O Garganta de Fogo

blog do escritor yuri vieira e convidados...

Estudo relaciona descrença religiosa a Q.I. alto.

É possível estabelecer alguma diferença entre fato e valor? Eu, particularmente, não acredito que pesquisas como esta, apesar de baseadas em rigorosa metodologia, pretendam afirmar que os crentes são mais idiotas do que os não crentes. Há, entretanto, correlação, ou seja, de alguma forma a variável “descrença religiosa” altera-se quando a variável “Q.I. alto” é modificada. A discussão toda concentra-se nas variáveis intervenientes.

Eu, por exemplo, acredito muito na observação do professor de Psicologia da London School of Economics, Andy Wells. Inteligência implica uma gama maior de conhecimento, o que significa uma variedade maior de informação sobre várias coisas – inclusive visões de mundo – diversificando as opções antes restritas a crer ou não crer.

O mais interessante nem é isso. Ao relacionar estas variáveis o estudo mostra que não há, nem pode haver, relação causal entre elas. Quem crê em Deus não é mais inteligente ou esclarecido do que quem não crê em Deus. Nossa capacidade de compreender o mundo, nossa faculdade de intelligere como queriam os medievais, não está submetida à aceitação intelectual da idéia de Deus. O pensamento é capaz de conhecer a realidade e o homem capaz de compreender a si próprio mesmo que não acredite num Ser supremo.

Por outro lado, parece que para cada Santo Agostinho há uns 400 idiotas. Deve ser por isso que os pentecostais vivem amplificando seus cultos. Sua inteligência parece associar o volume da voz à capacidade divina de prestar atenção às suas súplicas. Deus deveria providenciar o milagre da elevação do Q.I.

Clássicos em papel higiênico

Eca(sorrindo): “E não é o final dos tempos? O que é o Apocalipse? Não é o Livro da Revelação? As coisas hoje estão se revelando para quem quiser ver — revelando-se em sua inconsistência e mediocridade. Nada mais é feito para durar além do tempo que dura um modismo. Você vê por exemplo essa idéia de editar clássicos da literatura em papéis higiênicos… Nada mais significativo.”

Gazeta Uenebense
: “Mas se não fosse essa idéia eu jamais teria lido Joyce e Maupassant.”

Austris: “E também jamais teria cagado na obra de ambos.”

As declarações acima foram emitidas por Roberto Eca e Mauro Austris — personagens do meu conto “Paralíticos e Desintegrados” — em 1997, ano em que foi escrita A Tragicomédia Acadêmica. Tal como outras previsões malucas encontradas nos contos do mesmo livro, segue-se mais esta, anunciada como grande novidade pelo próprio Jornal Nacional. (Veja no G1.) Se eu cobrasse royalties por invenções desse tipo, estaria bem de vida. (Sim, William Bonner, eu já tinha inventado isso 11 anos atrás.)

The Velvet Underground – “Jesus”

Jesus, help me find my proper place
Jesus, help me find my proper place
Help me in my weakness
‘Cos I’m falling out of grace
Jesus
Jesus

A Cidade Encarnada

O quarto tem espelho até no teto. Espelho demais para quem a princípio não quer recordar esta noite. Mas, quando ela apaga a luz, os neons vão entrando pela janela e colorindo o escuro com uma cor esotérica, um espectro que permeia e transcende nossos reflexos. O momento ganha o caráter de um estranho ritual sagrado. Eu penso que ela vai fechar a janela, mas ela se despe também para os edifícios, mostrando que não quer que eu seja o único destinatário da sua nudez. Sua pele branca bem pode ser uma espécie de chama, o centro do ritual, que vai aos poucos se aproximando e ganhando um contorno nítido de corpo feminino. As sobrancelhas, eu as diviso antes que os olhos, porque são mais escuras e sobressaem na pele por contraste. Só depois os olhos me tomam e me absorvem no pequeno transe. Quando eu desligo o som, já ouço a canção verdadeira, aquela que vem do cheiro marinho e acanelado do seu corpo. É essa a música que não cessa, quando sinto seus cabelos cobrindo meu rosto e seu corpo se apoderando avidamente do meu. Abro os olhos levemente exasperado, porque algo dentro de mim ainda quer entender minimamente o que se passa. Então vejo as luzes que escorrem pelo seu corpo, as letras reluzentes da cidade, as promessas de futuro, de prazer e de limite. Compreendo vagamente que não é ela que me possui, é a cidade que escolhe um corpo de mulher para me absorver e consumir numa noite sagrada. Me entrego novamente ao escuro, a minha canção mais íntima flui pelo meu corpo com a delicadeza e a precisão de uma chuva. É a prova de que algo dentro de mim compreende e aceita o amor daquela cidade. Depois a garota está sentada na cama, já vestida, o pequeno capuz lhe cobre as sobrancelhas. Ela permanece em silêncio quando pago a conta, e decido guardar a pequena nota como um registro histórico da nossa noite. Em casa, revejo a nota e a foto que tiramos horas antes num bar – eu sorrio e olho para a câmera, ela está séria, fitando o nada, como se intuísse o que havia de inevitável no nosso encontro. Só então me dou conta do absurdo que tento fazer. Tento manter em papel algo que só cabe à minha pele, e talvez à mucosa fina dos meus lábios. Rasgo a nota, a foto, e o que mais havia de lembrança falsa daquela noite improvável. Decido não tomar banho, para que algo dela fique gravado nos lençóis. Mas, no dia seguinte, já nem os lençóis testemunham a canção sagrada que meu corpo entoou naquela noite. No bolso da jaqueta, encontro um número de telefone. Mas sei que do outro lado vou encontrar apenas uma mulher, não mais a maravilha irrepetível de uma cidade em carne e osso. Porém não há nada na TV, é um dia de chuva e não quero ficar sozinho. Disco os número, resignado.

