blog do escritor yuri vieira e convidados...

Categoria: Política Page 6 of 83

Estranhos Critérios

Na Folha de hoje:

ELIO GASPARI

Em 2008 remunera-se o terrorista de 1968

A vítima, que ficou sem a perna, recebe R$ 571; Diógenes, da turma da bomba, fica com R$ 1.627

D AQUI A OITO dias completam-se 40 anos de um episódio pouco lembrado e injustamente inconcluso. À primeira hora de 20 de março de 1968, o jovem Orlando Lovecchio Filho, de 22 anos, deixou seu carro numa garagem da avenida Paulista e tomou o caminho de casa. Uma explosão arrebentou-lhe a perna esquerda. Pegara a sobra de um atentado contra o consulado americano, praticado por terroristas da Vanguarda Popular Revolucionária. (Nem todos os militantes da VPR podem ser chamados de terroristas, mas quem punha bomba em lugar público, terrorista era.)
Lovecchio teve a perna amputada abaixo do joelho e a carreira de piloto comercial destruída. O atentado foi conduzido por Diógenes Carvalho Oliveira e pelos arquitetos Sérgio Ferro e Rodrigo Lefèvre, além de Dulce Maia e uma pessoa que não foi identificada.
A bomba do consulado americano explodiu oito dias antes do assassinato de Edson Luís de Lima Souto no restaurante do Calabouço, no Rio de Janeiro, e nove meses antes da imposição ao país do Ato Institucional nº 5. Essas referências cronológicas desamparam a teoria segundo a qual o AI-5 provocou o surgimento da esquerda armada. Até onde é possível fazer afirmações desse tipo, pode-se dizer que sem o AI-5 certamente continuaria a haver terrorismo e sem terrorismo certamente teria havido o AI-5.
O caso de Lovecchio tem outra dimensão. Passados 40 anos, ele recebe da Viúva uma pensão especial de R$ 571 mensais. Nada a ver com o Bolsa Ditadura. Para não estimular o gênero coitadinho, é bom registrar que ele reorganizou sua vida, caminha com uma prótese, é corretor e imóveis e mora em Santos com a mãe e um filho.
A vítima da bomba não teve direito ao Bolsa Ditadura, mas o bombista Diógenes teve. No dia 24 de janeiro passado, o governo concedeu-lhe uma aposentadoria de R$ 1.627 mensais, reconhecendo ainda uma dívida de R$ 400 mil de pagamentos atrasados.
Em 1968, com mestrado cubano em explosivos, Diógenes atacou dois quartéis, participou de quatro assaltos, três atentados a bomba e uma execução. Em menos de um ano, esteve na cena de três mortes, entre as quais a do capitão americano Charles Chandler, abatido quando saía de casa. Tudo isso antes do AI-5.
Diógenes foi preso em março de 1969 e um ano depois foi trocado pelo cônsul japonês, seqüestrado em São Paulo. Durante o tempo em que esteve preso, ele foi torturado pelos militares que comandavam a repressão política. Por isso foi uma vítima da ditadura, com direito a ser indenizado pelo que sofreu. Daí a atribuir suas malfeitorias a uma luta pela democracia iria enorme distância. O que ele queria era outra ditadura. Andou por Cuba, Chile, China e Coréia do Norte. Voltou ao Brasil com a anistia e tornou-se o “Diógenes do PT”. Apanhado num contubérnio do grão-petismo gaúcho com o jogo do bicho, deixou o partido em 2002.
Lovecchio, que ficou sem a perna, recebe um terço do que é pago ao cidadão que organizou a explosão que o mutilou. (Um projeto que re- vê o valor de sua pensão, de iniciativa da ex-deputada petista Mariângela Duarte, está adormecido na Câmara.)
Em 1968, antes do AI-5, morreram sete pessoas pela mão do terrorismo de esquerda. Há algo de errado na aritmética das indenizações e na álgebra que faz de Diógenes uma vítima e de Lovecchio um estorvo. Afinal, os terroristas também sonham.

A Guerra de Charlie Wilson

Jogos do Poder

Assisti ontem a “Jogos do Poder”, intitulado originalmente “Charlie Wilson’s War”. O filme de Mike Nichols conta a história real do deputado democrata Charles Wilson e seu papel fundamental no apoio à guerrilha mujaheedin no Afeganistão em sua luta contra a brutal invasão soviética. De forma inédita, Wilson, que era membro do subcomitê no Congresso responsável pelo orçamento da CIA e de outros órgãos de inteligência, conseguiu mobilizar cerca de 300 milhões de dólares convertidos secretamente em armas para os afegãos por meio de uma impensável parceria entre Israel, Egito, Paquistão e Arábia Saudita.

