blog do escritor yuri vieira e convidados...

Categoria: Cotidiano Page 9 of 58

Brasil: uma terra sem sal?

Leio os Sermões do Padre Antônio Vieira desde muito antes de realmente saber o que é a fé. E isso apenas por conselho do Fernando Pessoa que, em suas Obras completas em prosa, ressalta o prazer que é escorregar a língua por aquelas belas palavras e por suas excelentes construções sintáticas. Sim, lia por razões puramente estéticas. (Aliás, vale notar a influência do estilo de Vieira nos ensaios estéticos de Pessoa.) A questão é que, em 1997, após deixar a UnB e sua biblioteca, fiquei algum tempo sem ler os Sermões. Então, anos mais tarde, comprei no Sebo do Messias, em São Paulo, um volume publicado pela editora do Mário Ferreira dos Santos, a Editora Logos. E cá estou a ler novamente o Vieira, não apenas sob a perspectiva estética, mas, agora, também sob o ponto de vista moral e religioso. (Atenção, sou um cristão com upgrade, sou “urantiano”.) E encontrei, no Sermão de Santo Antônio – pregado na cidade de São Luís do Maranhão, no ano de 1654 – uma excelente descrição dos dias atuais, isto é, uma época de corrupção generalizada, na qual, estivesse Santo Antônio vivo, estaria pregando tal como Vieira diz que ele certa vez pregou, ou seja, aos peixes, já que os humanos estão todos surdos. O humor de Vieira é notável. Seu sermão é também todo ele dirigido aos peixes, o que me faz imaginar um monte de colono com cara de “mané” e “jaquim” a ouvir de má vontade o irônico padre.

Quem já leu o Evangelho, sabe que Jesus disse: “Vós sois o sal da Terra”. Eu sempre pensei que isso tivesse algo a ver com o fato de sermos, por assim dizer, a quintessência da vida do planeta, aqueles que dão sabor a essa vida que de outra forma seria puramente zoológica. Outros dizem que ser o “sal da terra” significa simplesmente “fazer a diferença”, uma vez que a comida sem sal é uma coisa completamente sem graça. Mas este “fazer a diferença” é um conceito puramente anglo-saxão… Vieira, por outro lado, afirma que ser o sal da Terra é fazer parte daqueles que conservam o mundo contra a corrupção e a putrefação, uma vez que o sal, desde épocas imemoriais, sempre foi utilizado antes como conservante que como tempero. Os peixes e as carnes sempre foram salgados, não para ficarem mais gostosos, mas para não apodrecerem. Se Jesus estivesse andando por aí, nos dias de hoje, certamente diria: “vós sois a geladeira da Terra, o refrigerador, o freezer…”

Nessa perspectiva, não é nada difícil perceber que o Brasil tornou-se, nas últimas décadas, uma terra completamente sem sal. Os humanistas podem espernear e bradar por uma moral sem raízes religiosas, mas isto não entra na cabeça de mentalidades simplórias e, principalmente, na de mentalidades cínicas e perversas. Sem uma paternidade espiritual, sem uma fraternidade fundada em princípios indestrutíveis, não há clima de confiança que consiga manter a sociedade unida. E o Brasil, por melhor que ande a economia e seus juros, está cada dia mais mergulhado em corrupção. Até já exporta a dita cuja. O Isaac, editor do meu curta-metragem, que morou muitos anos nos EUA, me disse que grande parte desses brasileiros que voltam com as burras cheias de dinheiro apenas fazem o seguinte: trabalham seis meses e, em seguida, vão a um banco pedir um empréstimo. Os bancos, acostumados com uma sociedade de tradições puritanas, confia naqueles que os procuram e emprestam a grana. E os tais brasileiros retornam a seu país de origem com 50.000 dólares que jamais serão devolvidos… Daí os bancos americanos não estarem mais autorizando empréstimos a brasileiros que vivam há tão pouco tempo naquele país. Porque brasileiros não são confiáveis. Porque são naturalmente corruptos e crêem estar levando vantagem sobre os americanos otários. São, enfim, pessoas oriundas de uma terra cada vez mais sem sal…

Uma trincheira no You Tube

Com o fechamento autoritário da RCTV pelo protoditador Hugo Chávez, a internet e, mais particularmente, o You Tube explicitam seu caráter unívoco de “trincheira virtual”. Se a empresa venezuelana já não possui permissão para transmitir como um canal aberto, ao menos não deixou de produzir seus programas, os quais vem sendo divulgados no site El Observador e no próprio You Tube.

