blog do escritor yuri vieira e convidados...

Categoria: Política Page 11 of 83

Cansados

Da Folha de hoje:

Cansei de “basta!”

JANIO DE FREITAS

O que mais deseja a riqueza do país, além das condições inigualáveis que o governo Lula lhe proporcionou?

O ODOR EXALADO pelo movimento “Cansei”, ainda que nem todos os seus fundadores tenham propósitos precisamente iguais, é típico do golpismo que sempre foi a vocação política mais à vista na riqueza, não importa se cansada ou não. A fonte de onde surge não lhe nega a natureza pressentida: um escritório de negócios em São Paulo, tal como se identificaria nos primórdios de todos os golpes e tentativas de golpe desde 1944/1945, pelo menos.

Também denominada “Movimento Cívico pelo Direito dos Brasileiros” -batismo que os padrinhos relegaram, por considerarem o apelido “Cansei” mais representativo dos seus propósitos- o que a iniciativa sugere, de fato, é uma interrogação.

O que mais deseja a riqueza brasileira, além das condições inigualáveis que o governo Lula lhe proporcionou? O fim da inflação, o emudecimento do sindicalismo e das reivindicações sociais; concessões transgênicas para todos os tipos de grandes empresas e negócios, Bolsa farta e imposto baixinho ou a zero; e, sobretudo, a transferência gratuita de um oceano de dinheiro dos cofres públicos para os da riqueza privada, por intermédio dos juros recordistas concedidos pelo próprio governo aos títulos de sua emissão. Ainda não basta?

O que deseja a riqueza não pode ser a correção das deformidades socioeconômicas, institucionais e políticas que refreiam o Brasil, enquanto países do seu aparente status desenvolvem-se a níveis exuberantes. É da não-correção que vem grande parte das facilidades pelas quais a riqueza se multiplica sem cessar: a fraqueza ética do Congresso, a corrupção administrativa que só tem o corrupto e não o corruptor, as eleições movidas a marketing endinheirado, e por aí.

Além disso, nunca se viu a riqueza movendo-se, de fato, por correções e reformas a serviço do interesse do país. Os seus lobbies e outros meios só se movem, historicamente, por alterações que privilegiem os interesses da própria riqueza privada. Assim é a história parlamentar e administrativa do Brasil, para dizer o mínimo, do último meio século.

O governo Lula deu e dá à riqueza privada a situação que a ela deu o “milagre econômico” da ditadura, porém, agora sem os inconvenientes produzidos pela força. A quem vive no Brasil em nível de primeiríssimo mundo, conviria, portanto, demonstrar um pouco mais de compostura. Se não para aparentar recato que lhe falte, por um grão a mais de esperteza.

“Cansei” -e daí? Vai fazer ou, pelo menos, propõe o quê, de objetivo, prático e necessário? Disse um dos “cansados”: “Queremos despertar em cada indivíduo o que ele pode fazer para mudar o país”. Pois façam isso no seu próprio movimento. Sem que, para tanto, o seu alegado cansaço exale sentidos que, intencionais ou não, negados ou não, vão até onde não devem.

Pérola Aérea

Prosseguem as demonstrações de idiotice no Governo Lula. A pérola do dia de ontem foi proferida pelo presidente da Infraero, o Brigadeiro José Carlos Pereira. Diante das decisões tomadas reativamente pelo Governo na esteira da tragédia – entre elas a proibição de vôos de conexão em Congonhas num pazo de 60 dias -, evidentemente a chiadeira das empresas é geral. Desta forma, já se anunciou ontem que haverá prejuízos, a menos que se majorem as tarifas das passagens. Claro, vamos pagar. Diante disso, soltou o aerocrata aos jornalistas:

“A população tem que entender que a segurança de vôo deve vir primeiro. Portanto, se quer segurança, tem que pagar mais caro.”