O que torna ainda mais irônico o episódio são os hábitos de Wilson, um admitido farrista e mulherengo, consumidor de cocaína e uísque aos litros. Por suas aventuras, à época de suas articulações pela ajuda ao Afeganistão, ele sofreu um processo de investigação comandado por um promotor chamado Rudolph Giuliani, que acabou não dando em nada porque a única testemunha que afirmava tê-lo visto cheirando, disse que o fato de dera nas Ilhas Caimã, fora da jurisdição da promotoria.

O filme começa com Gust Avrakotos, o agente da CIA – magistralmente interpretado por Philip Seymour Hoffman – responsável pelas operações no Afeganistão tentando contar a Wilson uma história sobre um mestre zen que reflete o ponto de vista do filme e a grande lição sobre a ação americana em outros países, algo fundamental quando um dos temas mais quentes do debate eleitoral americano gira justamente em torno da retirada ou não das tropas do Iraque. Só ao final da história, entretanto, ele a consegue completar. Num pequeno vilarejo, um garoto ganha um cavalo e se rejubila: “que lindo cavalo! Que ótimo!”. Ao que o mestre responde: “Veremos”. Logo, o menino sofre um acidente com o cavalo e machuca severamente a perna, lamentado-se pela desgraça. O mestre zen mais uma vez diz: “veremos.” Uma guerra se instala na região e todas as crianças são recrutadas, menos o menino, pelo problema na perna. O menino fica feliz e o mestre retruca: “veremos”.

Derrotados os soviéticos, enquanto todos comemoravam, Avrakotos era quem dizia: “veremos”. Era hora de apoiar a reconstrução de um Afeganistão arrasado, mas todos os esforços do próprio Wilson foram em vão. Era bem mais fácil conseguir dinheiro para armas. O resultado foi a ascensão dos talibãs ao poder e o resto da história todos conhecemos.

O filme aborda com ironia e visão satírica o enredo verdadeiro de realpolitik. Foi bom apoiar a guerrilha e expulsar os soviéticos? Veremos. Sabe-se lá o que teria acontecido, tivessem eles consolidado seu domínio no Afeganistão? Dali poder-se-ia seguir uma aventura no Iraque, no Irã e sabe-se lá para onde mais. Expulsos os comunistas, pelo outro lado, o caminho nos leva diretamente ao talibã, à Al Qaeda, a Osama Bin Laden e ao 11 de setembro.

Gostei bastante do filme, embora não seja nenhuma obra prima. As interpretações são geniais e os diálogos impagáveis. O melhor, sobretudo, é o final interrogativo: foi bom?

Na América Latina, a vida imita a arte

A Folha de hoje noticia que o exército equatoriano tem um serviço de garotas de programa para “aliviar a barra” dos soldados em operações na selva. Vargas Llosa inspirando a vida.

Até soldados carregaram “lembranças”

DA ENVIADA ANGOSTURA

A cena do bombardeio visitada ontem pela comissão da OEA já era o resultado das intervenções pós-ataque das forças colombianas e equatorianas e ainda das caravanas de jornalistas que passaram pelo local desde 1º de março. Os próprios militares carregavam “lembranças”.
Na quarta-feira, primeiro dia em que a Folha visitou a área, um soldado se esforçava para arrancar um aplique com o rosto de Che Guevara de uma tenda militar. Destroços foram movidos de lugar e a chuva modificava as crateras deixadas pelas bombas. A OEA minimizou as alterações, dizendo que sua vistoria era “política” e não técnica.
O Exército equatoriano fez um esforço para dar à imprensa acesso ao local. A repórter pernoitou em um acampamento militar. Os soldados queriam contar as agruras da selva e seus atenuantes. Um deles é um “serviço de garotas”, gerido pelo Exército, mas pago com desconto no soldo, como em “Pantaleão e as Visitadoras”, de Mario Vargas Llosa.
Ex-responsável pelo serviço, o capitão Pablo Cortéz aceitou o satisfeito o apelido de “Pantaleão equatoriano”. “Católico que sou, vivia xingando as prostitutas. Agora sei que elas têm um trabalho difícil e muito útil”, justificou. As mulheres recrutadas pelo Exército ganham US$ 4 por programa, disse Cortéz, e há as que saem com até US$ 3.000 depois de 15 dias de serviço. “O nosso salário em média é de US$ 600.” (FLÁVIA MARREIRO)

Corrupção e ignorância

Parece um título da Jane Austen. Mas acho que se aplica a este vídeo aqui, o qual só não é mais engraçado porque já conhecia o drama real do coitado do apresentador.

