Ao passar alguns dias na casa de um amigo de infância, em São Paulo, no mesmo bairro onde cresci, acabei por protagonizar uma verdadeira cena de novela das sete, daquelas com brigas de vizinho italiano do tipo “Guerra dos Sexos” ou “Vereda Tropical”. Minha antiga rua tinha italianos (seo Emílio e esposa), iugoslavos (Dona Draga, marido e filhas), japoneses (com uma cadela fêmea que se chamava Yuri!!), além de brasileiros de quase todos os estados. E, claro, havia brigas e cenas homéricas entre os vizinhos, as quais eu me limitava a assistir. Mas nesse último final de semana não deu pra evitar. Estávamos numa reunião com amigos, ouvindo um sarau com flauta transversal e violão, tomando um vinho, curtindo um frio paulistano de final de inverno, quando o vizinho, insano como sempre, resolveu jogar um copo de plástico cheio de urina – sua forma corrente de protestar contra a zoeira das festas – no quintal desse meu amigo, onde agora estou hospedado. Isso já havia rolado em anos pregressos, na época em que eu mesmo morara naquela casa, mas foi a primeira vez que tal recipiente mau cheiroso encontrou minhas próprias roupas no varal. (!!!) Eu, que já estava mais pra lá do que pra cá, o cérebro embebido em Cabernet Sauvignon, mal recebi da Joana – esposa do meu amigo – a linda notícia, já fui correndo para o quintal. Enquanto retirava do varal as roupas, iniciei um longo e estridente sermão que certamente alcançou os ouvidos de todos os moradores do quarteirão. Bom, não nego que foi engraçado, principalmente a parte em que certa pessoa (não vou entregar quem), foi ao banheiro e produziu uma bomba de xixi semelhante, jogando-a em seguida de volta ao outro lado do muro, desautorizando todo o discurso que eu acabara de fazer em prol da sensatez, da cortesia, da razão, da tolerância, etc., etc. (Claro que isso tudo ainda há de virar um conto, né.)
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Acho que todos conhecem as clássicas pin-ups do desenhista Alberto Vargas. Mas e as pin-ups de Garv – na minha opinião, seu sucessor – vc conhece?
Recebi o texto abaixo – de Mário Cesar Carvalho – da amiga Anna Christina de Oliveira. Trata daquele assunto bastante conspícuo: nossa elite é jeca, daí o Brasil ser o que é. Concordo com esse ponto. Mas não vejo nada de errado numa torre e, por outro lado, vejo tudo de em hospedar alguém como Marighela. {}`s
A morte do Masp
O Masp (Museu de Arte de São Paulo) não recebeu nem um centavo de doadores privados neste ano. Talvez por isso sejam reveladoras as fotos em que Julio Neves, o presidente do museu, aparece sorrindo na inauguração da Daslu, cujo prédio foi projetado pelo arquiteto. As fotos são reveladoras porque expõem cruamente o muro que separa os novos ricos do universo da arte: os que pagam R$ 4 mil por uma saia ou R$ 8 mil por um terno acham que não vale a pena dar um centavo para o Masp ou para qualquer outro museu. A ascensão meteórica da Daslu e a morte lenta do Masp parecem fazer parte de um mesmo fenômeno: aquele em que a elite paulistana abandona completamente a esfera pública, o espaço de convívio com os diferentes, para se isolar em bunkers como o que abriga a Daslu.
Estou sempre prometendo a mim mesmo que jamais voltarei a babar numa garota. E sempre acredito em mim. Todos sabem: o mercado do amor baixa o valor de quem muito se oferece. E eu sou mestre em não me oferecer. Mas às vezes é inevitável. Principalmente quando se está tomado pelo Máscara ou pelo Mister Hyde… Pois é, babei numa figura e ela ficou nojenta. Mulheres lambuzadas de saliva virtual – ainda que da nossa própria saliva – são sempre nojentas, intragáveis. 😛
Os dois, no boteco:
“Eu sempre sigo o conselho do Fernando Pessoa.”
“Que conselho?”
“Aquele: ‘Irritar é também uma forma de agradar. Toda criatura que gosta de mulheres sabe disso e eu também o sei’.”
“Por que ele diz eu também? Ele era bicha por acaso?”
“Homossexual talvez, bicha não.”
“Pois então! Ele tinha era um caso com o Álvaro de Campos…”
“Eram a mesma pessoa, idiota!”
“Claro que não, eles só inventaram essa história de heterônimo pra não chocar a sociedade. Ficava um sentando no colo do outro.”
“Que absurdo! Você só fala merda.”
“O Ricardo Reis adorava uma suruba gay. Os três não saiam da quinta do Caeiro…”
“Puts, quanta besteira…”
“Que foi? Tá irritado, é? Não posso falar assim do seu mestre?”, disse o outro, colocando a mão no joelho do primeiro.
“Qué isso, meu chapa? Pirou, é?”, e deu um empurrão no companheiro de mesa, que caiu estatelado para trás, um copo na mão, às gargalhadas.