De onde depreende-se que as tarifas supostamente mais acessíveis que vínhamos pagando compunham-se às custas da insegurança nos vôos. Foi ele quem disse…

A tragédia e a blogosfera

Tenho acompanhado os desdobramentos do trágico acidente da TAM em Congonhas. Uma bagunça. Desde o acidente acho que pelo menos uns 10 a 15 especialistas foram consultados pelos jornais, telejornais, portais de notícias e blogs. Nada conclusivo. Na blogosfera a discussão concentra-se nos aspectos políticos da tragédia. Em resumo a questão é a seguinte: o governo federal tem ou não tem responsabilidade no acidente? Vamos ver.

Nem o aeroporto…

Nos últimos anos, tenho ouvido esporadicamente que a única saída para o Brasil é mesmo o aeroporto. Bem, graças aos últimos vinte anos de governos desgovernados, nem isso é verdade. (Vide esse último ano de caos nos aeroportos e os dois acidentes envolvendo a Gol e, agora, a Tam.) Vós, que aqui estiverdes, abandonai todas as esperanças e enfrentai a realidade: viveis em um país de terceiro mundo caindo para o quarto. Aliás, o Brasil já está no quarto, de quatro na cama, sendo sodomizado pela corrupção moral de seus governantes, de sua elite intelectual, política e financeira e até mesmo pela corrupção de boa parte de seu próprio povo.

(Quando me lembro que havia um grupo desviando dinheiro da bilheteria do Cristo Redentor, penso: meu Pai, agora fodeu de vez.)

Não há outra solução fora da máxima de Krishnamurti: “a única revolução fundamental é revolucionar-se”. (Não é revolução no sentido político, por favor.) De fato, faz-se necessário um recrudescimento moral e uma auto-observação implacável: “quais serão as conseqüências de meus atos?” Em seguida, de modo complementar, talvez fosse preciso puxar a orelha de amigos e parentes que por ventura estejam praticando suas pequenas ações imorais e anti-éticas, pouco importando que se enfureçam consigo. Isso talvez levasse o país a uma reação moral em cadeia. Sim, apenas talvez. Porque nunca se sabe qual o tamanho da trave que cada um traz em seus próprios olhos. Recentemente me ocorreu um desses casos.

Enviei meu curta-metragem de ficção — Espelho — a um compositor amigo encarregado da trilha sonora. Descobri mais tarde que ele e um outro amigo fizeram uma sessão particular em Brasília (só podia ter sido em Brasília) e exibiram o copião do meu filme — inacabado, falto de alguns planos de corte, sem o áudio final, sem os efeitos visuais planejados, sem o ajuste de cor e luz, etc. — para uma platéia de colegas de profissão e conhecidos lá deles. Fiquei indignado: que tipo de ética tem o profissional que sai por aí exibindo sem permissão o trabalho inacabado de um diretor? E ainda havia um agravante: este segundo amigo era o técnico de som preterido do nosso filme, ou seja, havia ali uma curiosidade que lindava com a, digamos, “espionagem industrial”.

Depois de chamar a atenção do compositor, que teve a decência de pedir desculpas, escrevi a este outro dizendo que não gostei nem um pouquinho de sua atitude, que a achei “FODA”. Ao invés de se desculpar, escreveu-me um email cheio de injúrias atacando minha postura como profissional de cinema (!!) e a qualidade do meu filme, como se este já estivesse concluído e pronto para a crítica. E o pior: ao contrário de mim, que lhe escrevi em privado, reencaminhou sua resposta a várias pessoas, algumas delas participantes do meu filme, apenas para feri-las junto comigo e supostamente humilhá-las diante dos demais. (Mal sabe ele o quanto estamos satisfeitos com o resultado.) Respondi dizendo que, a princípio, acreditei ser ele apenas alguém sem caráter — o autodomínio é a medida do caráter de uma pessoa –, mas que, no fundo, era ele realmente um mau caráter, já que, além de não conseguir dominar seus impulsos negativos, ainda era capaz de estimulá-los e amplificá-los, mesmo ao não ter razão diante de um fato notório. Enfim, sem ter qualquer argumento a seu favor, e sendo incapaz de assumir de forma madura o próprio erro, o cara preferiu intensificar sua postura maliciosa: seu próximo email foi uma ameaça à minha integridade física!!!

