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Autor: daniel christino Page 6 of 12

Second Life, a volta do que não foi

Enquanto não me afogo em minhas próprias secreções nasais (argh!!!!) surfo distraído pela Internet e trombo com esta matéria do Estadão. “O fim do Second Life como o conhecemos“. Mas o futuro já acabou? Pensei, entre uma e outra aplicação de Aturgil. Lembrei-me imediatamente de outra notícia, agora do Portal G1, “Atração ‘De volta para o futuro’ é desativada no parque da Universal“. Eu gostava muito desta série, cujo melhor filme é, como quase sempre, o primeiro. A partir de então assisti a tudo que o diretor Robert Zemeckis fez. Discutia-se, há pouco tempo, a possibilidade de mais um filme da franquia, mas a suspensão do brinquedo no parque da Universal jogou um balde de gelo na boataria.

E o Second Life? Bem, as possibilidades iniciais do joguinho (joguinho, joguinho, joguinho) se esgotaram rapidamente a medida que as pessoas iam descobrindo o óbvio. A vida do dia-a-dia é muito chata, seja ela virtual ou não. Segundo a matéria do Estadão

O modelo de exploração se esgotou rapidamente. Levar uma segunda vida ficou chato e sem graça para 80% dos usuários, que abandonaram seus avatares depois da “febre” no início do ano. Hoje, há 9,2 milhões de residentes cadastrados, mas apenas 465 mil estiveram conectados na última semana.

Realmente, ajudar uma senhorita a ficar milionária com bugigangas para alguns tamagochis ultrasofisticados não iria muito longe, mesmo sendo a população mundial pouco atormentada pelo bom senso. A matéria abre flanco para mais uma modificação “revolucionária” (bem, eles não usam o termo, mas o título tem algo de fênix, né não?): a possibilidade de conhecimento gratuíto. Mas meu ceticismo deu o alarme. Querer redefinir o modo de relação das pessoas num ambiente virtual pelo diapazão intelectual é coisa complicada. Em geral nossas relações sociais se pautam pelo emotivo, pelas tonalidades afetivas. Bem esperemos. Ou ele se estabelece ou será mais um joguinho desativado.

Jornalismo de qualidade

Jornalismo de qualidade

Cansaço, fadiga, lassidão

Preguiça! Meu amigo Paulo Paiva enviou-me e-mail perguntanto se não iria à manisfestação “vaia Lula” na praça Cívica. Eu fiquei com vontade de responder com um texto sobre movimentos em cardume e coisas do tipo, mas me deu preguiça. Já esgotei minha cota de manifestações. Quando era estudante secundarista do Colégio Agostiniano, fizemos uma manifestação contra o aumento das mensalidades nas escolas particulares. Não houve aula no dia e a classe média saiu às ruas pelo valor do seu rico – e minguado – dinheirinho. Paramos também o Ateneu Dom Bosco, o Carlos Chagas, o Objetivo da Avenida Goiás e outros. Imaginem: a avenida Tocantins tomada por estudantes de escolas particulares, mobilizados por alunos destas mesmas escolas, para horror de seus pais, no final da década de 80. O que quero dizer: era um movimento sem malícia. Lembro-me de comentar com o Leon, meu amigo, o quão excitante era fazer parte daquilo tudo, daquela idéia de construir um sonho em conjunto. Mas não tínhamos carro de som. E o problema começou quando conseguimos arranjar um.

Dentre as lideranças dos colégios particulares mobilizados estava a filha de um famoso político da cidade. Sem que soubéssemos, ela “vendeu” nossa causa para o movimento sindical e para políticos de esquerda. Como não tínhamos o tal carro de som, tomamos um emprestado ao Sindicato dos Professores e, com ele, vieram reinvidicações externas ao movimento. Em palavras menos polidas: botaram uma canga na gente. Um punhado de gente falou um punhado de coisas alheias à manifestação. Professores, políticos, sindicalistas. Ao final, lá na Praça Cívica, a futura elite goiana assistiu ao gozo pleno e mesquinho da esquerda do pequi. Gente que poderia ter sido ganha para o debate político ouviu a então vereadora, Denise Carvalho, encher a voz de orgulho ao pronunciar “Nós”. “Nós” estamos mobilizados; “Nós” protestamos contra o capitalismo; “Nós” resistimos. “Nós quem, cara pálida?” pensávamos. Alguns amigos perguntaram se eu não queria discursar. Se fosse o caso, me colocariam no caminhão a marra. Disse que não. Afinal, para quê? Nada daquilo era nosso mais. Talvez nunca tivesse sido, na verdade.

A quem pertence, de fato, o movimento “Cansei”? Não tenho idéia. Meu ele não é.

