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A décima primeira solução

A revista Veja Rio publicou outro dia (domingo, 20/05/2007) uma reportagem abordando os principais problemas do trânsito do Rio, e sugerindo 10 soluções para melhorar a situação. Me chamou a atenção a ingenuidade das soluções sugeridas, por isso resolvi escrever este texto, propondo uma décima primeira solução, que, tenho certeza, não será implementada a curto prazo, mas pelo menos quem for minimamente inteligente vai ver que tenho razão.

Desde que eu fazia arquitetura venho defendendo que a solução para o tráfego de qualquer cidade grande não é espacial. Todas as metrópoles, mesmo as que têm ótimos metrôs, têm engarrafamentos. Quando você estuda história do urbanismo, descobre que na Roma Antiga já existia esse problema. É um erro achar que engarrafamento é coisa moderna. Tem um documentário (infelizmente não lembro o nome) que mostra que, assim que saiu o primeiro Ford vendido a prazo, as cidades abençoadas por essa grande oportunidade comercial passaram a ter engarrafamento em menos de um mês. As pessoas primeiro acharam que o problema se resolveria com o aumento da largura das ruas. Mas depois viram que isso não resolvia, porque quando você faz uma cidade confortável, mais pessoas passam a morar lá, mais pessoas compram carros, e logo a rua já está estreita de novo. Fazer mais metrôs, mais ruas, mais ônibus não vai resolver o problema. Eu não esqueço de um sujeito boboca que eu conheci uma vez que dizia que para solucionar esse problema as pessoas tinham que aprender a deixar o carro em casa e pegar o metrô. Ora, e por acaso o metrô já não está lotado? Alguém quer pegar o metrô, em São Paulo ou no Rio, nos horários de pico? Os ônibus também já estão lotados. E, mesmo que não estivessem, quem ia querer largar o seu carro para pegar um ônibus?! Ônibus é ruim demais, pelo amor de Deus!

O engraçado é que tem um monte de engenheiro (todos pagos pela prefeitura) trabalhando para resolver o problema, mas eles não conseguem achar a solução. Ela está lá, gritando, debaixo do nariz deles, mas eles não conseguem enxergá-la, primeiro porque são cegos, e depois porque querem ir embora às 18h e folgar aos domingos, como todo mundo.

Uma solução sugerida na revista chama a atenção pela burrice (me desculpe o cara que a propôs). O sujeito sugere restringir a circulação de veículos. Ele não deve ter parado para pensar que, se a empregada dele chegou no horário, foi porque circulou algum veículo; se o garçom que lhe serviu hoje estava lá, foi porque circulou algum veículo; se um caixa o atendeu no supermercado ou nas lojas americanas, foi porque circulou algum veículo. É claro que restringir a circulação de veículos resolveria o problema, mas isso diminuiria o nosso acesso a bens e serviços. Você quer isso? Eu não quero. Quando a empregada dele faltar ao trabalho porque não conseguiu pegar uma van, ele vai perceber a que idéia não é mesmo muito boa. Tem gente que não consegue raciocinar com base na imaginação, só com base em fatos.

Então vamos deixar de conversa e passar à minha sugestão.

O que é um engarrafamento? É um troço permanente? Não. Engarrafamento tem data e hora (principalmente hora). Quando você passa pela Rio Branco no domingo de manhã, ela está totalmente vazia. Você pode até deitar na rua por alguns segundos que ninguém vai te atropelar (meninos de rua fazem isso o tempo todo). Mas, se você passar lá na segunda, às 8h da manhã, a mesma avenida vai estar tão cheia que você não vai conseguir atravessar em linha reta, mesmo na faixa de pedestre. O mesmo na segunda às 16h. Então fica claro: o engarrafamento não é um problema espacial, é um problema temporal. O problema não é haver muitos carros na cidade ou na rua, mas o fato de esses carros estarem disputando o mesmo espaço ao mesmo tempo.

Basta enxergar esse detalhe essencial para ficar mais perto da solução.

Quais são os horários em que há mais engarrafamentos? Justamente aqueles em que as pessoas estão indo e vindo do trabalho. Então para acabar com esse tipo de engarrafamento bastaria que as pessoas não chegassem e não saíssem do trabalho no mesmo horário. Todo mundo começa a trabalhar entre 7h e 9h, e todo mundo sai entre 17h e 19h. Conseqüentemente todo mundo pega metrô lotado, ônibus lotado, rua lotada. Mas o que aconteceria se você começasse a trabalhar, por exemplo, às 12h, e saísse às 20h? Você pegaria engarrafamento? E se você almoçasse às 16h? Você pegaria o restaurante lotado?

Outro dia eu estava conversando com um cara que trabalha numa padaria. Ele é uma pessoa inteligente, por isso gosta de trabalhar no turno da noite (das 14h às 22h), justamente porque assim ele não pega o metrô lotado. Também gosta de trabalhar no domingo e folgar na segunda, assim ele consegue ir ao comércio e pegar a praia vazia. Quando você não faz as coisas no mesmo horário que todo mundo, as vantagens são inúmeras. De que adianta folgar no domingo, se todos estarão de folga, e o comércio vai estar fechado?

