blog do escritor yuri vieira e convidados...

Pinochet e Desenvolvimento

César Maia, sempre informadíssimo e lúcido em suas análises históricas e políticas. Na Folha de hoje:

Terça-feira, Dezembro 12, 2006

Pinochet, traição e embuste econômico

CESAR MAIA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os sinais foram dados ainda na transição, antes da posse de Salvador Allende. O general René Schneider, relacionado com a Democracia Cristã, foi assassinado por um comando que se dizia de ultra-esquerda. Quem escolhia o presidente no Chile, sempre e quando não alcançava a maioria absoluta nas urnas, era o Congresso. A tradição era escolher o mais votado. Com Allende poderia ser diferente.
Contatos feitos e acordo firmado: a estrutura de organização interna das Forças Armadas seria intocável. Dois anos depois, o quadro era de instabilidade. Proteger a zona de Santiago era fundamental, pois representava uns 40% da população chilena. O que se dizia é que o general Pinochet era de confiança por seu relacionamento com um setor socialista. Era militar de confiança para trabalhar e apoiar o general Carlos Prats, comandante do Exército de Allende, de vocação democrática (assassinado em Buenos Aires a mando de Pinochet em 1974).
A certeza da boa escolha veio na tentativa prematura de golpe -uns 30 dias antes do 11 de Setembro-, conhecida por “Tancazo”. Vá a uma vídeolocadora e peça a “Batalha do Chile”. Busque entre os DVDs o dos tempos próximos ao golpe.
Veja e ouça Pinochet reprimindo o golpe e caminhando em frente ao palácio La Moneda, acompanhado do ministro da Defesa, José Tohá, amigo e de total confiança de Allende.

Momento da traição
Sua expressão e suas palavras pareciam garantir o acerto da sua escolha. O momento da traição não se conhece, mas a probabilidade de ter aderido a um golpe em gestação é muito grande. Continue vendo o DVD e fique atento à locução dele no momento do golpe. Sinta a traição nas palavras. A resistência esperada por muitos não veio, desmistificando o que se dizia. A Marinha sabia disso quando, alegando tráfico de armas pela esquerda, ocupou Valparaíso e outros locais e fábricas e vasculhou tudo. Dizem que para comprovar o que se soube após o golpe. Mas a inexistência de qualquer exército preparado por Allende não serviu para nada. Por um longo tempo assassinava-se por qualquer pretexto e cometiam-se as atrocidades comprovadas depois.

Ingênuos
Alguns ingênuos relevam a barbárie de Pinochet, justificando-a pelas mudanças na economia que explicariam a situação exemplar do Chile de hoje. Outro embuste. A economia foi entregue aos mais ortodoxos monetaristas da escola de Chicago. Aplicou-se o receituário mais horizontal possível. As empresas quebraram, a economia desintegrou.
No período 1950-1971, o PIB por habitante do Chile cresceu 2% ao ano. Entre 1972 e 1983, o PIB por habitante decresceu à taxa de 1,1% ao ano. Insisto: 1,1% ao ano, negativos. Em 1970, a relação do PIB por habitante do Chile em relação ao dos EUA era de 35,1%. Em 1992, era de 33,6%. Isso depois de um forte crescimento nos últimos anos de Pinochet.
Dos 17 anos de ditadura, o período de desenvolvimento econômico veio quando os conselheiros de Pinochet sugeriram que ele saísse de nomes ortodoxos e apostasse num economista brilhante que trabalhava na Oficina de Planejamento e havia participado, assessorando, da área da Previdência Social.
A propaganda de Pinochet, depois de uma queda abissal do PIB nos primeiros anos, apresentava números positivos que nada mais eram que uma reação ao abismo. Depois de 12 anos de fracasso, assumiu o Ministério da Fazenda/Economia Hernán Buchi (que os chilenos pronunciam Birri). Com poderes plenos, atuou como uma espécie de premiê econômico.

