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Em Busca de um Rei

Me conta aqui na Tailandia uma colega guatemalteca que nas eleicoes presidenciais de 2000 em seu pais, houve 90% de votos em branco. Assim, ficamos sabendo de onde Saramago tirou a inspiracao para seu genial “Ensaio sobre a Lucidez”. Na Guatemala, infelizmente, como no Brasil, o voto em branco nao e considerado valido, de modo que ganhou o candidato mais votado, ainda que a maioria dos eleitores nao quisesse a nenhum deles. Segundo ela, o resultado foi um dos governos mais corruptos de que ja se teve noticia na America Central.

No livro de Saramago, a grande maioria da populacao da capital do pais vota em branco nas eleicoes. Pego de surpresa, o governo convoca novas eleicoes e coloca o servico de inteligencia em busca dos cerebros desta conspiracao. Nao ha entretanto comandantes neste movimento espontaneo da populacao que, nas novas eleicoes, volta as urnas e, ainda em maior numero, torna a votar em branco.

Desesperado, o governo decide, em represalia, mudar a capital do pais, deixando a antiga, sitiada, seus moradores impedidos de sair, para que experimentassem as consequencias de viver sem a presenca do Estado e de um governo. Surpreendemente, entretanto, nada acontece. Nao se da o caos. A vida segue normalmente ou melhorada. Para os servicos que ficam sem atendimento, como a coleta, de lixo, rapida e espontaneamente, os cidadaos se organizam e implemnetam substitutos tao eficientes quanto os anteriores ou mais. O Estado antes tido como indispensavel, revela-se apenas um estorvo.

Esta ideia aparentemente surreal me parece cada vez mais verdadeira. Se desaparecesse o Estado, possivelmente tudo seguiria na normalidade, se nao melhor. O Estado e a fonte de todos os problemas, nao sua solucao. Tome-se a policia, por exemplo. A melhor solucao para reduzir a criminalidade seria acabar com ela.

Ou quem sabe pudessemos arranjar um rei. Ando com muita inveja desses tailandeses, que veneram sua monarquia cegamente. Bhumibol Adulyadej, ou Rama IX, no trono ha 60 anos, e o cimento da nacao, e o que une ao pais. Dois tailandeses podem discordar em tudo, mas concordam na veneracao e na inquestionabilidade da monarquia. E o absoluto necessario a fundacao de qualquer nacao, como aponta Hannah Arendt. Ha que se ter algo que nao pode ser questionado. Pode ser um processo revolucionario, como na Franca, uma guerra de independencia e uma Assembelia Constituinte, como nos EUA, ou a monarquia, como na Inglaterra ou aqui. Em todas as esquinas, em todas as casas, em todos os predios, ai estao imagens de Buda e de Rama IX e/ou da Rainha. No novo e imenso aeroporto de Bangkok, em todas as passarelas de embarque e desembarque, ha imensos letreiros: “Long Live the King” (“Vida Longa ao Rei”).

Se o plebiscito de 1993 ocorresse hoje no Brasil, talvez eu votasse na monarquia, mas so se pudessemos escolher outro rei, nao os Orleans e Braganca que ja tiveram sua chance de dilapidar o pais no seculo XIX. Meu rei seria Paulinho da Viola. Poderiamos combinar tambem de que as pessoas poderiam ter reis diferentes. O meu seria Paulinho, o seu poderia ser uma rainha, como Fernanda Montenegro. Quem seriam bons candidatos a rei? Seria um rei sem poder de fato, claro, ate porque ao mesmo tempo institucionalizariamos a monarquia e aboliriamos o Estado.

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1 Comment

  1. Paulo Paiva

    Pedro,

    É justamente isso, a eliminação do Estado, que o libertarianismo (ou anarco-capitalismo) propõe. Pra mim, é o que há de mais avançado nessa discussão e David D. Friedman seu maior expoente.

    Abração.

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