Yuri, agora a coisa é para valer. Se me ver por ai, corra seu palhaço sem picadeiro. Pois a coisa vai pegar. […] Então para eu te quebrar a cara com uma única porrada, não custa nada. Suma da minha frente, vc entendeu? suma!!!! Quando vc me acusa de mau caráter tenho motivos para tirar satisfações. E tenha certeza que farei isso quando te encontrar. E olha seu inrresponsável, não estou para bricadeiras. Pense no que dirá ao meu respeito pois terão sérias consequencias.

O que esperar de uma sociedade dentro da qual não se pode confiar em seus próprios amigos? Porra, é certo que não nos encontramos senão eventualmente na última década, mas o cara é meu amigo há quinze anos!! Quando você procura seu nome no Google, o primeiro texto que aparece é um que eu próprio escrevi a seu respeito anos atrás. (Está sem os créditos, mas eu o publiquei no caderno Pop do jornal O Popular, quando então vivia escrevendo sobre sonhos.) Mas ele prefere me ameaçar a assumir um erro. E por quê? Simplesmente porque perdeu completamente o senso moral e não acredita ter cometido um deslize ético, afinal, estava apenas assistindo com terceiros ao “filminho” de um amigo. Será que o filminho em questão não corresponde a uma “propriedade intelectual” que deva ser respeitada? Não estou falando de pirataria, estou falando da exibição indevida de um copião, de um filme inacabado, a outros profissionais de cinema que nem sequer conheço. Se os dois ainda o tivessem visto a sós sem exibi-lo a terceiros… mas não há sequer esse atenuante.

E qual afinal foi a trave que encontrei em meu próprio olho ao apontar o cisco desse meu amigo? Ora, uma coisa bem simples: quando sou bom, sou muito bom, mas, quando sou mau, sou melhor ainda. Sacou? Não preciso dar maiores explicações. Basta dizer que tentei por duas vezes fazer uma tatuagem, a saber, a de um escorpião a segurar, com as tenazes, um livro aberto e a escrever nele com o ferrão uma frase de, salvo engano, Paracelso: “a diferença entre o veneno e o remédio é a dose”. Por sorte ou azar, nas duas ocasiões em que fui fazer essa tatuagem, com tatuadores diferentes em cidades diferentes, encontrei-os com o braço quebrado — ainda não tenho tatuagem… Enfim, talvez eu até saiba aplicar o corretivo em privado, mas ainda não sei dosar bem a quantidade de veneno. O cara certamente saiu intoxicado de nossa troca frenética de emails e por isso resolveu partir para a ignorância. Ele insistia em desviar a discussão para questões secundárias e pessoais, e eu então o trazia de volta ao cerne – a falta de ética. No entanto, por ele se recusar a ouvir, também eu acabava rebatendo seus ataques com outros de maior intensidade apenas para demonstrar que, se ele tinha um 44, eu tinha uma bomba atômica e que, por isso, seria melhor para ele deixar as fugas infantis de lado e enfrentar a situação como um adulto. Tenho um ótimo faro para localizar feridas e, se provocado, ainda sinto prazer em meter ali meu dedo. Um maldito prazer indescritível… É como se eu me sentisse uma espécie de Exterminador de missivistas mal-educados e presunçosos em missão sagrada, uma coisa doentia. Preciso parar com o exagero, ficar apenas no remédio, sem essa de mostrar que, na esgrima com palavras, sou fueda. Isto se chama soberba e é uma questão de caráter dominá-la. Do contrário, a sensação que fica depois é a de ter espancado uma menininha…

Em suma, parafraseando o Riobaldo, viver é muito perigoso. Principalmente num país como o nosso, no qual as pessoas se tornam cada dia mais mesquinhas, egoístas e irresponsáveis. “Quem é fiel nas coisas mínimas, é fiel também no muito, e quem é iníquo no pouco é iníquo também no muito” (Lc 16,9´10), já dizia o Mestre. “Vigiai”, também dizia, principalmente nosso próprio comportamento e nossas inclinações. E não vos esqueçais: não tenteis fugir pelo aeroporto, tentai consertar as coisas aqui mesmo. Ou ainda confiais mais em nossa aviação que em vós mesmos?