Transformações
Foram nesses cinco anos sob o comando de Buchi que a economia chilena viveu as transformações que conhecemos: reforma do Estado, focalização nos setores com vantagem comparativa, abertura da economia, desvalorização para estimular as exportações, controle de capitais especulativos, gestão monetária e fiscal flexíveis (a reforma previdenciária custou 10% do PIB).
Quando veio a primeira eleição pós-ditadura, com a Concertação entre democrata-cristãos e socialistas apresentando um político experimentado, Patricio Aylwin, Pinochet não tinha um nome para apresentar. Recorreu a Buchi e o lançou sem nenhuma experiência política anterior e com seu cabelinho de corte à príncipe valente.
Assim mesmo, Buchi obteve 40% dos votos. Confundir o desastrado período Pinochet com os últimos cinco anos dos 17 em que ele mandou e que, no fim, apelou para outra direção econômica, assim como querer atribuir ao período ditatorial uma façanha econômica é no mínimo outra impostura. Hoje, Buchi dirige seu Instituto Liberdade e Desenvolvimento e continua prestando serviços ao Chile com seu talento.

CESAR MAIA é prefeito do Rio e viveu no Chile entre 1969 e 1973

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8 Comments

  1. Omitindo grande parte dos fatos relevantes e realçando apenas o que lhe interessou, Cesar Maia deu a impressão de que Salvador Allende foi um santo e que o Chile ia de vento em popa.

  2. Não entendi a lógica do raciocínio. Porque dizer que o Chile estava em convulsão social o que é parcialmente verdade – o mais correto seria dizer “em convulsão política”) seria apenas um argumento para defender o golpe e a ditadura mais sangrenta do continente. Vc os defende?
    O que é importante, neste caso, é colocar os pingos nos ii, porque os que defendem Pinochet o fazem pela idéia de que teria sido responsável pelo desenvolvimento que coloca o Chile hoje supostamente no campo das nações desenvolvidas.
    Abs,
    Pedro.

  3. Rod

    O artigo de Cesar Maia é péssimo. Comete omissões inaceitáveis, por ignorância ou por cálculo político. A última alternativa é mais provável, uma vez que César obcecadamente vem tentando parecer um político de centro ou até centro-esquerda, desde que percebeu que a maior parte do eleitorado brasileiro se posiciona nessas imediações do espectro político. De início,o prefeito não menciona os inúmeros abusos do governo Allende, como o estímulo a organizações terroristas e a destruição da propriedade privada. Fala do colapso de 82, mas ignora o de 73, provocado pela política desastrosa de Allende, que gerou uma inflação de 600%, junto com recessão.Trata Hernan Buchi como um moderado que assumiu depois da ortodoxia, omitindo que Buchi assumiu depois da gestão fracassada do keynesiano Luis Escobar, que durou um ano. Por outro lado se a gestão de Buchi tivesse ocorrido no Brasil, ele seria considerado ultraliberal, o mais radical da história do país. Basta ler os textos de Buchi para ver o que ele pensa, e levantar com detalhes os dados sobre as reformas liberais realizadas em sua gestão.
    O governo de Pinochet foi absolutamente condenável no que se refere a violência e ao autoritarismo, mas isso não dá direito aos opositores de negar o desastre de Allende e esquecer informações elementares sobre a economia chilena.

  4. A verdade e os fatos devem ser ditos independente de servirem ou não como “argumento para defender o golpe e a ditadura “.

    A ditadura de Pinochet não foi a mais sangrenta do continente. A de Castro é que é.

    Também é incorreto dizer que “os que defendem Pinochet” o fazem pelo desenvolvimento do Chile. Há poucos que defendem Pinochet e esses não devem ser confundidos com aqueles que defendem meramente a derrubada de Allende.

    O Chile estava em uma convulsão que foi inicialmente política mas que já havia se tornado convulsão social. O governo de Allende foi marcado pela violência e pelo caos, assim como em grau mais atenuado, foi o de Jango.

    Quando um presidente eleito leva seu país ao caos e à violência, seu governo deve ser derrubado, ou pela via do impeachment ou, se necessário, por força militar agindo em resposta à vontade da sociedade civil.

    Portanto é claro que o golpe foi bom e salvou o Chile de se tornar uma Cuba. A ditadura que se seguiu é que foi ruim.

