blog do escritor yuri vieira e convidados...

Por um armistício em favor dos pobres e da natureza

Reproduzo abaixo artigo meu publicado hoje no jornal O Popular (Goiânia):

A despeito da generalização do discurso em torno da noção de “desenvolvimento sustentável”, a realidade é que, na prática, nossa sociedade ainda se orienta essencialmente pela lógica segundo a qual desenvolvimento e conservação do meio ambiente são coisas opostas.

De um lado, nossas políticas de desenvolvimento e as posturas de boa parte do empresariado refletem essa idéia, guardando a crença, ainda que velada, de que a degradação ambiental é um preço que necessariamente tem que ser pago para que tenhamos desenvolvimento.

Do outro lado, também as políticas ambientais e a postura de muitos ambientalistas revelam sua própria incapacidade de se pensarem como parte e partícipes de estratégias mais amplas de desenvolvimento. No que se assemelha a uma escolha de Sofia, trabalham muito mais contra esse modelo predatório de desenvolvimento do que em prol de um outro modelo, sustentável do ponto de vista ecológico. É uma estratégia derrotista e fadada ao fracasso.
Ocorre, entretanto, que a idéia da oposição entre desenvolvimento e meio ambiente que, de uma maneira ou outra, justifica ambas as estratégias, não se sustenta quando examinada à luz das profundas relações entre pobreza e meio ambiente.

Uma rápida análise dos dados sócio-econômicos e sobre desmatamento em Goiás demonstra com clareza isso, evidenciando a urgência da construção de estratégias integradas de combate à pobreza e conservação da natureza.

Análises realizadas no âmbito do projeto “Mapeamento dos Remanescentes do Bioma Cerrado”, coordenado pela Embrapa Cerrado, com participação do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento da UFG, trazem algumas informações importantes.

Em primeiro lugar, há uma significativa correlação no Estado de Goiás entre proporção de pobres nas populações dos municípios e preservação de cobertura vegetal natural. E, mais ainda, entre intensidade da pobreza e presença de cobertura vegetal. Isto é, os municípios com populações mais empobrecidas e, especialmente, aqueles onde os pobres são mais pobres estão, em geral, entre os que ainda têm a maior parte de sua vegetação ainda em pé.

Em Goiás, apenas 22 municípios, majoritariamente pertencentes às regiões Norte e Nordeste – exatamente as mais empobrecidas – concentram 50% de toda a vegetação que ainda resta em nosso Estado. (segundo o levantamento mais recente, coordenado pela Agência Ambiental de Goiás, apenas 36% de nosso território ainda são cobertos por vegetação nativa). Na mesma direção, os 30 municípios com maior intensidade de pobreza em Goiás, conforme o Censo 2000, concentram praticamente um terço da vegetação ainda existente.

Longe de justificar a necessidade de mais desmatamento (para levar qualidade de vida a essas populações), os dados sobre a relação entre PIB municipal e cobertura vegetal reforçam a falsidade da oposição entre pobreza e meio ambiente. Não há qualquer significado estatístico na correlação entre geração de riqueza, medida pelo PIB, e desmatamento. Há, tanto entre os municípios com maior atividade econômica, vários com cobertura ainda relativamente preservada – caso de Niquelândia (74,3%), Mineiros (42,3%), Cristalina (50,2%) e Luziânia (47,9%), por exemplo -, como, de forma estarrecedora, entre os municípios de menor PIB, vários com índices de cobertura vegetal próximos de zero – caso, entre outros, de Aloândia (0,96%), Adelândia (0,95%) e Caldazinha (7,39%). É desmatamento que não gerou absolutamente nada, em termos locais, do ponto de vista social e econômico.

A vasta produção científica sobre essa estreita relação entre pobreza e meio ambiente é unânime hoje em afirmar que os pobres tendem a ser os mais prejudicados pela degradação ambiental. Isso se explica essencialmente pela sua maior dependência do uso direto de recursos naturais e de certos serviços ambientais – água de rios e poços, lenha como combustível, fertilidade do solo para a agricultura familiar, etc. A degradação ambiental prejudica esse uso, e os pobres não dispõem de renda financeira para substitui-lo nos mercados. Esta dependência, por outro lado, torna os pobres potenciais aliados da conservação. Não obstante, as políticas ambientais têm sido incapazes de realizar este potencial. Ao contrário, as restrições não compensadas geradas, por exemplo, por várias de nossas unidades de conservação, acabam por agravar a pobreza e por transformar esses potenciais aliados em inimigos da conservação.