Editando Bíblias

Um dia eu acordei e percebi que estava sem dinheiro. Fiquei chocado, pois isso nunca tinha me acontecido. Papai havia me sustentado na juventude, depois arrumei facilmente um emprego de funcionário público — por que as pessoas acham tão difícil passar em concurso?— e ainda fiz alguns trabalhos para editoras e jornais, como freelancer. Eu nunca tinha passado pela situação constrangedora de receber uma fatura de cartão e não ter como pagar.

Então olhei para o teto e pensei: preciso ter alguma idéia brilhante. Fiquei aguardando alguns minutos em meditação, até que a idéia apareceu, rápida e clara, luminosa e precisa como reflexo de prata.

Peguei o catálogo, procurei pelo número de uma conhecida igreja protestante da região, e marquei uma entrevista com o pastor.

Chegando lá, fui direto ao assunto:

— Olha, senhor pastor, não sei se eu deveria fazer isso, mas é que trabalho numa gráfica e esta semana recebemos um pedido de cinco mil exemplares de Bíblias Católicas. Como sou protestante, fiquei preocupado. Será que eles estão convertendo tanta gente assim? Por que será que precisam de tantas Bíblias?

O pastor agradeceu muito pela conversa e disse que em breve voltaria a falar comigo. Na mesma semana ele me ligou, encomendando duas mil bíblias protestantes. Repassei minha encomenda à gráfica, e adicionei minha comissão ao preço final.

Imediatamente liguei para a paróquia e marquei uma entrevista com o padre. Disse que as igrejas protestantes estavam tendo um crescimento vertiginoso. Mencionei o jornal da Igreja Universal, com tiragem cada vez maior, e a recente encomenda de duas mil bíblias protestantes na minha gráfica. O padre agradeceu meu alerta e disse que ia conversar com o bispo. Tive o cuidado de deixar o meu cartão, e dizer que, como eu era católico, faria de bom grado um desconto de vinte por cento, caso eles viessem a negociar comigo. Na semana seguinte – a administração da Igreja Católica é mais lenta – recebi um telefonema do bispo encomendando o trabalho. Tive o cuidado de exigir um depósito como sinal, pois já tinha ouvido falar que esse pessoal de batina é meio descuidado com finanças.

Assim meu negócio foi crescendo. Mas eu sentia que ainda não era hora de parar. Sentia que podia ir mais longe.

Meu amigo Marcel Bilucas dirigia uma pequena ONG a favor do aborto. Apesar de modesta, a ONG contava com mais de 20 funcionários, que realizavam tarefas de muita importância, como pegar os filhos de Marcel na escola, pagar suas contas, etc. Liguei para ele, e mencionei as encomendas católicas e protestantes, disse que estava havendo um revival do cristianismo, como mostrava o sucesso inesperado do filme do Mel Gibson.

— Se continuar desse jeito, eles logo vão chegar ao poder, e aí adeus ONG’s laicas.

Marcel era um homem inteligente. Percebeu rapidamente o tamanho do problema, e ficou desesperado. Felizmente eu tinha a solução. Minha proposta era lançar uma coletânea de artigos de renomados ateus, denunciando toda a falsidade e charlatanismo das religiões. Esses “renomados ateus”, graças a Deus, estavam todos mortos e não nos cobrariam os direitos autorais. Eu, como ateu militante, e sócio de uma nova gráfica, cobraria apenas os custos da edição. Alguns livros seriam vendidos, outros distribuídos em escolas públicas, trabalho mais do que justo, já que era necessário prevenir as crianças contra a ilusão entorpecente da justiça divina.

Marcel ficou comovido com minha atitude, e disse que não era justo eu lhe cobrar apenas os custos. Ele levantaria dinheiro público e pagaria a gráfica e meus honorários com o maior prazer.