Esse estranho aquecimento global

Durante as últimas semanas, ouvimos que:

1) “Curitiba chega a zero grau no Maio mais frio desde 1997“;

2) “Santa Catarina tem o mês de Maio mais frio em 39 anos“;

3) “Este é o mês de Maio mais frio dos últimos sete anos em SP“;

4) Nevou em Junho na Califórnia.

Pergunta: será o “aquecimento global”?

Bem, segundo o blog Pensadores Brasileiros, os termômetros usados para medir esse tal aquecimento são dispostos em locais bem esquisitos. Aposto que alguns ficam dentro de saunas…

Dois indignados

O Rafael Delta Sierra me enviou o link deste vídeo. Há ao menos uma pessoa indignada neste país, o Alborghetti. Existirão outras?

Claro que há, o Olavo de Carvalho.

“A esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las.”
Santo Agostinho

Eu sou contra a meia-entrada

Estudante paga meio prato de comida? Paga meia blusa? Paga meio par de tênis? Estudante paga meio cigarro? Então por que diabos o cara acha que tem que pagar meia entrada de teatro? O trabalho que o ator tem – que o cara da iluminação tem, que os técnicos têm – é o mesmo, seja a platéia de estudantes ou não. Por isso não entendo por que é que o maldito estudante tem que pagar meia entrada.

Sou contra a meia entrada.

E o pior ainda é a meia entrada para aposentado. Qual a finalidade disso? Aposentado paga meio prato de comida? Quando um aposentado vai comprar uma privada nova, ele paga meia privada? Quando ele vai pôr gasolina no carro para ir à casa dos filhos, ele paga meia gasolina? Paga meia corrida de táxi? Então por que é que tem que pagar meia entrada de teatro? Isso é desvalorizar o trabalhor do teatro! Temos quer ser contra a meia entrada, em qualquer situação! O trabalhador do teatro seja ator, técnico ou vendedor, está tendo o mesmo trabalho para atender a um adulto, a um aposentado ou a um estudante; portanto pagar meia entrada é
desvalorizar o trabalho desse trabalhador!

Sugiro a confecção de uns bâneres: “Eu sou contra a meia-entrada, a meia entrada desvaloriza o trabalho do profissional de teatro”. Alguma coisa assim. Vamos colocar esses bâneres nos nossos saites. Quando a idéia ganhar visibilidade, algum político vai defendê-la. Na rua, quando encontrarmos um aposentado, devemos perguntar: – Se vc não paga meio café, não paga meia cachaça, por que diabos quer pagar meia entrada?

O sapateiro e suas sandálias

Sutor, ne supra crepidam! Eis um aviso longínqüo.

Eu ainda me lembro quando alguns professores de Filosofia diziam que Adam Smith estava “morto e enterrado”, que não servia nem mesmo para “calçar a mesa da sala de aula”. Qual não deve ter sido o susto dessa gente quando Ernst Tugendhat (entre outros) resgatou sua teoria dos sentimentos morais para as discussões sobre ética na contemporaneidade. Smith voltou a ser lido com novo interesse, apesar do desprezo marxista chinfrim.

Hoje topei com um texto do sempre relevante Reinaldo Azevedo cujo teor é exatamente o mesmo, embora situe-se na outra ponta do espectro ideológico. O objeto de desprezo do Reinaldo é Habermas. Seu texto comenta um artigo do filósofo alemão publicado no caderno Mais! da Folha deste domingo, diz coisas como:

Ah, o sr. Habermas está muito preocupado com o risco de os veí­culos caí­rem nas mãos de capitalistas inescrupulosos, que se interessariam apenas pelo lado espetaculoso da notí­cia, e nada com a função formadora da imprensa. Como exemplo negativo de jornalismo, ele cita, claro, o norte-americano.

