blog do escritor yuri vieira e convidados...

Boas Novas

A boa nova é que fazer um longa metragem pode não ser tão difícil quanto parece.

A má notícia é que ontem assisti a um dos piores filmes da minha vida e, como sou amigo, alertá-los-ei para que não incorram na mesma sessão de tortura.

A segunda má notícia é que fazer um BOM longa metragem talvez seja mesmo tão difícil quanto pareça.

Eu não gosto de fazer críticas destrutivas, especialmente ao cinema nacional. Pode ser um certo corporativismo, mas acho que é preciso estimular quem está fazendo. Neste caso, entretanto, está além da minha evolução espiritual. Como diabos este rapaz conseguiu dinheiro da Petrobrás – edital para longas de baixo orçamento – e de mecanismos de estímulo do Estado do Rio para produzir isso?

“Cafuné”, primeiro longa do diretor Bruno Viana, conta, até onde consegui entender, a história do amor de Débora, uma garota da Zona Sul carioca por Marquinhos, um rapaz do morro. Aparentemente, faz uma crítica social à separação entre estas duas realidades e aos preconceitos evidentemente da turma da Zona Sul com a rapaziada da favela. Digo “até onde consegui entender” e “aparentemente” porque o filme tem um roteiro tão fraco
que deixa o espectador em dúvida. E, como se trata de uma tentativa de crítica social, o cidadão fica sempre esperando que haja algo por trás do que aparece. Só que nunca há. É absolutamente impressionante a quantidade de cenas absolutamente inúteis, que não contribuem em nada com a trama e que não dão em nada. E a verdade é que não acontece nada no filme. Fica-se esperando que vá haver alguma traição, sacanagem, qualquer coisa, mas nada acontece. Nem o tal preconceito da burguesia Zona Sul, que aparentemente é o elemento central da história, parece tão forte assim. Mas, claro, há uma desculpa para dizer que eu sou o mané que não entendeu nada: é que o filme, segundo seu próprio website, aborda estas questões pelo ângulo da “banalidade do cotidiano” e da “falta de perspectivas” dos personagens. Sacou?

É lamentável. Como disse o crítico da bíblia de alguns colegas aqui, a Veja: “draminha de quinta categoria [que] segue à risca o esquema de uma câmera na mão e pouquíssimas idéias na cabeça”. Na classificação da revista, que vai de uma a cinco estrelas, o filme ostenta uma bombinha acesa.

O grande bafafá causado, conforme li em Trip e em vários sites, é o fato do filme ter estreiado simultaneamente em salas e na Internet e na Internet sob uma licença Creative Commons – incrível que certas salas o tenham aceito quando outras produções nacionais de reconhecido mérito ficam sem tela.

Você pode, se for mucho louco, baixar o filme e, aí sim uma coisa boa, reeditá-lo e distribui-lo sem fins comerciais. Isso mesmo, você pode alterar a história e mudar o final.

Outro motivo de muito barulho por nada é que o filme foi liberado com duas versões diferentes, uma com 70 e outra com 90 minutos (infelizmente assisti a esta última). O suprasumo do fazer fumaça pra disfarçar a ausência de conteúdo do que está por trás. E o pior é que Trip e outros veículos ficam incensando o filme por conta desses truquezinhos de mídia:

“(…) o lançamento do filme com dois finais é um exercício de linguagem a ser explorado, estando em sintonia com nossa época de customização de massa.”

Jornalista é bicho fácil de enganar mesmo (com as devidas escusas ao Fiume, ao Daniel e a papai, que não se enganam com tanta facilidade).

No final das contas, é o óbvio: sem roteiro, não há firula fotográfica, edição à la Tarantino ou truque de marketing que faça um bom filme. Do outro lado, um bom roteiro pode até segurar muitos problemas técnicos. Sorry once again, modernos, mas 90 % do bom cinema é roteiro.

Mas a boa notícia, repete-se, é que, depois de Cafuné, fazer um longa já não parece mais algo tão distante.

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4 Comments

  1. Ronaldo Brito Roque

    Cara,

    é aquilo que Olavo falou. A literatura (cinema é literatura) está morta, fica repetindo lugares comuns, como a crítica da mulher que não gosta de pobre. Vamos mudar isso. Vamos fazer um filme em que a mulher deixa o pobre, se casa com um rico e fica feliz. Não por causa do dinheiro, obviamente, mas simplesmente porque ela teve coragem de buscar o que ela realmente queria.

    Abraço,
    Rbr

  2. Me apropriando de jargões… nada se cria, tudo se copia… não basta existir programas de incentivo ao cinema brasileiro, é preciso acesso ao público em geral, para que estes possam refletir e prestigiar as boas produções, assim como não prestigiar as produções ruins recheados de esteriótipos e clichês…

  3. Nossa, adorei o argumento do Ronaldo, dá até pra imaginar que escândalo seria um filme desse tipo. Ahahahaha…

    Com relação ao filme comentado pelo Pedro, Deus me livre, quero ficar longe dele.
    []’s

  4. pedro novaes

    Ótimo argumento, Ronaldo. Ela se apaixona pelo pobre e vai viver na favela. Alguns amigos a estimulam, que ela tem que ir atrás do que quer, deixar de lado os preconceitos sociais, etc. Outro acham que ela está louca. Muito rapidamente todas as ilusões caem por terra, ela já não suporta mais o cotidiano da favela, mas não consegue terminar a relação. Conhece um cara rico, se apaixona por ele e começa a ter um relacionamento paralelo, passando da favela à alta sociedade e da alta sociedade à favela. Finalmente, resolve abandonar o marido na favela e se casar com o camarada rico, para grande desconforto da platéia e reprovação das amiguinhas esquerdistas dela que achavam o máximo o romance entre a garota rica e o rapaz pobre. Ou talvez, mais dramático, o rapaz descobre o romance dela com o outro cara e a escurraça de casa. Por outro lado, podemos analisar se não seria mais interessante um rapaz rico e uma moça da favela… rapaz, isso pode ficar interessante. Vocês não topam escrever um roteiro de curta-metragem com esse argumento? Estou falando sério.

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