    Foi ótimo terem tirado o Allende do poder e interrompido a execução dos planos de tirania comunista. Foram horríveis os assassinatos e torturas que o regime de Pinochet cometeu.

  5. pedro novaes

    Digamos que as duas ditaduras – Pinochet e Castro – se equivalem em sangue. Aliás, contradizendo o que eu mesmo disse – que a do Chile foi e mais sangrenta -, acho que não faz nenhum sentido fazer um ranking de ditaduras menos ou mais sangrentas. Ditaduras são ditaduras e todas são igualmente asquerosas.

    Agora, dizer que é justo derrubar um presidente democraticamente eleito, já é discussão que dá pano pra manga. Que o Chile estava em convulsão isso é verdade, mas daí a dizer que havia um clamor da sociedade pela derrubada de Allende é olhar só para um lado. O fato é que a sociedade chilena estava rachada ao meio, e por isso convulsionada. Mas Allende, sem com isso defender seu projeto político, tinha o apoio de metade, se não da maioria da sociedade chilena.

    Pior ainda é dizer que o Brasil estava em convulsão social no Governo Jango e que houve um clamor da sociedade pela derrubada do governo. Clamor social aquela marcha da família por não sei lá o quê? mais próximo de clamor social, ao menos em quantidade, me pareceu o enterro do Edson Luiz e a passeta dos cem mil. Isso é hipocrisia para defender mais um golpe sobre um governante eleito democraticamente.

  6. Dizer que as duas ditaduras se equivalem é dar pouco valor à vida humana, mas que é “bom” para fazer as ditaduras socialistas parecerem mais boazinhas, isso é.

    PS.: Allende não tinha apoio da metade da sociedade, ele foi eleito com apenas 1/3 dos votos.

  7. Eu não acho que as ditaduras de esquerda são boazinhas, mas vc acha que as de direita são pelo visto. Credo.

  8. rogerio ome

    Que foi um homicida: é certo. Mas pq não falar do seu antecessor…?
    Deixo um texto, não é meu, mas que dá o outro lado … que não era tão puro e cândido como fazem crer.

    “Possivelmente a História, como a conhecemos, tenha sido aqui e ali falsificada, de forma voluntária ou não, pelas narrativas de diversos historiadores. Seja por interesse de ocultar ou acrescentar alguma coisa ou por distorção involuntária, seja por se tratar de registo de relatos orais muito antigos já modificados no próprio tempo, o caso é que os documentos históricos nem sempre apresentam os factos como eles realmente ocorreram. O estudioso de História deve contar com estas possíveis deturpações, principalmente no que toca a relatos de períodos muito antigos, aos quais as teorias não podem mais ser testadas nem a História pode encontrar uma sólida fundação em factos (…) Tudo o que está além são prodígios e fábulas, a região dos poetas e romancistas, onde nada é certo ou crível (Plutarco, Parallel Lives).

    O historiador tunisino Abd al-Rahman Ibn Khaldun (1332-1406), diz em sua obra clássica Muqaddimah (Prolegomena) que a mentira se introduz naturalmente na informação histórica e isso por sete razões principais: 1) o apego dos homens a certas opiniões e doutrinas; 2) a confiança cega que se deposita nas palavras das pessoas que as contam; 3) a ignorância do alvo e dos intentos dos actores dos acontecimentos; 4) a facilidade com que o espírito humano acredita estar de posse da verdade; 5) a ignorância das relações que existem entre os acontecimentos e as circunstâncias que o acompanham; 6) a inclinação dos homens para granjear o favor das personagens ilustres e de alta categoria; e uma que supera todas as outras, 7) a ignorância da natureza dos fenómenos que nascem da civilização.

    Pois estes historiadores antigos, sinceros e de certa forma ingénuos, jamais poderiam imaginar que a falsificação da História se transformasse num ofício, numa arte espúria, exercida sistematicamente por milhares de escribas seleccionados por autoridades que necessitam de manipular os conhecimentos sobre o passado para, selectivamente, expurgar o que lhes retiraria legitimidade ou revelaria suas atrocidades. Pois isto aconteceu exactamente no século em que o crescimento exponencial da capacidade de armazenamento de documentos históricos parecia indicar um futuro promissor para esta bela arte. Desde o golpe de Estado bolchevique na Rússia, em 1917, a criação de uma nova história, de novas “verdades”, vem ocupando lugar de destaque na estruturação dos departamentos de desinformação comunista. Ironicamente, Orwell chamou a repartição que tinha esta função, em Oceania, de Ministério da Verdade.