Ou então,

Sempre achei Habermas um submarxista vulgar; não imaginava, no entanto, que pudesse ser tão ridí­culo.

E por aí vai. Bem, o Reinaldo pode achar o que quiser, pode até mesmo implicar com o fato do cara não gostar de Chicabom, mas está falando de orelha sobre a obra do Habermas. Em primeiro lugar porque interpretou o artigo da Folha numa chave submarxista e viu só isso. Sabem como é “what you get is what you see”. Se tivesse mais contato com a obra do filósofo perceberia a relação entre mercado e estado no contexto de uma sociologia de sistemas (baseada, principalmente, em Luhmann e Parsons), o que por si não implica um avanço estatizante, mas um equilí­brio necessário, mediado pela esfera pública – e aqui, antes que me venham encher o saco, falo do conceito como ele aparece na Teoria da Ação Comunicativa e não na Mudança Estrutural da Esfera Pública (tomar Habermas apenas por esta última seria como formar um juí­zo sobre Dostoiévski exclusivamente a partir de Noites Brancas).

Se fosse mais honesto (se o pathos não fosse o do desprezo) comentaria sobre a idéia de jornalismo implícita no conceito de esfera pública e de como esta esfera, uma ótima invenção liberal, constitui o verdadeiro espaço democrático numa sociedade. Nem Estado nem mercado são democráticos, mas o Estado ainda é mais permeável a uma gestão democrática – por conta, principalmente, do modelo jurídico constitucional – do que o mercado. Por outras palavras, a democracia nasce da vontade – e é preservada por esta vontade, cristalizada no sistema jurí­dico; “ainda há juí­zes em Berlim”, não é isso? – dos homens e não por geração espontânea. No limite, o mecanismo que movimenta a argumentação habermasiana é o da ação comunicativa; e o que ele propõe é uma intervenção para que o tipo de jornalismo comumente praticado na Alemanha, e associado à emergência desta esfera, seja preservado. Seu objetivo é preservar alguma racionalidade argumentativa na mí­dia.

Por outro lado, a caracterí­stia “formativa” do jornalismo não está associada a nenhum caráter pedagógico ou tutelar da comunicação – isso é só estrabismo do Reinaldo -, mas a uma influência construtivista (essencialmente Piaget) incorporada por Habermas em suas bases epistemológicas. O jornalismo, juntamente com uma série de outros elementos, nos ajuda a construir nosso senso de realidade social. É por isso, acredito, que o Reinaldo acha tão importante combater o marxismo vagabundo de boa parte da mí­dia, porque isso implica mudar a maneira como as pessoas interpretam os fatos e, portanto, a maneira como veêm o mundo.

O que marca o comentário do Reinaldo é o repúdio – não a crítica – ao conceito de Comunicação do Habermas. E, claro, à tese de que o Estado, como construto humano, pode ser acionado quando julgamos que algum valor essencial escapa à lógica do mercado. Não que o mercado seja ruim ou malvado (isso Habermas não diz), apenas seu desenvolvimento – na Alemanha – vai na direção da supressão de um tipo de jornalismo que ele acredita ser essencial para a manutenção da esfera pública. Só que Habermas “culpa” o mercado pelo tipo de jornalismo indigente que se vai consolidando, enquanto Reinaldo culpa a esquerda e o marxismo. Contudo, tanto Habermas quanto Reinaldo defendem o mesmo valor fundamental: a democracia, cristalizada numa de suas instituições mais importantes – a esfera pública -, e representada pelo jornalismo argumentativo, cuja maior virtude é “não ter medo de dizer seu nome”.