Brasil: uma terra sem sal?

Leio os Sermões do Padre Antônio Vieira desde muito antes de realmente saber o que é a fé. E isso apenas por conselho do Fernando Pessoa que, em suas Obras completas em prosa, ressalta o prazer que é escorregar a língua por aquelas belas palavras e por suas excelentes construções sintáticas. Sim, lia por razões puramente estéticas. (Aliás, vale notar a influência do estilo de Vieira nos ensaios estéticos de Pessoa.) A questão é que, em 1997, após deixar a UnB e sua biblioteca, fiquei algum tempo sem ler os Sermões. Então, anos mais tarde, comprei no Sebo do Messias, em São Paulo, um volume publicado pela editora do Mário Ferreira dos Santos, a Editora Logos. E cá estou a ler novamente o Vieira, não apenas sob a perspectiva estética, mas, agora, também sob o ponto de vista moral e religioso. (Atenção, sou um cristão com upgrade, sou “urantiano”.) E encontrei, no Sermão de Santo Antônio – pregado na cidade de São Luís do Maranhão, no ano de 1654 – uma excelente descrição dos dias atuais, isto é, uma época de corrupção generalizada, na qual, estivesse Santo Antônio vivo, estaria pregando tal como Vieira diz que ele certa vez pregou, ou seja, aos peixes, já que os humanos estão todos surdos. O humor de Vieira é notável. Seu sermão é também todo ele dirigido aos peixes, o que me faz imaginar um monte de colono com cara de “mané” e “jaquim” a ouvir de má vontade o irônico padre.

Quem já leu o Evangelho, sabe que Jesus disse: “Vós sois o sal da Terra”. Eu sempre pensei que isso tivesse algo a ver com o fato de sermos, por assim dizer, a quintessência da vida do planeta, aqueles que dão sabor a essa vida que de outra forma seria puramente zoológica. Outros dizem que ser o “sal da terra” significa simplesmente “fazer a diferença”, uma vez que a comida sem sal é uma coisa completamente sem graça. Mas este “fazer a diferença” é um conceito puramente anglo-saxão… Vieira, por outro lado, afirma que ser o sal da Terra é fazer parte daqueles que conservam o mundo contra a corrupção e a putrefação, uma vez que o sal, desde épocas imemoriais, sempre foi utilizado antes como conservante que como tempero. Os peixes e as carnes sempre foram salgados, não para ficarem mais gostosos, mas para não apodrecerem. Se Jesus estivesse andando por aí, nos dias de hoje, certamente diria: “vós sois a geladeira da Terra, o refrigerador, o freezer…”

Nessa perspectiva, não é nada difícil perceber que o Brasil tornou-se, nas últimas décadas, uma terra completamente sem sal. Os humanistas podem espernear e bradar por uma moral sem raízes religiosas, mas isto não entra na cabeça de mentalidades simplórias e, principalmente, na de mentalidades cínicas e perversas. Sem uma paternidade espiritual, sem uma fraternidade fundada em princípios indestrutíveis, não há clima de confiança que consiga manter a sociedade unida. E o Brasil, por melhor que ande a economia e seus juros, está cada dia mais mergulhado em corrupção. Até já exporta a dita cuja. O Isaac, editor do meu curta-metragem, que morou muitos anos nos EUA, me disse que grande parte desses brasileiros que voltam com as burras cheias de dinheiro apenas fazem o seguinte: trabalham seis meses e, em seguida, vão a um banco pedir um empréstimo. Os bancos, acostumados com uma sociedade de tradições puritanas, confia naqueles que os procuram e emprestam a grana. E os tais brasileiros retornam a seu país de origem com 50.000 dólares que jamais serão devolvidos… Daí os bancos americanos não estarem mais autorizando empréstimos a brasileiros que vivam há tão pouco tempo naquele país. Porque brasileiros não são confiáveis. Porque são naturalmente corruptos e crêem estar levando vantagem sobre os americanos otários. São, enfim, pessoas oriundas de uma terra cada vez mais sem sal…

A maçonaria no Brasil

Eis a maçonaria numa matéria especial do Diário do Comércio

Uma trincheira no You Tube

Com o fechamento autoritário da RCTV pelo protoditador Hugo Chávez, a internet e, mais particularmente, o You Tube explicitam seu caráter unívoco de “trincheira virtual”. Se a empresa venezuelana já não possui permissão para transmitir como um canal aberto, ao menos não deixou de produzir seus programas, os quais vem sendo divulgados no site El Observador e no próprio You Tube.