    Quando este intróito já estava quase pronto, recebi de um amigo um texto de Maio de 1970 do grande intelectual católico Gustavo Corção (Permanência), que, coincidentemente, tem o mesmo título deste aqui, no qual ele denuncia a falsificação da História da Segunda Guerra Mundial na Histoire Général des Civilizations, da Presses Universitaires de France, pelo autor marxista Maurice Crouzet. Num outro texto magnífico, publicado no Globo, em 06/10/1973, O Mito de Guernica, Corção desmonta inteiramente a história oficial sobre o bombardeio daquela cidade basca pela Luftwafe.

    Mas a maior capacidade actual de armazenamento de documentos também permite desmascarar algumas mentiras e é isto que fazemos aqui sobre o “mito Allende”. Salvador Allende ganhara as eleições de 1970 com escassos 36.2% da votação, contra 34.9% de Jorge Alessandri, do Partido Nacional, e 27.8% de Radomiro Tomic, do PDC. Portanto, 62.7% dos chilenos rejeitaram sua candidatura.

    O Congresso deveria decidir entre os dois mais votados e, por insistência da ala esquerda do PDC, fez-se um acordo em que Allende se comprometia a respeitar a Constituição chilena. Este acordo era necessário porque os congressos do seu Partido Socialista de 1965-66 haviam decidido tomar o poder de qualquer maneira, seja pela via eleitoral ou qualquer outra que fosse necessária.

    O Chile se encontrava nos primórdios de uma Guerra Civil, desencadeada pelo próprio Presidente e os partidos que o apoiavam, a Unidad Popular. Já em Maio, o pleno de 14 juízes da Suprema Corte denunciaram, por unanimidade, o Executivo, por tomar a si a Justiça e não respeitar nenhuma decisão judicial. Finalmente, a Câmara de Deputados, em 23 de Agosto, vinte dias antes da acção das Forças Armadas comandadas por Augusto Pinochet, aprovou o documento que, fiel ao seu papel de desmascaramento das mentiras, compromisso assumido com seus leitores, Mídia Sem Máscara apresenta aqui em esmerada tradução de Graça Salgueiro. O texto também demonstra o estado de guerra civil já declarada que justificou, a meu ver, a necessidade de uma rápida e cruenta repressão para evitar maior derramamento de sangue.

    DECLARAÇÃO DA QUEBRA DA DEMOCRACIA CHILENA, 23 DE AGOSTO DE 1973

    Este é o texto da resolução da Câmara dos Deputados do Chile, aprovada por ampla maioria em 23 de Agosto de 1973.

    Nela se faz uma lista das violações constitucionais e legais do Governo do Presidente Allende e acorda-se “representar” esta “grave quebra da ordem constitucional e legal da República”, entre outras autoridades, “às Forças Armadas”.

    Do mesmo modo, acorda “expor que, em razão de suas funções, do juramento de fidelidade à Constituição e às leis que prestou (…), lhes corresponde pôr fim imediato a todas as situações de facto referidas, que infringem a Constituição e as leis”.

    ACORDO:

    “Considerando:

    1.º Que é condição essencial, para a existência de um Estado de Direito, que os Poderes Públicos, com pleno respeito ao princípio de independência recíproca que os rege, enquadrem sua acção e exerçam suas atribuições dentro dos marcos que a Constituição e as leis lhes assinalam, e que todos os habitantes do país possam desfrutar das garantias e direitos fundamentais que lhes assegura a Constituição Política do Estado;

    2.º Que a juridicidade do Estado chileno é património do povo que no curso dos anos foi modelando nela o consenso fundamental para sua convivência e atentar contra ela é, pois, destruir não só o património cultural e moral de nossa nação mas que, na prática, é negar toda a possibilidade de vida democrática;