É hora, portanto, de um armistício nessa guerra velada pelo discurso onipresente do desenvolvimento sustentável. Enquanto os responsáveis pelas políticas de desenvolvimento e os empresários, de um lado, e ambientalistas e responsáveis pela política de conservação, do outro, não forem capazes de efetivamente dialogar, os pobres e a natureza continuarão pagando o preço deste modelo predatório e esgotado ainda vigente.

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12 Comments

  1. Hehehe. Olha o Pedro. Defendendo os pobres e o meio ambiente. Já já o MSM coloca o blog na lista negra. E não vai adiantar elogiar o Olavão não.

  2. Não entendi essa do Daniel. (O Pedro, claro, vai dizer que não entendo ironias.) Em primeiro lugar, a turma do MSM não é “anti-meio-ambiente” e muito menos “anti-pobre”. O que eles criticam é o uso dessas bandeiras visando tão somente ampliar os tentáculos do Estado. Os caras estão cansados de falar que o Estado é a pior forma de estender os limites da prosperidade e o principal pseudo-amigo da natureza.

    Em segundo lugar, tô pouco me lixando com o que o MSM acha deste blog. Não sei quanto a vcs, mas eu prefiro que eles me ignorem. Meus papos malucos e minhas urantianices só iriam queimar o filme deles.

    Quanto a quaisquer elogios que eu porventura tenha feito ao Olavo, não tinham os tais outro fim senão o de expressar minha admiração pelo trabalho dele. Infelizmente, quem quiser arranjar emprego em jornais, no meio cultural ou acadêmico brasileiros, ou quem estiver meramente buscando “reconhecimento”, deve, antes de tudo, fazer de conta que o Olavo não existe. Todos sabemos disso. Não é o meu caso. Já faz quase dez anos que chutei o pau da barraca…
    {}’s

  3. É…o Yuri tá certo. Ironia não se explica, ainda mais quando produz o efeito esperado.
    Mas é uma mentira deslavada dizer que elogios ao Olavo rendem “perseguição” nos meios acadêmicos, culturais e jornalísticos. A penetração do cara nunca foi tão grande e suas idéias nunca foram tão debatidas quanto agora. Isso é discurso velho discurso vitimizador que tanto mal fez ao próprio PT.

  4. Uê, Daniel, não foi vc o professor da Alfa que, ao propor um debate com a presença do Olavo – cuja participação eu já havia garantido -, foi sumariamente encarado pelos colegas como bocoió e vítima duma perda momentânea de bom-senso? Ou vc vai me confessar agora que mentiu deslavadamente e na verdade não fez a proposta ao colegiado do qual faz parte?

    Com relação às ironias, estou cansado de saber que vcs são amantes delas. Se me deixo levar é porque sei que nem todo visitante deste site tem noção de quê afinal é MSM, quem é Olavo e quejandos. Por isso essas ironias podem passar batidas para a maioria. Neste sentido sou mais ombudsman que eDitador. Caso vcs não tenham o costume de observar as estatísticas de visitação, saibam que a maioria chega até aqui graças principalmente a textos sobre religião, video-games, cinema e softwares, só depois passando para os demais. Isto aqui não é um blog temático, um blog exclusivamente sobre política e ninguém tem a obrigação de saber o que vcs sabem. A não ser que vcs estejam escrevendo especialmente para outros blogueiros – o que seria uma bobagem aborrescente – ou então que sejam discípulos do Chacrinha, acreditando que “não estão aqui para explicar, mas para confundir”, o que, em vista da situação geral da mentalidade deste país, pode ser um erro terrível.
    {}’s

  5. Vinicius

    “A ironia sempre perde”. Diogo Mainardi.

    Em vista da polêmica acima descrita, convêm ressaltar duas premissas:

    Primeira: o Estado não gera riqueza;

    Segunda: Em termos de meio-ambiente, deveria haver a delimitação da propriedade privada, para assim, haver a quem responsabilizar, como bem propôs Rodrigo Constantino neste artigo.

    No mais, é blablabla vazio.

  6. Bem, eu não acompanho tanto o MSM e o Olavo quanto vocês, pelo visto… De modo que qualquer opinião minha aqui pode parecer desatualizada, sem propósito, sei lá. Mas, assim, sem querer me aprofundar sobre o que não conheço, acho que vocês dão muita importância a eles. Eu sei, é uma questão de idéias (do MSM e do Olavo) e idéias são necessárias. Mas ultimamente tenho achado que elas (do MSM e do Olavo) têm tido certa predominância aqui.