Dois indignados

O Rafael Delta Sierra me enviou o link deste vídeo. Há ao menos uma pessoa indignada neste país, o Alborghetti. Existirão outras?

Claro que há, o Olavo de Carvalho.

“A esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las.”
Santo Agostinho

Eu sou contra a meia-entrada

Estudante paga meio prato de comida? Paga meia blusa? Paga meio par de tênis? Estudante paga meio cigarro? Então por que diabos o cara acha que tem que pagar meia entrada de teatro? O trabalho que o ator tem – que o cara da iluminação tem, que os técnicos têm – é o mesmo, seja a platéia de estudantes ou não. Por isso não entendo por que é que o maldito estudante tem que pagar meia entrada.

Sou contra a meia entrada.

E o pior ainda é a meia entrada para aposentado. Qual a finalidade disso? Aposentado paga meio prato de comida? Quando um aposentado vai comprar uma privada nova, ele paga meia privada? Quando ele vai pôr gasolina no carro para ir à casa dos filhos, ele paga meia gasolina? Paga meia corrida de táxi? Então por que é que tem que pagar meia entrada de teatro? Isso é desvalorizar o trabalhor do teatro! Temos quer ser contra a meia entrada, em qualquer situação! O trabalhador do teatro seja ator, técnico ou vendedor, está tendo o mesmo trabalho para atender a um adulto, a um aposentado ou a um estudante; portanto pagar meia entrada é
desvalorizar o trabalho desse trabalhador!

Sugiro a confecção de uns bâneres: “Eu sou contra a meia-entrada, a meia entrada desvaloriza o trabalho do profissional de teatro”. Alguma coisa assim. Vamos colocar esses bâneres nos nossos saites. Quando a idéia ganhar visibilidade, algum político vai defendê-la. Na rua, quando encontrarmos um aposentado, devemos perguntar: – Se vc não paga meio café, não paga meia cachaça, por que diabos quer pagar meia entrada?

O sapateiro e suas sandálias

Sutor, ne supra crepidam! Eis um aviso longínqüo.

Eu ainda me lembro quando alguns professores de Filosofia diziam que Adam Smith estava “morto e enterrado”, que não servia nem mesmo para “calçar a mesa da sala de aula”. Qual não deve ter sido o susto dessa gente quando Ernst Tugendhat (entre outros) resgatou sua teoria dos sentimentos morais para as discussões sobre ética na contemporaneidade. Smith voltou a ser lido com novo interesse, apesar do desprezo marxista chinfrim.

Hoje topei com um texto do sempre relevante Reinaldo Azevedo cujo teor é exatamente o mesmo, embora situe-se na outra ponta do espectro ideológico. O objeto de desprezo do Reinaldo é Habermas. Seu texto comenta um artigo do filósofo alemão publicado no caderno Mais! da Folha deste domingo, diz coisas como:

Ah, o sr. Habermas está muito preocupado com o risco de os veí­culos caí­rem nas mãos de capitalistas inescrupulosos, que se interessariam apenas pelo lado espetaculoso da notí­cia, e nada com a função formadora da imprensa. Como exemplo negativo de jornalismo, ele cita, claro, o norte-americano.

Ou então,

Sempre achei Habermas um submarxista vulgar; não imaginava, no entanto, que pudesse ser tão ridí­culo.