    3.º Que são estes valores e princípios os que se expressam na Constituição Política do Estado que, de acordo com seu artigo 2.º, assinala que a soberania reside essencialmente na nação e que as autoridades não podem exercer mais poderes do que os que esta lhes delegue e, no artigo 3.º, deduz-se que um Governo que se arrogue direitos que o povo não lhe delegou incorre em rebelião;

    4.º Que o actual Presidente da República foi eleito pelo Congresso Pleno por acordo prévio em torno de um estatuto de garantias democráticas incorporado à Constituição Política, o qual teve como objetivo preciso assegurar o submetimento da acção de seu Governo aos princípios e normas do Estado de Direito, que ele se comprometeu solenemente a respeitar;

    5.º Que é um fato que o actual Governo da República, desde seu início, empenhou-se em conquistar o poder total, com o propósito evidente de submeter todas as pessoas ao mais estrito controlo económico e político por parte do Estado e conseguir, desse modo, a instauração de um sistema totalitário, absolutamente oposto ao sistema democrático representativo, que a Constituição estabelece;

    6.º Que, para conseguir este fim, o Governo não incorreu em violações isoladas da Constituição e da Lei, senão que fez delas um sistema permanente de conduta, chegando aos extremos de desconhecer e atropelar sistematicamente as atribuições dos demais Poderes do Estado, violando habitualmente as garantias que a Constituição assegura a todos os habitantes da República e permitindo e amparando a criação de poderes paralelos, ilegítimos, que constituem um gravíssimo perigo para a nação, com o qual destruiu todos os elementos essenciais da institucionalidade e do Estado de Direito;

    7.º Que, no que concerne às atribuições do Congresso Nacional, depositário do Poder Legislativo, o Governo incorreu nas seguintes transgressões:

    a) Usurpou do Congresso sua principal função, que é a de legislar, ao adoptar uma série de medidas de grande importância para a vida económica e social do país, que são indiscutivelmente matéria de lei, por decretos de insistência ditados abusivamente ou por simples resoluções administrativas fundadas em “resquícios legais”, sendo perceptível que tudo isso se fez com o propósito deliberado e confesso de mudar as estruturas do país, reconhecidas pela legislação vigente, unicamente pela vontade do Executivo e com prescindência absoluta da vontade do legislador;

    b) Burlou permanentemente as funções fiscalizadoras do Congresso Nacional ao privar de todo efeito real a atribuição que compete a este para destinar aos Ministros de Estado que violam a Constituição ou a lei, ou cometem outros delitos ou abusos assinalados na Carta Fundamental, e

    c) Por último, o que tem a mais extraordinária gravidade, fez “tábula rasa” da alta função que o Congresso tem como Poder Constituinte, ao negar-se a promulgar a reforma constitucional sobre as três áreas da economia, que foi aprovada com estrita sujeição às normas que para esse efeito estabelece a Carta Fundamental;

    8.º Que, no que concerne ao Poder Judiciário, incorreu nos seguintes abusos:

    a) Com o propósito de minar a autoridade da magistratura e de dobrar sua independência, capitaneou uma infamante campanha de injúrias e calúnias contra a Exmª Corte Suprema e amparou graves transgressões de facto contra as pessoas e atribuições dos juízes;

    b) Burlou a acção da justiça nos casos de delinquentes que pertencem a partidos e grupos integrantes ou afins do Governo, quer seja mediante o exercício abusivo do indulto, ou mediante o incumprimento deliberado de ordens de detenção;

    c) Violou leis expressas e fez “tábula rasa” do princípio de separação dos Poderes, deixando sem aplicação as sentenças ou resoluções judiciais contrárias aos seus desígnios e, frente às denúncias que a respeito formulou a Exmª Corte Suprema, o Presidente da República chegou ao extremo inaudito de arrogar-se o direito de fazer um “julgamento de méritos” às sentenças judiciais, determinando quando estes devem ser cumpridos;

    9.º Que, no que se refere à Controladoria Geral da República – um organismo autónomo essencial para a manutenção da juridicidade administrativa – o Governo violou sistematicamente os ditames e actuações destinados a representar a ilegalidade dos actos do Executivo ou de entidades dependentes dele;