Recebi o email de um amigo me indagando por que nunca falo sobre raves. Sim, ele sabe que apenas entre 1996 e 1998 fui a mais de trinta festas, uma média de 1,25 por mês. Raves em São Paulo, no litoral norte, na Bahia, em Minas Gerais, na Chapada dos Veadeiros, em Brasília e Goiânia. Sim, altas baladas. Mas não vou simplesmente dizer que ando desiludido com a “cena”, já que agora tudo o que vemos são megaraves infestadas de traficantezinhos e neguinhos travados de tanto a, e, i, o, u… Claro, ainda rolam boas festas aqui e ali, algumas muito bem organizadas. (Pra ser sincero, tenho saudades das private parties com menos de 300 pessoas.) Sim, também é verdade que fiquei um tanto traumatizado depois que uma ex-namorada minha (e também ex do Raul Seixas, imagine), mais velha que eu doze anos, numa rave em São Paulo (não me lembro qual), misturou cerveja com ecstasy e sofreu uma parada cardíaca nos meus braços. Ah, como poderia esquecer? Uma linda manhã de céu muito claro, sol brilhante de inverno, árvores agitadas por uma aragem fria e eu na beira da estrada de terra fazendo massagem cardíaca e respiração boca-a-boca na minha branco-arroxeada companheira… Foi foda. As pessoas passavam, cochichavam e deviam acreditar que aquele era o casal mais louco e azarado da noite. Talvez tivessem razão. Ao menos ela não morreu e o médico receitou lá seu remédio, proibindo-a de fumar, entre outras coisinhas mais. Isso foi em 1998. (Ainda bem que fiz um curso de socorrismo em 1990.) Nunca mais quis viajar numa dessas festas. Mas também não é por isso que não tenho escrito sobre raves. Qualquer dia contarei causos tais como o dia em que a polícia parou a mim, ao Dante Cruz, ao DJ Rica Amaral (criador da XXXperience) e à sua então namorada, Jennifer Vaz (que foi capa da revista Trip), quando nos encaminhávamos à rave da Arte Cidade, organizada pela Érika Palomino nas ruínas da fábrica Matarazzo. A polícia agiu de forma tão apavorante que fiquei calmíssimo, afinal, estávamos limpos e não devíamos nada a ninguém. Desmontaram o carro do Rica inteirinho, no fundo no fundo, apenas para sacaneá-lo diante da linda namorada. Aliás, o Rica sempre foi o cara mais CDF das raves. Odontólogo por formação, capoeirista de coração, a droga mais forte que ele costuma consumir é xarope de guaraná e água. Existem ravers e ravers… E sobre isto falarei mais em meus contos do LSDeus, para os quais, enfim, estou reservando essas histórias.
Os EUA ainda não aceitaram a oferta de Fidel Castro que pretende ajudá-los enviando centenas de médicos cubanos para as áreas devastadas pelo Katrina. Fidel não consegue entender o silêncio com que sua proposta vem sendo tratada. Acho que o receio dos norte-americanos é aceitar esses médicos e ganhar mais refugiados, dessa vez políticos…
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(Vale a pena lembrar aqui esta frase do cantor e compositor argentino Facundo Cabral:
“Quarteto é o que sobra de uma orquestra sinfônica cubana depois de uma turnê pela Europa.”)
Não fossem os muçulmanos xiitas terem testemunhado a morte de mais de mil de seus próprios peregrinos – pisoteados e afogados ao fugir de um suposto homem-bomba, que ainda que real certamente não seria um ocidental – não fosse tal fato e eles estariam bradando pelos quatro cantos do mundo que Alá havia castigado os norte-americanos com o furacão Katrina. Mas que base haveria para semelhante dedução se eles mesmos sofreram, quase ao mesmo tempo, a mesma quantidade de baixas?
Desde épocas remotas a humanidade sempre teve o costume de sentar-se ao redor do fogo, à noite, para conversar e trocar impressões sobre o dia, sobre a vida, a morte e o universo. Os intervalos entre os diálogos eram pontuados de meditação espontânea tendo o brilho do fogo como catalisador. Qualquer um que já acampou – ou curtiu uma noite numa chácara – sabe o que é isso. Há aquele silêncio no qual a voz do coração fala mais alto, aprofundando o nível da charla ulterior. Isto é tão atávico em todos nós que até hoje as cozinhas – onde ainda há um resquício de fogo – costumam ser verdadeiras salas de reunião em nossas casas.
O chato de se ter um intestino que funciona corretamente, na hora certa, com movimentos peristálticos britânicos, é que nunca consigo ler mais de um parágrafo por cagada. Eu mal me sinto entrado no texto e… pronto, acabou. E olha que tenho sete livros sobre a pia do meu banheiro, dois deles com mais de 450 páginas, a saber: Palmeiras Selvagens, de William Faulkner; Alexandre e César – vidas comparadas, de Plutarco; Física e Filosofia, de Werner Heisenberg (relendo); Lições das Parábolas de Jesus, de Ellen G. White; Tabu – o que o impede de saber quem você é, de Alan Watts (relendo); O Pensamento Artificial – Introdução à cibernética, de Pierre de Latil; e finalmente O homem eterno, de Pauwels e Bergier. Quando terminarei tal leitura? Será que terei de transferir esse leque de livros para minha escrivaninha? Mas lá já estão outros nove à minha espera, todos já iniciados… Que inveja desses intestinos presos que duram dez páginas! Segundo meus cálculos precisarei defecar no mínimo mais duzentos e cinqüenta anos para dar conta de tantos parágrafos. Mas ninguém caga com tal longevidade. Trocar por poesia não rola, o processo é todo muito prosaico. Hum, acho que vou trocá-los por livros com aforismos. Ótima idéia. O negócio é voltar à Gaya Ciência. Há lugar melhor para ler Nietzsche do que o banheiro? Talvez os demais não mereçam…