— Quem é? — Ela me humilha com sua desconfiança.

— Sou eu — respondo, derrotado. — Eu mesmo… apenas eu.

Ciência animada

Passeando pelo blog do Pedro Dória encontrei um link para o site da Hybrid Medical Animation. Simplesmente genial o trabalho dos caras. O coração de vidro é especialmente impressionante.

Logo abaixo, uma discussão sobre o xenofobismo europeu liga judeus e muçulmanos de maneira inesperada, mas instigante. Vale a pena.

Cyd Charisse (1922-2008)

Cyd Charisse — neste vídeo com Gene Kelly, em Cantando na Chuva — viajou definitivamente semana passada.

A ciência e sua sombra

Dentre todos os objetos disponíveis ao escrutínio da razão nenhum é mais interessante do que o próprio homem. Há muito o intelecto humano se diverte com esse movimento de virar-se sobre si mesmo. Somos, neste aspecto, bastante diferentes dos animais. Segundo Rilke, ao contrário de nós, os animais conseguem “vislumbrar o aberto”. Não estão obrigados a olhar sempre sobre o próprio ombro. Não são capazes de perceber sua sombra como um índice de si mesmos.

Dentre os possíveis discursos que escolhemos para falar de nós mesmos dois se destacam. O primeiro encontra-se no domínio das religiões e podemos defini-la, grosso modo, como categoria moral. O Bem e o Mal. Via de regra tal discurso aponta para uma dimensão transcendental da qual é possível colocar a natureza humana sob perspectiva. Seu pressuposto é o de que precisamos ir além do homem para poder pensá-lo. O contrário seria equivalente a “saltar a própria sombra”. O segundo pertence ao âmbito da ciência, e afirma ser possível compreender o homem a partir da própria condição humana, isto é, como ele se dá enquanto fenômeno material e finito, sem o auxílio de uma perspectiva transcendental de tipo religioso. Segundo esta vertente supor que esteja aberto ao homem uma perspectiva não humana é simplesmente absurdo. Ao homem só é possível o que está dentro dos limites de sua humanidade. Ambos são, como dizia Cassirer, “construções simbólicas”, derivadas da capacidade de enunciação da nossa linguagem e, neste aspecto, limitados por ela.

A ferramenta teórico-epistemológica que o discurso cientí­fico desenvolveu para pensar o problema do homem e sua sombra foi a dúvida. Obviamente não meramente a dúvida hiberbólica cartesiana, embora esta esteja, de fato, no centro da questão, mas a dúvida metodológica, integrada às próprias condições de exercício do discurso científico. Isto se dá porque ciência é método e não a confiança cega no método. Este é um erro que se comete amiúde, pensar a ciência como se fosse uma crença na verdade ou na capacidade do homem de encontrar uma verdade universal racionalmente justificável. Este valor ideológico do Iluminismo não sobreviveu ao próprio desenvolvimento científico, em última análise. A razão tornou-se muito mais humilde em sua busca pela verdade e abraçou, em seu método, a incompletude e o raciocínio aproximativo. Quem melhor exemplificou este frescor intelectual e esta dinâmica epistemológica foi Richard Feynman. Numa conferência em 1966 ele elabora esta posição metodológica numa fórmula genial: “Science is the belief in the ignorance of the experts”.