    10.º Que entre as constantes transgressões do Governo às garantias e aos direitos fundamentais estabelecidos na Constituição, podem-se destacar as seguintes:

    a) Violou o princípio de igualdade perante a lei, mediante discriminações sectárias e odiosas na protecção que a autoridade deve oferecer às pessoas, os direitos e os bens de todos os habitantes da República, no exercício das faculdades que dizem respeito à alimentação e subsistência e em inúmeros outros aspectos, sendo notável que o próprio Presidente da República instituiu estas discriminações como norma fundamental de seu Governo, ao proclamar, desde o princípio, que ele não se considera Presidente de todos os chilenos;

    b) Atentou gravemente contra a liberdade de expressão , exercendo toda espécie de pressões económicas contra os órgãos de difusão que não são adeptos incondicionais do Governo; fechando ilegalmente jornais e rádios; impondo a estas últimas “cadeias” ilegais; encarcerando inconstitucionalmente jornalistas da oposição; recorrendo a manobras astuciosas para adquirir o monopólio do papel de imprensa e violando abertamente as disposições legais a que deve sujeitar-se o Canal Nacional de Televisão, ao entregá-lo à direcção superior de um funcionário que não foi nomeado com o acordo do Senado, como o exige a lei, e ao convertê-lo em instrumento de propaganda sectária e de difamação dos adversários políticos;

    c) Violou o princípio de autonomia universitária e o direito que a Constituição reconhece às Universidades para estabelecer e manter estações de televisão, ao amparar a usurpação do Canal 9 da Universidade do Chile, ao atentar pela violência e pelas detenções ilegais contra o novo Canal 6 dessa Universidade, e ao obstaculizar a extensão às cidades do Canal da Universidade Católica do Chile;

    d) Dificultou, impediu e, às vezes, reprimiu com violência o exercício do direito de reunião por parte dos cidadãos que não são adeptos do regime, enquanto permitiu constantemente que grupos, muitas vezes armados, se reúnam sem sujeição aos regulamentos pertinentes e se apoderem das ruas e estradas para amedrontar a população;

    e) Atentou contra a liberdade de ensino, pondo em aplicação de forma ilegal e sub-reptícia, através do chamado Decreto de Democratização do Ensino, um plano educacional que busca como finalidade a conscientização marxista;

    f) Violou sistematicamente a garantia constitucional do direito de propriedade, ao permitir e amparar mais de 1.500 “tomadas” ilegais de imóveis agrícolas, e ao promover centenas de “tomadas” de estabelecimentos industriais e comerciais para, depois, requisitá-los ou intervir-lhes ilegalmente e construir assim, pela via do despojo, a área estatal da economia; sistema que foi uma das causas determinantes da insólita diminuição da produção, do desabastecimento, do mercado negro e da alta asfixiante do custo de vida, da ruína do erário nacional e, em geral, da crise económica que açoita o país e que ameaça o bem-estar mínimo dos lares e compromete gravemente a segurança nacional;

    g) Incorreu em freqüentes detenções ilegais por motivos políticos, além das já assinaladas com relação aos jornalistas, e consentiu que as vítimas sejam submetidas, em muitos casos, a flagelações e torturas;

    h) Desconheceu os direitos dos trabalhadores e de suas organizações sindicais ou gremiais, submetendo-os, como no caso de El Teniente ou dos transportadores, por meios ilegais de repressão;

    i) Rompeu compromissos contraídos para fazer justiça com trabalhadores injustamente perseguidos como os de Sumar, Helvetia, Banco Central, El Teniente e Chuquicamata; seguiu uma política arbitrária de imposição das fazendas estatais aos camponeses, transgredindo expressamente a Lei de Reforma Agrária; negou a participação real dos trabalhadores de acordo com a Reforma Constitucional que lhes reconhece tal direito; impulsionou o fim da liberdade sindical mediante o paralelismo político nas organizações dos trabalhadores;

    j) Infringiu gravemente a garantia constitucional que permite sair do país, estabelecendo para isso requisitos que nenhuma lei contempla;

