“Conta-me Cláudio Mello e Souza. Estando em um café de Lisboa a conversar com dois amigos brasileiros, foram eles interrompidos pelo garçom, que perguntou, intrigado: – Que raio de língua é essa que estão aí a falar, que eu percebo tudo?”

Monteiro Lobato contra os impostos

Ouça agora, em meu podcast, uma crônica do escritor Monteiro LobatoNovo Gulliver – na qual ele discorre, de modo atualíssimo, sobre o sanguessuga que é o Estado brasileiro…

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Governo Brasileiro (cuspe!)

Depois de ter sido preso pelo “crime de sinceridade” – escreveu uma carta esperançosa ao Getúlio Vargas cheia de conselhos e reclamações contra o Conselho Nacional de Petróleo -, Monteiro Lobato finalmente perdeu as esperanças para com o futuro do Brasil sob tão terrível governo. Já nos anos 1920 falava dos “trinta governos militares” que sobrevinham um após o outro desde 1889 e do perene estado de sítio que o Brasil vivia. Falava dos impostos absurdos que sangravam a indústria, o comércio, sua editora e matava o produto brasileiro que se via assim impedido de competir com os produtos estrangeiros. (Um livro português era mais barato que um livro em branco feito no Brasil.) Ficou horrorizado quando o Poço Lobato, na Bahia, primeiro jorro de petróleo em terras brasileiras, foi fechado pelo governo – o qual aliás havia declarado que naquela região não havia hidrocarbonetos – e, em seguida, enfeitado com um obelisco e os dizeres: “O Primeiro Campo Onde Jorrou Petróleo no Brasil – Organização do Conselho Nacional do Petróleo no Governo do Dr. Getúlio Vargas”. Ao acusar o roubo estatal, foi preso. Mais tarde, descobriu que a Standard Oil Company, dos Rockefeller, já mapeara todas as áreas petrolíferas do país, isso desde o início do século, e por isso comprava políticos para manter o monopólio. Enquanto nos EUA eram abertos poços de petróleo particulares numa taxa de 20.000 ao ano – desde meados do século XIX – no Brasil, o primeiro poço era então tomado pelo governo, e os demais impedidos de funcionar por contradições legais: enquanto uma lei do famigerado Conselho proibia estrangeiros de participar como acionistas das companhias petrolíferas nacionais, um artigo da constituição proibia os diretores de empresa de excluir sócios devido à sua nacionalidade… Logo, a burocracia travou a livre iniciativa. (Não é à toa que o corolário de todo esse processo, a Petrobrás, seja aquilo que é – uma financiadora de politiqueiros malandros.)

Em 1932, quando os paulistas tentaram se livrar da opressão do governo federal, a cidade de São Paulo foi bombardeada por tropas legalistas. Segundo Lobato, morreram mais civis e foram destruídas mais casas em São Paulo, durante esse bombardeio, do que em Paris, na Primeira Guerra, que recebeu canhonaços alemães. Dizia o telegrama presidencial: “S.Paulo desrespeitou o princípio da minha autoridade; que S.Paulo deixe de existir”. Não fosse o milionário Macedo Soares – hoje nome do trecho que une a Marginal Tietê à Marginal Pinheiros – e os paulistas teriam perecido de fome, frio e sede. Soares bancou tudo, comida, água, cobertores, roupas, abrigos para os feridos e desalojados.

No artigo Os tratados com a Bolívia, Lobato finalmente desabafa e joga a toalha:

Chega. Não quero nunca mais tocar neste assunto de petróleo. Amargurou-me doze anos de vida, levou-me à cadeia – mas isso não foi o peor. O peor foi a incoercível sensação de repugnância que desde então passei a sentir sempre que leio ou ouço a expressão Governo Brasileiro

Lobato se despede

“Adeus, Rangel! Nossa viagem a dois está chegando perto do fim. Continuaremos no Além? Tenho planos logo que lá chegar, de contratar o Chico Xavier para psicógrafo particular, só meu – e a 1ª comunicação vai ser dirigida a você. Quero remover todas as tuas dúvidas.
Do Lobato.”