A tragédia e a blogosfera

Tenho acompanhado os desdobramentos do trágico acidente da TAM em Congonhas. Uma bagunça. Desde o acidente acho que pelo menos uns 10 a 15 especialistas foram consultados pelos jornais, telejornais, portais de notícias e blogs. Nada conclusivo. Na blogosfera a discussão concentra-se nos aspectos políticos da tragédia. Em resumo a questão é a seguinte: o governo federal tem ou não tem responsabilidade no acidente? Vamos ver.

O sapateiro e suas sandálias

Sutor, ne supra crepidam! Eis um aviso longínqüo.

Eu ainda me lembro quando alguns professores de Filosofia diziam que Adam Smith estava “morto e enterrado”, que não servia nem mesmo para “calçar a mesa da sala de aula”. Qual não deve ter sido o susto dessa gente quando Ernst Tugendhat (entre outros) resgatou sua teoria dos sentimentos morais para as discussões sobre ética na contemporaneidade. Smith voltou a ser lido com novo interesse, apesar do desprezo marxista chinfrim.

Hoje topei com um texto do sempre relevante Reinaldo Azevedo cujo teor é exatamente o mesmo, embora situe-se na outra ponta do espectro ideológico. O objeto de desprezo do Reinaldo é Habermas. Seu texto comenta um artigo do filósofo alemão publicado no caderno Mais! da Folha deste domingo, diz coisas como:

Ah, o sr. Habermas está muito preocupado com o risco de os veí­culos caí­rem nas mãos de capitalistas inescrupulosos, que se interessariam apenas pelo lado espetaculoso da notí­cia, e nada com a função formadora da imprensa. Como exemplo negativo de jornalismo, ele cita, claro, o norte-americano.

Ou então,

Sempre achei Habermas um submarxista vulgar; não imaginava, no entanto, que pudesse ser tão ridí­culo.

E por aí vai. Bem, o Reinaldo pode achar o que quiser, pode até mesmo implicar com o fato do cara não gostar de Chicabom, mas está falando de orelha sobre a obra do Habermas. Em primeiro lugar porque interpretou o artigo da Folha numa chave submarxista e viu só isso. Sabem como é “what you get is what you see”. Se tivesse mais contato com a obra do filósofo perceberia a relação entre mercado e estado no contexto de uma sociologia de sistemas (baseada, principalmente, em Luhmann e Parsons), o que por si não implica um avanço estatizante, mas um equilí­brio necessário, mediado pela esfera pública – e aqui, antes que me venham encher o saco, falo do conceito como ele aparece na Teoria da Ação Comunicativa e não na Mudança Estrutural da Esfera Pública (tomar Habermas apenas por esta última seria como formar um juí­zo sobre Dostoiévski exclusivamente a partir de Noites Brancas).

Se fosse mais honesto (se o pathos não fosse o do desprezo) comentaria sobre a idéia de jornalismo implícita no conceito de esfera pública e de como esta esfera, uma ótima invenção liberal, constitui o verdadeiro espaço democrático numa sociedade. Nem Estado nem mercado são democráticos, mas o Estado ainda é mais permeável a uma gestão democrática – por conta, principalmente, do modelo jurídico constitucional – do que o mercado. Por outras palavras, a democracia nasce da vontade – e é preservada por esta vontade, cristalizada no sistema jurí­dico; “ainda há juí­zes em Berlim”, não é isso? – dos homens e não por geração espontânea. No limite, o mecanismo que movimenta a argumentação habermasiana é o da ação comunicativa; e o que ele propõe é uma intervenção para que o tipo de jornalismo comumente praticado na Alemanha, e associado à emergência desta esfera, seja preservado. Seu objetivo é preservar alguma racionalidade argumentativa na mí­dia.

Por outro lado, a caracterí­stia “formativa” do jornalismo não está associada a nenhum caráter pedagógico ou tutelar da comunicação – isso é só estrabismo do Reinaldo -, mas a uma influência construtivista (essencialmente Piaget) incorporada por Habermas em suas bases epistemológicas. O jornalismo, juntamente com uma série de outros elementos, nos ajuda a construir nosso senso de realidade social. É por isso, acredito, que o Reinaldo acha tão importante combater o marxismo vagabundo de boa parte da mí­dia, porque isso implica mudar a maneira como as pessoas interpretam os fatos e, portanto, a maneira como veêm o mundo.

O que marca o comentário do Reinaldo é o repúdio – não a crítica – ao conceito de Comunicação do Habermas. E, claro, à tese de que o Estado, como construto humano, pode ser acionado quando julgamos que algum valor essencial escapa à lógica do mercado. Não que o mercado seja ruim ou malvado (isso Habermas não diz), apenas seu desenvolvimento – na Alemanha – vai na direção da supressão de um tipo de jornalismo que ele acredita ser essencial para a manutenção da esfera pública. Só que Habermas “culpa” o mercado pelo tipo de jornalismo indigente que se vai consolidando, enquanto Reinaldo culpa a esquerda e o marxismo. Contudo, tanto Habermas quanto Reinaldo defendem o mesmo valor fundamental: a democracia, cristalizada numa de suas instituições mais importantes – a esfera pública -, e representada pelo jornalismo argumentativo, cuja maior virtude é “não ter medo de dizer seu nome”.