O livro “Deus — Uma ameaça” foi um sucesso, e muitos artistas compareceram à festa de lançamento (também patrocinada com dinheiro do estado). Marcel ficou contente com minha atuação e combinamos que reuniríamos artigos de gente famosa da mídia para mais uma coletânea no ano seguinte. Disse que esse trabalho tinha de ser pelo menos anual, não podíamos deixar a idéia morrer no número um. Fiquei contente, apenas lamentei que os autores que ele mencionou – intelectuais e jornalistas – estavam vivos e teríamos de lhes pagar os direitos autorais. Mas Marcel tinha conexões na política e talvez conseguisse mais dinheiro do estado.

Tirei umas férias em Cabo Frio e foi lá que descobri Henrique Shuzman, um cabalista do maior calibre, ainda desconhecido do grande público por mera falta de oportunidade. Falei-lhe da importância de divulgar a religião judaica em nível mais abrangente. Se o cristianismo voltasse a crescer – mencionei o filme de Mel Gibson – quem poderia garantir que os judeus não perderiam direitos nos estados cristãos? Henrique era um homem inteligente, compreendia a importância da guerra cultural. Em pouco tempo me mandou seus manuscritos, os quais eu mesmo revisei e mandei editar. O faturamento da editora já me permitia pagar o bufê da festa de lançamento.

Nesse meio tempo larguei o emprego de funcionário público. Pode parecer loucura, mas minha presença na editora rendia mais dinheiro. Procurei me aproximar de diversas entidades religiosas, mostrando a importância da guerra cultural para expandir os horizontes da religião e atrair mais fiéis. O pessoal da comunidade muçulmana encomendou uma edição luxuosa do Corão. Fiquei tão emocionado que quase me converti, mas lembrei que isso me deixaria em dificuldades com meu amigo Belucas e aí, adeus dinheiro do estado. Também tive relações estreitas com o pessoal da Ubanda, e fiquei surpreso com sua consciência da importância de difundir os valores e símbolos da cultura negra.

E foi basicamente assim que consegui dinheiro para pagar várias faturas de cartão de crédito. Um dia notei uma coisa interessante. As mesquitas muçulmanas da minha cidade ficavam próximas a uma igreja protestante. Tive uma idéia um pouco macabra, e tentei evitá-la. Mas um dia as faturas voltaram a me incomodar e tive de colocar a maldita idéia em prática. Liguei para os protestantes e falei:

— Olha, isso pode parecer estranho, mas os muçulmanos estão se armando. Tenho uma importadora de armas, e eles encomendaram 60 peças de mão esta semana. Estou avisando porque sou protestante e detestaria ver a nossa igreja em dificuldades…

Na mesma semana eles me ligaram de volta.

Ah, Deus sabe o quanto eu amo a diversidade religiosa.

Ibama investe em recuperação de área devastada

Não sei porque todo esse mafuá em relação aos gastos do Ibama via Siafi. Eu acho normal. Vejam a matéria abaixo, direto do Popular

Depois dos cartões corporativos, agora é o Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi) que pode estar sendo utilizado para gastos irregulares de recursos públicos. O POPULAR apurou que a Superintendência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) de Goiás gastou pelo menos R$ 23,39 mil com serviços de uma clínica de estética entre 2005 e 2007. O próprio Ibama e o Ministério Público Federal (MPF), que já estão investigando o suposto desvio, acreditam que o rombo pode ser ainda maior.

Os pagamentos, segundo as investigações, seriam efetuados de forma irregular pelo Siafi, camuflados juntamente com outras transferências de valores referentes a despesas regulares do órgão, como pagamento de conta telefônica. O Ibama teria detectado a suposta irregularidade no último dia 15, após ser questionado por um jornal carioca sobre despesas com a empresa Angela Karina Centro de Estética Ltda. As informações estavam no Portal da Transparência, que publica os gastos do governo federal.

Segundo a prestação de contas do instituto, em 2005 foram gastos R$ 3.837,42 com o centro de estética. Em 2006 foram R$ 9.523,87 e em 2007, R$ 10.038,64. A discriminação dos supostos serviços prestados pela empresa, segundo publicado no Portal da Transparência, indicam gastos com “locação de mão-de-obra”, “material de consumo” e “outros serviços”. A clínica, que fica no Setor Marista, segundo funcionários, oferece tratamentos estéticos como limpeza de pele, maquiagem definitiva, peeling, hidratação, drenagem linfática e banho de lua.