Este é o último parágrafo da última carta escrita por Monteiro Lobato – duas semanas antes de morrer – a seu amigo Godofredo Rangel, com quem se correspondeu por mais de quarenta anos. Tais cartas se encontram nos dois tomos de A Barca de Gleyre. Segundo li por aí, Lobato “realmente” se comunicou com Rangel através de Chico Xavier. Infelizmente a morte fez com que se esquecesse da palavra código que haviam combinado…

Mais Monteiro Lobato

Nos últimos dois meses já li “Miscelânea”, “America”, “Na antevéspera”, “Onda verde”, “Mundo da Lua”, “Prefácios e entrevistas”, “Problema vital”, “A barca de Gleyre” e “Idéias de Jeca Tatu”, todos do Monteiro Lobato, uma verdadeira overdose de leitura, livro sobre livro, algo que costumo fazer sempre que me apaixono pelas palavras dum escritor. E já fazia tempo que não me apaixonava literariamente. Todos esses títulos fazem parte da “obra para adultos” do José Renato – ele passou a assinar José Bento apenas para usar a bengala do avô, cujo castão trazia as iniciais JBML. E estou chocado: o cara é certamente o maior escritor da primeira metade do século XX e só falam nele como se fosse “apenas” o pai da Emília. O cara foi um gênio incansável, um visionário, e metia o bedelho em tudo: política, economia, indústria, ciência, comércio, filosofia, artes, literatura, etc. e isso não apenas pela palavra como também pela ação, tendo lançado a primeira grande editora do país, procurado petróleo e estimulado a mineração de ferro, a construção de estradas e o saneamento. Perto dele, a obra do Mário de Andrade é uma sujeirinha sob a unha do dedão do pé da cultura local. E olha que a li quase toda, a obra do Mário, isto é, seus dois únicos romances: Macunaíma e Amar, verbo intransitivo.

Go home? Yes! Yes!!

Nessa última semana assisti a dois filmes de guerra desses que nos deixam em pânico junto com os soldados: Black Hawk Down, do Ridley Scott, e… sim, American Soldiers, de Sidney J. Furie. É óbvio que o Ridley Scott deixa o Mister Furie no chinelo, mas não é este o ponto que me chamou a atenção. O primeiro filme trata de uma missão na Somália durante a qual cai um – e depois mais um – helicóptero americano. O segundo mostra um grupo rastreador de minas terrestres no Iraque, durante esta última guerra. (É foda ser americano. A confa lá nem acabou ainda e os caras já escreveram o roteiro, aprovaram e rodaram o filme. Power!! Power!!) Pois é, nos filmes que costumava assistir com meu pai quando criança – Os canhões de Navarone, A raposa do mar, A Batalha britânica, O Expresso de Von Ryan, etc. – testemunhávamos heróicos soldados levando a cabo, cheios de honra e valor, suas complicadas e perigosas missões. Às vezes o objetivo era um só – fugir – como em Fugindo do inferno, mas isso não porque estavam loucos para voltar pra casa (coisa de frescos), senão porque queriam voltar a combater o inimigo. Mas veio a guerra do Vietnã e… todo mundo já sabe o resto. O Horror! O Horror! Hoje, nos filmes, principalmente nos dois desta semana, a única missão que parece valer à pena, para os soldados, é obedecer aos brados anti-americanos de Go home! Go home! e… sair correndo pra casa. (Ninguém mais quer saber do Alerta ao Ocidente do Soljenítsin, aquele livro onde ele descreve vítimas de totalitarismo esperando em vão a chegada da salvadora cavalaria americana.) Os filmes de Ridley Scott e de Sidney J. Furie só começam depois que suas respectivas missões falham e os soldados, metidos na maior das enrascadas, precisam escapar de seus inimigos: missão lado B – go home!