    11.º Que contribui poderosamente para a quebra do Estado de Direito, a formação e manutenção, sob o estímulo e a proteção do Governo, de uma série de organismos que são revoltosos porque exercem uma autoridade que nem a Constituição nem a lei lhes outorgam, com manifesta violação do disposto no artigo 10, n.º 16, da Carta Fundamental, como, por exemplo, os Comandos Comunais, os Conselhos Camponeses, os Comités de Vigilância, as JAP, etc.; todos destinados a criar o mal chamado “Poder Popular”, cujo fim é substituir os Poderes legitimamente constituídos e servir de base à ditadura totalitária, factos que foram publicamente reconhecidos pelo Presidente da República, em sua última Mensagem Presidencial e por todos os teóricos e meios de comunicação oficiais;

    12.º Que na quebra do Estado de Direito tem especial gravidade a formação e desenvolvimento, sob o amparo do Governo, de grupos armados que, além de atentar contra a segurança das pessoas e de seus direitos e contra a paz interna da Nação, estão destinados a enfrentar-se contra as Forças Armadas; como também tem especial gravidade que se impeça o Corpo de Carabineiros de exercer suas importantíssimas funções frente às delituosas reuniões políticas perpetradas por grupos violentos devotados ao Governo. Não se podem silenciar, por sua alta gravidade, as públicas e notórias tentativas de utilizar as Forças Armadas e o Corpo de Carabineiros com fins partidários, ofender sua hierarquia institucional e infiltrar politicamente seus quadros;

    13.º Que, ao constituir-se o actual Ministério, com participação de altos membros das Forças Armadas e do Corpo de Carabineiros, o Exmº senhor Presidente da República o denominou de “segurança nacional” e assinalou como tarefas fundamentais as de “impor a ordem política” e “impor a ordem económica”, o que só é concebível sobre a base do pleno restabelecimento e vigência das normas constitucionais e legais que configuram a ordem institucional da República;

    14.º Que as Forças Armadas e o Corpo de Carabineiros são e devem ser, por sua própria natureza, garantia para todos os chilenos e não apenas para um sector da Nação ou para uma combinação política. Por conseguinte, sua presença no Governo não pode prestar-se para que cubram com seu aval determinada política partidária e minoritária, mas que deve encaminhar-se para restabelecer as condições de pleno império da Constituição e das leis e de convivência democrática, indispensável para garantir ao Chile sua estabilidade institucional, paz civil, segurança e desenvolvimento;

    15.º Por último, no exercício das atribuições que lhe confere o artigo 39 da Constituição Política do Estado,

    A CÂMARA DE DEPUTADOS ACORDA:

    PRIMEIRO: Comunicar a S. Exª o Presidente da República e aos senhores Ministros de Estado e membros das Forças Armadas e do Corpo de Carabineiros, o grave rompimento da ordem constitucional e legal da República, que penetram os factos e circunstâncias referidos nos considerandos n.ºs 5 a 12 precedentes;

    SEGUNDO: Comunicar-lhes, do mesmo modo que, em razão de suas funções, do juramento de fidelidade à Constituição e às leis que prestaram e, no caso dos tais senhores Ministros, da natureza das instituições das quais são altos membros e cujo nome invocou-se para incorporá-los ao Ministério, lhes corresponde pôr fim imediato a todas as situações de facto referidas, que infringem a Constituição e as leis , com o fim de orientar a acção governativa pelas vias do Direito e assegurar a ordem constitucional de nossa Pátria e as bases essenciais de convivência democrática entre os chilenos;

    TERCEIRO: Declarar que, se assim se fizer, a presença dos tais senhores Ministros no Governo importaria um valioso serviço à República. Em caso contrário, comprometeriam gravemente o carácter nacional e profissional das Forças Armadas e do Corpo de Carabineiros, com aberta infracção ao disposto no artigo 22.º da Constituição Política e com grave deterioração de seu prestígio institucional, e

    QUARTO: Transmitir esta resolução a S. Exª o Presidente da República e aos senhores Ministros da Fazenda, Defesa Nacional, Obras Públicas e Transportes, e Terras e Colonização”.”

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