Por fim, Reinaldo faz referência a um debate entre Habermas e o atual papa Bento XVI e diz que “Habermas parecia um garoto de colégio balbuciando incongruências diante de um mestre”. Ele gosta desta figura. Habermas, esforçando-se ao máximo, não consegue nem mesmo articular um discurso coerente. Diante de Ratzinger, torna-se afásico. Bem, são fogos de artifício. Eis um link para a transcrição da Folha sobre o debate dos dois.

Voltando à citação de Plínio. Não pretendo policiar os assuntos que o Reinaldo escreve em seu blog, ele tem direito aos seus erros e tem também direito de exibi-los para quem os considere acertos. Mas cabe retificar algumas opiniões frágeis ou francamente equivocadas, inspiradas, acima de tudo, pelo desprezo; uma disposição que nada tem a ver com qualquer tipo de virtude intelectual, nem mesmo com a saudável prepotência dos excelentes.

Günter Grass no New Yorker

Para quem curte o escritor alemão Günter Grass, e acompanhou a polêmica em torno da sua autobiografia, o site da revista New Yorker publicou um relato do cara sobre sua juventude na Luftwaffe, bastante detalhado. Para quem não sabe, Grass alistou-se no exército alemão durante a Segunda Guerra Mundial. Entre relatórios e notícias do front, visitas regulares à família nos finais de semana e devaneios literários – a cabeça delicadamente apoiada numa metralhadora anti-aérea 88-mm -, Grass vai confessando intenções e sentimentos nem sempre muito nobres a respeito dos motivos e consequências das suas decisões. O trecho sobre seus pais é especialmente revelador.

The two-room hole. The family trap. Everything there conspired to constrain the weekend visitor. Not even the mother’s hand could smooth away the son’s distress. True, he was no longer expected to sleep in his parents’ bedroom like his sister, but even on the couch made up for him in the living room he remained a witness to the married life that continued unbroken from Saturday to Sunday. That is, I could hear—or thought I could hear—sounds I had heard, muffled as they were, from childhood on, sounds that had lodged in my mind in the form of a monstrous ritual: the anticipatory whispers, the lip-smacking, the creaking bedsprings, the sighing horsehair mattress, the moaning, the groaning, the entire aural repertory of lovemaking, so potent, especially in the dark. I had a clear picture of all the variations on marital coupling, and in my cinematic version of the act the mother was always the victim: she yielded, she gave the go-ahead, she held out to the point of exhaustion.

The hatred of a mother’s boy for his father, the subliminal battleground that determined the course of Greek tragedies and has been so eloquently updated by Dr. Freud and his disciples, was thus, if not the primary cause, then at least one of the factors in my push to leave home.

Havia também o tédio e o romantismo guerreiro do Sturm und Drang alemão.

All winter long, the front moved closer to home. The Wehrmacht’s high command tried to tone down the retreat by dubbing it a front-straightening operation. Victory bulletins virtually ceased, and more and more bombardment victims were seeking refuge in our city and its environs. The urge to break away, to flee to any front that would have me, had lost its force. My desire was moving in another direction: I read Eichendorff and Lenau at their most romantic, pored over Kleist’s “Kohlhaas” and Hölderlin’s “Hyperion,” and stood guard by the ack-ack guns, lost in thought, my eyes wandering over the frozen sea.

Há uma história em movimento nestes relatos de vida pessoais durante este período na Alemanha – de Viktor Klemperer a Albert Speer. Para além das análises históricas de longo alcance ou das detalhadas biografias de grandes personalidades, a percepção da vida cotidiana como síntese da totalidade da experiência de uma época faz ressurgir – ressuscitar, como diria Michelet – o sentido mais essencial do viver. Há uma autenticidade neste relatos que nenhum texto moralista, por exemplo, poderia proporcionar, principalmente ao esclarecer como o “medonho” plasmou-se ao viver cotidiano. Por isso, talvez, nos cause estranheza a imagem do Hyperion de Hölderin, aberto, rabiscado, apoiado sobre os canhões enquanto o olhar do leitor/soldado mira o “mar gelado”. Vale a leitura.

Uma questão filosófica

Ah, esses moralistas!

Tudo o que é sólido…

Esse cara é bom.

O que move o movimento?

Vocês já matutaram sobre a expressão “movimento estudantil”? Pois é. A primeira coisa que me vem à cabeça é a seguinte pergunta: para onde? Já que se move, em qual direção vai? Nos últimos anos tem ido da esquerda para a esquerda, ou seja, não sai do lugar. Segunda coisa: se há movimento, então algo se move, logo, o que está se movendo? O estudante? Só se for para sair de casa e invadir reitorias ou, num passado não tão distante, jogar pedra em presidente. Enfim, será que ainda podemos atribuir a esta expressão algum sentido? Eu acho que sim.

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