Ora, toda área devastada merece investimento para sua recuperação.

Café preto no Ministério

Talvez seja apenas um preciosismo de gente chata, mas não consigo deixar de me perguntar o porquê de o ministro da Igualdade Racial ter de ser sempre um negro. Um amigo de São Paulo me disse que conheceu um ótimo advogado, formado no Brasil, mas nascido no Irã. Aposto que há menos persas no Brasil que negros. Não poderiam convidar esse advogado para ministro da Igualdade Racial? Há ainda muitos coreanos, chineses, japoneses. (Um amigo meu, coreano, é capaz de afundar o nariz de quem quer que afirme serem esses três povos membros da mesma raça.) E nem falamos dos judeus… Ei! Espere aí! E os índios? O ministro não poderia ser um índio? Nada mais natural. Claro, isso poderia iniciar uma briga entre diferentes etnias indígenas, cada qual apresentando o seu candidato, mas seria um primeiro passo. Ou será que só a raça negra precisa ser… igualada? Eu tive uma tataravó negra que, digamos, “igualou” com meu tataravô italiano. Depois de várias igualadas mais — com portugueses, índios, cristãos novos (judeus) — surgi eu. Isso é que é igualar? Se é, não precisamos de ministérios, mas de casamenteiros. Acho que Gilberto Freyre concordaria.

Não me lembro quem me contou o causo a seguir. O sujeito estava viajando de Brasília para Goiânia e, no meio do caminho, sonolento que estava, decidiu parar e tomar um café. Entrou numa dessas lanchonetes de posto de gasolina e pediu:

“Por favor, me vê um café preto?”

O atendente fez um muxoxo, pegou uma xícara e foi à máquina. Voltou com o café fumegante.

“Tá aqui. Mas, olha, não precisa falar comigo desse jeito. Eu sou preto mas sou limpinho.”

O freguês arregalou os olhos, sem saber o que dizer. Na terra dele — Minas? Paraná? — era costume dizer “café preto”, talvez uma redundância perceptível apenas em outras regiões. Mas, poxa vida, ao fazer seu pedido, ele não fez nenhuma pausa entre o café e o preto. Como o atendente podia pensar que ele era capaz de se dirigir a alguém daquela forma? Ficou tão constrangido que achou melhor não tentar esclarecer nada, a emenda poderia sair pior que o soneto. Bebeu tudo num gole, pagou, saiu de fininho. Percebeu que outros fregueses, chegados apenas momentos antes da fala do atendente, o olharam cheios de censura, quase com rancor. Nunca mais pisou ali…

Eu jamais seria hipócrita a ponto de afirmar que não há racismo no Brasil. Ou em qualquer outro lugar. As diferenças raciais, em seus aspectos físicos (o fenótipo), são evidentes, por mais que venham nos dizer que os genes (o genótipo) são praticamentes iguais. Creio que haja outras diferenças, em termos de temperamento, por exemplo, bastante marcantes e que seria horrível se eliminadas. A variedade é sempre bem-vinda. Assim, a intenção de igualar só pode ser justificada no tocante aos direitos. Mas, para tanto, não basta que a Justiça seja… justa? E este não é o trabalho do Ministério da Justiça? Qual é então a função desse ministério da Igualdade Racial? Vigiar os tribunais de justiça? Policiar a polícia? Enquadrar cidadãos racistas?

Meus pais tiveram, anos atrás, uma diarista negra. Talvez ela tivesse tido mais sucesso como humorista do que como empregada doméstica, mas, enfim, foi contratada não para fazê-los rir e sim para arrumar a casa. No entanto, ela não deixava de contar casos hilariantes do Tocantins, seu estado de origem. Seu personagem cômico preferencial: o índio. Contava ela que nunca, em seus vinte e um anos de vida, nunca vira um índio a andar solitário pelas ruas ou pela estrada.

“Os índios vivem em cardume”, dizia.