Obviamente cada ramo científico determina suas condições de verdade, mas elas não são mais universais e absolutas e têm validade provisória. O que, entretanto, dispara o processo de superação ou substituição destas condições de verdade é a dúvida, ou melhor, as consequências rigorosas do fato de que se pode duvidar, desde que metodologicamente embasado, das próprias condições de verdade de um determinado campo ou subcampo científico. O importante é perceber que a historicidade do conhecimento científico não significa uma relativização de seus princípios fundamentais, mas um aprofundamento. Eis aí a ciência diante de sua sombra.

Across the Universe

Trailer do filme, dirigido por Julie Taymor

Embora não goste muito de musicais, achei o filme muito legal. É um pouco suave demais, mas nada que atrapalhe. As versões das músicas são ótimas e os caras cantam mesmo. Há ainda participações especiais engraçadas, como as de Bono e, principalmente, de Joe Cocker, além de muitas referências às letras, aos albuns do quarteto ou a personagens reais do anos 60.

Trecho com Across the Universe e Helter Skelter

Trecho psicodélico, e bem bonito, com Because

Ouvir Beatles me dá vontade escrever/compor uma canção…

Viver está ficando perigoso demais…

Quando eu era menino o final de junho geralmente significava duas coisas muito boas: festa junina e férias. As férias, por sua vez, desdobravam-se em vários subtemas (futebol, viagens, brincadeiras de rua, etc.). Dentre estes, o mais desejado e esperado era soltar raia (ou pipa, dependendo do modelo aerodinâmico em questão).

A expressão em si já é deliciosa. “Soltar raia”. Soltar. Deixar ir, liberar. Não eram tanto os constructos de papel e taboca, mas nós mesmos que nos liberávamos na brincadeira. Sujos, soltos e barulhentos corríamos pelas ruas do setor Fama.

A logística da brincadeira era a seguinte: acordávamos lá pelas nove horas da manhã e começávamos a juntar as peças. Papel impermeável, linha, taboca (apanhada às margens do Anicuns ou do Capim Puba), cola, vidro (lâmpadas fluorescentes ou, quando não dava, garrafas de vidro transparente) e plástico para as rabiolas. Depois do almoço nos dividíamos. Um grupo construía a raia ou pipa e outro preparava o cerol.

Fazer o cerol era mais uma questão de força e persistência do que talento. Com uma barra de ferro amassávamos incansavelmente o vidro numa lata de óleo de soja até que não sobrasse nada além de um pó fino – tão parecido com açúcar refinado que o irmão mais novo de um dos moleques adoçou um copo de leite com ele, felizmente tomou apenas um gole antes de perceber que o pó não era nada doce. O cerol era então misturado com cola tenaz e um pouco de água. Aí vinha a parte onde era necessária alguma habilidade. A mistura era feita na palma da mão e aplicada na linha (10) esticada entre dois postes. Era importante dar entre dois ou três “toques” para que a camada de cerol não ficasse muito grossa, dificultando o manejo da raia durante uma “guerra”. O número de toques variava de acordo com a composição do cerol. Eu era bom nisso, apesar de ser uma negação em engenharia de pipas. Meu amigo Gláucio era um construtor muito mais habilidoso.

Bolsa: melhor do que pensava

Eu comecei no InvestidorVirtual.com dia 17 de Maio. De lá pra cá, já tive um prejuízo de R$ 4.518,00, ou seja, de 4,5%. Entrei com R$ 100.000,00. Já estava achando que não sou um bom surfista dos gráficos da bolsa de valores, mas hoje li esta notícia:

* Perda da Bolsa em junho é a maior desde abril de 2004 iG Ultimo Segundo – 20/06/2008, 19:01
Se junho encerrasse hoje, as perdas acumuladas pela Bolsa de Valores de São Paulo no mês seriam as maiores desde abril de 2004. O Ibovespa, principal índice da Bolsa paulista, registra queda de 10,99% em junho até o pregão desta sexta-feira (que foi encerrado com declínio de 2,97%).

Enfim, entrei no mercado justamente quando se iniciaria o mês de maior baixa desde Abril de 2004. E detalhe: minha perda não foi de 10,99%, mas apenas de 4,5%, o que significa que me agarrei com unhas e dentes e não fui pior que a IBOVESPA como um todo.

Um dia, eu chego lá. 🙂

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