    Sobre o MSM, me incomoda um pouco a definição de “viés esquerdista” da imprensa. Isso até existe de alguma forma nas redações. Mas não sei de nenhum dono esquerdista de jornal ou TV ou revista. Dos colunistas do MSM, eu só conheço o Olavo, porque ele escrevia no Globo (mais isso pode, confesso, ser falha minha).

    E ninguém vai dizer nada sobre o artigo do Pedro? Se ele tá errado ou se tá certo? Bem, acho que tá certo. Ambientalistas e desenvolvimentistas ficam brigando e brigando e brigando, mas ninguém na verdade parece estar pensando no bem comum, isto é, no bem de empresários, população em geral e meio ambiente. Tá cada um de um lado de lado, principalmente no Brasil — aqui, por sinal, esse “estar cada um de um lado” é bem comum na política e o que interessa memso (o tal bem comum) que se foda. Até onde caminharão separados? Talvez até o fim do mundo, infelizmente…

  7. Vinicius,

    1) na minha opinião, o humor sempre ganha.

    2) Aparentemente vc não leu o meu “discurso vazio” sobre este texto do Constantino. http://blog.karaloka.net/2006/03/04/ecochatos-fundamentalistas/

  8. Vinicius

    Sim. Li e comentei.

    Vamos aos pormenores: em outras palavras, desviamos a atenção do seu artigo, que é muito bacana, para o viés esquerdista que talvez o contamina.

    Não desaprovo qualquer força em defesa do meio ambiente, mas os interesses outros que se escondem por trás da bandeira da “defesa” me desacredita. Vide ONG’s.

    Depois que toda a humanidade “cagou” inteira sobre o meio ambiente, cabe a nós a sua preservação como meio de sobrevivência, pois a fúria da natureza é imensamente maior do que a ganancia do homem.

    No livro “A situação humana” do Aldous Huxley, há um ensaio muito completo que, a bem da verdade, recomendo a todos. Chama-se “O homem e seu planeta”.

    Enfim, Pedro, acredito na sua boa vontade (e conscientização) em alertar os não-cidadãos (pobres) de sua provincia para a civilidade obrigatória. Mas, as vezes, ao menos para olhares mais atentos, isso deixa escapar uma fumaça de demagogia.

    Para os interessados em ler o ensaio, aqui vocês encontram o livro (E-book).

  9. O Fiume está certo. O texto do Pedro é bastante eqüilibrado, mas tem características claramente progressistas (ou, se quiserem, pode ser encaixado numa agenda “dita” de esquerda), o que muito me apraz. O texto defende “minorias”, índios, por exemplo, e “ambientalistas”, no que eles têm de melhor: consciência crítica do modelo de desenvolvimento aliada a informação consistente, confiável e científica. Não é uma empulhação ideológica. Ao que parece, conceder à esquerda (ou ao progressismo) um status de pensamento articulado, moralmente responsável e significativo não pode. Citar um exemplo? O texto do Pedro.

  10. Desculpe Vinicius, mas acho que vc não entendeu nada do que eu disse. Leia os textos com mais anteção e desarmamento. Deixe de lado essas categorias prontas que vc tem pra coisas. Que questão das ONGs é essa?^Todo ongueiro é de esquerda? O Instituto Millenium é uma ong? Eles são de esquerda?
    Eu não estou alertando, nem conscientizando os pobres para civilidade nenhuma. De onde vc tirou isso? Estou dizendo que os “desenvolvimentistas” e os “ambientalistas” precisam parar com o discurso vazio e dialogar, ao invés de ficarem se xingando. Só isso. Não entendo onde isso é ser de esquerda. Se eu disse a muitos ambientalistas que conheço que devem ir para dentro da Federação das Indústrias conversar se igual pra igual com os empresários, eles mandam me prender ou internar, e provavelmente já estão achando que eu sou o maior reaça da paróquia depois deste artigo.
    Para de falar em “discurso vazio”, “viés esuqerdista”. Pra não falar em “fumaça de demagogia”. De demagogo eu ainda não tinha sido chamado. A ver o que vem por aí.

  11. Vinicius

    Sorry, Pedro.

    Vamos conservar o que há de melhor neste blog, ou seja, a “civilidade” e a boa educação.

    PS: Vinicius informa: estarei temporariamente fora do ar. Até segunda. Bom final de semana a todos!!!

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