Por fim, Reinaldo faz referência a um debate entre Habermas e o atual papa Bento XVI e diz que “Habermas parecia um garoto de colégio balbuciando incongruências diante de um mestre”. Ele gosta desta figura. Habermas, esforçando-se ao máximo, não consegue nem mesmo articular um discurso coerente. Diante de Ratzinger, torna-se afásico. Bem, são fogos de artifício. Eis um link para a transcrição da Folha sobre o debate dos dois.

Voltando à citação de Plínio. Não pretendo policiar os assuntos que o Reinaldo escreve em seu blog, ele tem direito aos seus erros e tem também direito de exibi-los para quem os considere acertos. Mas cabe retificar algumas opiniões frágeis ou francamente equivocadas, inspiradas, acima de tudo, pelo desprezo; uma disposição que nada tem a ver com qualquer tipo de virtude intelectual, nem mesmo com a saudável prepotência dos excelentes.

A lucidez de uma vítima

Com marcas de sofrimento estampadas no rosto, voz embargada pelas lágrimas e ainda buscando explicação para a morte da filha, Wilson Caetano de Araújo, disse estar convencido de que não haverá Justiça.

– Se ficar internado, esse menino estará em liberdade no máximo em três anos. E três anos não pagam a vida da minha filha – disse Araújo, para quem é preciso parar de usar a miséria, a falta de estrutura familiar e o problema social como ‘desculpa para matar’.

Minha filha não pode ser morta porque alguém não teve sorte na vida. Se isso fosse desculpa, o mundo acabaria – afirmou.

Araújo não é favorável à redução da idade penal. Para ele, a punição para quem comete este tipo de crime, como assassinato, deve existir em qualquer idade.

– Não concordo com isso. Diminuir para quê. Esse menino tem 13 anos e é ruim. Isso vem de índole – disse.

A décima primeira solução

A revista Veja Rio publicou outro dia (domingo, 20/05/2007) uma reportagem abordando os principais problemas do trânsito do Rio, e sugerindo 10 soluções para melhorar a situação. Me chamou a atenção a ingenuidade das soluções sugeridas, por isso resolvi escrever este texto, propondo uma décima primeira solução, que, tenho certeza, não será implementada a curto prazo, mas pelo menos quem for minimamente inteligente vai ver que tenho razão.

Desde que eu fazia arquitetura venho defendendo que a solução para o tráfego de qualquer cidade grande não é espacial. Todas as metrópoles, mesmo as que têm ótimos metrôs, têm engarrafamentos. Quando você estuda história do urbanismo, descobre que na Roma Antiga já existia esse problema. É um erro achar que engarrafamento é coisa moderna. Tem um documentário (infelizmente não lembro o nome) que mostra que, assim que saiu o primeiro Ford vendido a prazo, as cidades abençoadas por essa grande oportunidade comercial passaram a ter engarrafamento em menos de um mês. As pessoas primeiro acharam que o problema se resolveria com o aumento da largura das ruas. Mas depois viram que isso não resolvia, porque quando você faz uma cidade confortável, mais pessoas passam a morar lá, mais pessoas compram carros, e logo a rua já está estreita de novo. Fazer mais metrôs, mais ruas, mais ônibus não vai resolver o problema. Eu não esqueço de um sujeito boboca que eu conheci uma vez que dizia que para solucionar esse problema as pessoas tinham que aprender a deixar o carro em casa e pegar o metrô. Ora, e por acaso o metrô já não está lotado? Alguém quer pegar o metrô, em São Paulo ou no Rio, nos horários de pico? Os ônibus também já estão lotados. E, mesmo que não estivessem, quem ia querer largar o seu carro para pegar um ônibus?! Ônibus é ruim demais, pelo amor de Deus!

O engraçado é que tem um monte de engenheiro (todos pagos pela prefeitura) trabalhando para resolver o problema, mas eles não conseguem achar a solução. Ela está lá, gritando, debaixo do nariz deles, mas eles não conseguem enxergá-la, primeiro porque são cegos, e depois porque querem ir embora às 18h e folgar aos domingos, como todo mundo.

Uma questão filosófica

Ah, esses moralistas!

Page 9 of 58

Desenvolvido em WordPress & Tema por Anders Norén