A solução para o problema de tráfego está justamente aí. Basta que as empresas adotem um sistema de horário rotativo, que não permita que os funcionários cheguem e saiam no mesmo horário. A empresa vai ganhar com isso, porque ficará aberta por mais tempo, e a cidade vai ganhar, porque haverá mais conforto e menos disputa por espaço. Façam as contas e vocês verão que não estou brincando. Eu mesmo comecei a fazer essas contas quando fazia arquitetura, mas meu professor não aceitou esse trabalho (na época era um trabalho sobre urbanismo), porque, segundo ele, o arquiteto tem de apresentar soluções espaciais. Outro cara falou que isso não ia dar certo porque os mineiros são muito tradicionais e gostam de fazer exatamente aquilo que seus pais e seus avós fizeram (na época eu morava em BH). Como seus pais não começavam a trabalhar às 12h, eles também não iam querer. Então eu pensei: danem-se os mineiros. Idiota tem mais é que sofrer.

Mas veja bem: é claro que muitos não vão querer essa solução, porque as pessoas gostam de usar o trânsito como desculpa. A maioria das pessoas não gosta de trabalhar, seja porque está num emprego que não se adequa à sua vocação, seja porque é preguiçosa mesmo. Então elas usam o trânsito, porque é uma desculpa verossímil que o patrão normalmente não vai questionar. Cheguei atrasado porque o trânsito na Rio Branco estava impossível. Ok, eu também passo por isso. Mas as pessoas que gostam de trabalhar, e gostam de chegar ao trabalho com conforto, adotariam os horários e as folgas alternativas como forma de fugir das multidões. Eu adoraria entrar nesse esquema, se a empresa em que eu trabalho me desse essa opção. Não vejo problema em trabalhar, por exemplo, das 14h às 22h. Pelo contrário, acharia ótimo. De manhã poderia ir ao comércio ou ficar em casa escrevendo.

— Mas que horas você iria ao cinema?

— Existe dia de folga para quê?

Alias as pessoas inteligentes já adotam horários e folgas alternativos como solução para os problemas do trânsito (e das lotações de forma geral). Eu só vou ao teatro na quarta. Sexta e sábado fica lotado. Só faço compra em mercado 24h, depois das 22h. Eu só fico triste em não poder trabalhar no domingo e folgar, sei lá, na quarta. Adoraria poder fazer isso.

A alternância de horários de trabalho também traria outros benefícios. Se você trabalha, por exemplo, das 9h às 17h, você sabe o quanto é difícil ir a um banco ou a uma instituição pública, como o Detran. Você vai na hora do almoço, mas todo mundo resolveu ir na hora do almoço e o lugar está lotado. Você perde o tempo de almoço e não consegue resolver o problema. Mas o que aconteceria se você trabalhasse das 12h às 20h? Ou — o que seria melhor — o que aconteceria se o banco tivesse 50% dos seus funcionários trabalhando das 10h às 16h, e os outros 50% trabalhando de 14h às 20h? Seria ótimo. Finalmente teríamos tempo para ir ao banco.

Enfim, os benefícios são muitos.

Você talvez esteja pensando: “o governo devia propor uma lei que obrigasse as empresas a adotar a rotatividade de horários de trabalho”. Isso é bobagem! Para que esperar que o governo resolva o problema? Se você tem a chance de adotar um horário alternativo, adote. Se você é gerente de RH ou coisa parecida, proponha essa idéia na sua empresa. Se você é empresário, proponha essa idéia para seus funcionários, e por aí vai. Não espere o governo mandar, julgue você mesmo a idéia e tome a decisão.

Enfim, minha sugestão é essa. Numa outra oportunidade eu falo sobre como resolver o problema da superlotação do comércio na véspera do dia das mães.

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3 Comments

  1. Marcelo

    Olá Ronaldo.

    Gostei muito do seu post. Na verdade, já tenho tentado adotar tal procedimento por conta própria. Ou seja, com sacrifício de tempo pessoal. Faço jornada dupla, pois dou aulas à noite pelo menos duas vezes por semana. No meu caso, não posso pensar num horário empurrado para a frente, e sim, puxado para trás. Procuro sair de casa quando a maioria ainda está dormindo. Assim, passo nos lugares críticos antes dos engarrafamentos inevitáveis. Só uma questão a ser discutida em relação a sua proposta: nossos trabalhos são, em geral, interdependentes. Como garantir que suas atividades não seriam prejudicadas, ou até mesmo, impedidas de serem realizadas pela ausência de um profissional responsável por uma outra área da qual a sua dependa em função dessa diferença de horários. Me parece que seria necessário uma tremenda engenharia de produção para não deixar furos nos fluxos dentro das organizações. Pra pensar. No restante sou favorável a sua proposta.

    Abraços.

    Marcelo Roseira.

  2. Ei, até que enfim alguem com uma boa idéia. conheço pessoas em SP que já fazem isso, começam a trabalhar as 10h e saem depois das 20h. Obviamente que muito poucos podem se dar ao luxo de escolher.

    Este é a primeira vez que leio este blog, e estou adicionando-o aos favoritos… sua idéia é uma grande sacada.

    abraço
    Marcelo

  3. hinata

    odiei a parte dos mineiros…se vc naum tem respeito por um lugar que ja te acolheu…pra mim voce é mto sem carater! desculpa!!! + acho q os mineiros tem sim o seu lugar…mais respeito é bom e mtos estados dependem de Minas p muita coisa.
    no mais ta bacaninha sua ideia!
    fica na paz!

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