E por aí vai. Bem, o Reinaldo pode achar o que quiser, pode até mesmo implicar com o fato do cara não gostar de Chicabom, mas está falando de orelha sobre a obra do Habermas. Em primeiro lugar porque interpretou o artigo da Folha numa chave submarxista e viu só isso. Sabem como é “what you get is what you see”. Se tivesse mais contato com a obra do filósofo perceberia a relação entre mercado e estado no contexto de uma sociologia de sistemas (baseada, principalmente, em Luhmann e Parsons), o que por si não implica um avanço estatizante, mas um equilí­brio necessário, mediado pela esfera pública – e aqui, antes que me venham encher o saco, falo do conceito como ele aparece na Teoria da Ação Comunicativa e não na Mudança Estrutural da Esfera Pública (tomar Habermas apenas por esta última seria como formar um juí­zo sobre Dostoiévski exclusivamente a partir de Noites Brancas).

Se fosse mais honesto (se o pathos não fosse o do desprezo) comentaria sobre a idéia de jornalismo implícita no conceito de esfera pública e de como esta esfera, uma ótima invenção liberal, constitui o verdadeiro espaço democrático numa sociedade. Nem Estado nem mercado são democráticos, mas o Estado ainda é mais permeável a uma gestão democrática – por conta, principalmente, do modelo jurídico constitucional – do que o mercado. Por outras palavras, a democracia nasce da vontade – e é preservada por esta vontade, cristalizada no sistema jurí­dico; “ainda há juí­zes em Berlim”, não é isso? – dos homens e não por geração espontânea. No limite, o mecanismo que movimenta a argumentação habermasiana é o da ação comunicativa; e o que ele propõe é uma intervenção para que o tipo de jornalismo comumente praticado na Alemanha, e associado à emergência desta esfera, seja preservado. Seu objetivo é preservar alguma racionalidade argumentativa na mí­dia.

Por outro lado, a caracterí­stia “formativa” do jornalismo não está associada a nenhum caráter pedagógico ou tutelar da comunicação – isso é só estrabismo do Reinaldo -, mas a uma influência construtivista (essencialmente Piaget) incorporada por Habermas em suas bases epistemológicas. O jornalismo, juntamente com uma série de outros elementos, nos ajuda a construir nosso senso de realidade social. É por isso, acredito, que o Reinaldo acha tão importante combater o marxismo vagabundo de boa parte da mí­dia, porque isso implica mudar a maneira como as pessoas interpretam os fatos e, portanto, a maneira como veêm o mundo.

O que marca o comentário do Reinaldo é o repúdio – não a crítica – ao conceito de Comunicação do Habermas. E, claro, à tese de que o Estado, como construto humano, pode ser acionado quando julgamos que algum valor essencial escapa à lógica do mercado. Não que o mercado seja ruim ou malvado (isso Habermas não diz), apenas seu desenvolvimento – na Alemanha – vai na direção da supressão de um tipo de jornalismo que ele acredita ser essencial para a manutenção da esfera pública. Só que Habermas “culpa” o mercado pelo tipo de jornalismo indigente que se vai consolidando, enquanto Reinaldo culpa a esquerda e o marxismo. Contudo, tanto Habermas quanto Reinaldo defendem o mesmo valor fundamental: a democracia, cristalizada numa de suas instituições mais importantes – a esfera pública -, e representada pelo jornalismo argumentativo, cuja maior virtude é “não ter medo de dizer seu nome”.

Por fim, Reinaldo faz referência a um debate entre Habermas e o atual papa Bento XVI e diz que “Habermas parecia um garoto de colégio balbuciando incongruências diante de um mestre”. Ele gosta desta figura. Habermas, esforçando-se ao máximo, não consegue nem mesmo articular um discurso coerente. Diante de Ratzinger, torna-se afásico. Bem, são fogos de artifício. Eis um link para a transcrição da Folha sobre o debate dos dois.

Voltando à citação de Plínio. Não pretendo policiar os assuntos que o Reinaldo escreve em seu blog, ele tem direito aos seus erros e tem também direito de exibi-los para quem os considere acertos. Mas cabe retificar algumas opiniões frágeis ou francamente equivocadas, inspiradas, acima de tudo, pelo desprezo; uma disposição que nada tem a ver com qualquer tipo de virtude intelectual, nem mesmo com a saudável prepotência dos excelentes.

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