“Americans, go home!!” e lá vai tiro.

“We’re trying!! we’re trying!!”, respondem os gringos – e sebo nas canelas.

A idéia é boa porque, além de criar uma situação na qual aflora o caráter de cada personagem, qualquer um poderá se identificar com aqueles homens desesperados, até mesmo um membro da Al Qaeda ou um guerrilheiro somali. Sim, porque no final das contas, na tela, a humanidade do inimigo desaparece e só vemos verdadeiros ogros (orcs, se preferir) tentando liquidar com os pobres sujeitos (gente como a gente), os quais obviamente – são americanos – matam muito mais. Para um membro da Al Qaeda, por exemplo, não há humanidade num norte-americano, logo… podem identificar-se também com os soldados norte-americanos do filme! E, cara, que meda, que nóia. A morte – ou pior, a imensa dor de perder um braço, uma perna, um olho – à espreita a cada segundo. Às vezes tenho a sensação de que o campo de batalha é um dos únicos lugares reais deste planeta. Infelizmente. Porque ali as pessoas desabrocham. Como no Amor…

Interpenetração literária

No artigo Amigos do Brasil (Na Antevespera, pág. 164), escreveu Monteiro Lobato (com sua grafia própria, sem acentos “inúteis” e etc.):

“A interpenetração literaria é o que há de mais proficuo na aproximação dos povos. Só ela suprime as muralhas que a estupidez dos governos ergue. Só ela demonstra que somos todos irmãos no mundo, com as mesmas visceras, os mesmos defeitos, os mesmos ideais. Se a França tornou-se amada entre nós a ponto de bombardear Damasco e esmagar Abd-el-Krim sem que isso nos arrepie as fibras de indignação, deve-o aos senhores Perrault, La Fontaine, Hugo, Maupassant, Taine, Anatole e quantos mais nos trouxeram para aqui esta sensação da irmandade do homem. Se a Alemanha não se gosou de identicas simpatias é que viamos os atos de violencia dos seus homens de governo e não havia dentro de nós, para atenuar-lhes a repercussão, o coxim de veludo da literatura alemã, bem absorvida como temos a francesa. (…) Os morcegos passam e os livros ficam.”

Um erro

Num artigo intitulado Krishnamurti, escreveu Monteiro Lobato:

“Erro pensar que é a ciência que mata uma religião. Só pode com ela, outra religião.”
(in Na Antevespera, pág. 199.)

Dias intranqüilos em Clichy

Henry Miller, que viveu alguns de seus melhores anos em Clichy (Dias tranqüilos em Clichy), jamais imaginaria que seu amado bairro viveria uma semana tão intranqüila quanto a presente. Segundo o Le Figaro, no correr desta semana ao menos 228 carros foram queimados na região de Seine Saint-Denis, onde se encontra Clichy. Tudo começou com a morte de dois jovens que fugiam da polícia. A região se levantou e já está há uma semana em meio à quebradeira. Nessas horas fico imaginando: para onde se mudariam hoje Hemingway, Joyce, Scott Fitzgerald, Gertrude Stein, Dos Passos, Henry Miller e demais coléguas, sem falar dos artistas plásticos e outros? Para onde? Embora essa gente tenha se guiado pela estética e pelo hedonismo – Paris era e é uma beleza – o que realmente os movimentou foi o bolso: no período entre-guerras a França era baratíssima e ali era possível sobreviver com um décimo do necessário para se manter, por exemplo, em Nova York. E todos sabem que escritores e artistas são uns duros…
Onde fica a Paris de hoje? Onde é possível passar meus próprios dias tranqüilos? Em Clichy é que não é. E muito menos na Vila Madalena

Mirisola, o demônio

Veja abaixo o futuro encontro do escritor Marcelo Mirisola com o Senhor Yama, o Plutão dos hindus, senhor da morte, que encaminha as almas para seus devidos lugares(loka)… 😉
Mirisola diante do Senhor Yama

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