“Um dia, eu viajava pra Porto Nacional com meu tio, numa D-20, e então, mais adiante, à beira da estrada, vimos um índio pedindo carona. ‘Vou parar’, disse meu tio, que então perguntou ao índio aonde ele pretendia ir. Esse respondeu que até Porto Nacional. ‘Pode subir’, murmurou meu tio, orgulhoso de sua boa vontade. O índio então virou-se para trás e gritou ‘Ouuuuuhhhh!!’, deixando-nos assustados. Era um ponto da estrada em que, de ambos os lados, havia barrancos, já que aquele trecho havia sido aterrado para evitar as cheias do riacho próximo. Assim que o índio gritou, surgiram dos dois lados da pista cerca de vinte outros índios que, sem a menor cerimônia, foram subindo na carroceria da caminhonete, que chegou a empinar a dianteira com todo aquele peso. ‘Mas que filho da mãe!’, sussurrou meu tio, puto da vida. ‘Por que ele não disse que estava acompanhado pela tribo inteira? Que safado!’ E assim seguimos até Porto, onde o cardume saltou sem dizer um ai sequer de agradecimento.”

E ela tinha outras histórias.

“Uma vez, eu tava na casa da minha mãe, conversando com ela e com uma vizinha, quando alguém então bateu palmas na porta de casa. Fui olhar: era um índio. Estava só e queria saber se podia pegar algumas mangas no quintal de casa. Mamãe adorava fazer doces e, por isso, tinha ali um pomar bem variado, embora naquela ocasião apenas a mangueira estivesse carregada de frutos. Minha mãe foi à porta, achou-o simpático, disse-lhe que poderia se servir de quantas quisesse, voltando em seguida para dentro de casa, onde, pois, continuamos a conversa. De repente, ouvimos uma algazarra tão grande, que parecia haver uma parada na rua. Ao olhar pela janela, vimos cinco índios trepados na mangueira, enquanto outros doze colhiam as frutas que os primeiros jogavam para baixo. Eram tantos e tão animados, que não sabíamos se ficávamos com medo ou com raiva deles. Desta vez, o índio que pediu autorização veio nos agradecer, mas fingiu que não entendeu quando mamãe reclamou por ele não ter avisado que eram tão numerosos. Foram embora com sacos e sacos de mangas. Quando chegamos ao pé, não havia restado um fruto sequer. Lá em casa, ninguém confia em índio…”

Eu pergunto: há racismo nessa última afirmação? Se há, o ministério da Igualdade Racial se pronunciaria a respeito? Ou o verdadeiro nome do ministério é Ministério da Raça Negra? (Lembre-se: essa diarista era negra.) Eu realmente não entendo essa ausência de rodízio racial na direção do dito cujo. Não apenas o novo ministro também é negro como os candidatos preteridos também o eram. Eu pensaria duas vezes se, caso fosse funcionário ali, decidisse seguir as tradições do soporífero serviço público e fosse até a cozinha pedir um café preto

Tropa de Elite vence em Berlim

Pronto, agora já posso me aposentar enquanto advogado de defesa (de boteco) do filme Tropa de Elite: esse filmaço acaba de receber o Urso de Ouro em Berlim, de um juri presidido pelo Costa-Gavras. (Hehehehehe!!) Qualquer hora irei descrever a hilariante discussão que tive, durante um festival de cinema em 2007, com o curador de um festival carioca, um desses ranzinzas anti-Tropa de Elite. (Discussão essa que, desconfio, acabou afastando a até então, segundo me disseram, a até então “garantida” participação do meu curta no festival dele. Sim, meu curta, no qual o protagonista reclama dos filmes que “só fazem a gente achar bandido gente boa, saca?”)

E neguinho ainda estava impressionado com a crítica boba da Variety! O otário do jornalista estava tão ideologicamente azedo que, com seu senso estético politicamente ofuscado, chegou a detonar a ótima fotografia e a excelente câmera do Lula Carvalho. Incrível.

Conforme discutíamos eu e o Pedro no Google Groups do Garganta, onde temos escrito muito mais do que no próprio blog:

Eu: “neguinho ideologizado só vê ideologia no comportamento e na opinião alheia. lembra do que conversamos no Mercado, durante o show de jazz? o Bope tortura e mata de fato. puxar a sardinha pro Bope teria sido não mostrar que fazem isso. mas o filme mostra, logo, não há heróis de verdade no filme, apenas gente perdida em diferentes níveis. o problema da crítica esquerdista, no fundo, é a narração em off que gera empatia pelo Capitão Nascimento. se essa empatia é colocada pelo público acima da razão — essa razão que nos diz que torturar e executar sumariamente é um mal — isso não é culpa do Padilha. é culpa, sim, dos próprios revolucionários, uma vez que sempre acusaram a consciência moral de mera frescura “burguesa”. foram eles que relativizaram a questão moral, difundindo em seguida, no ambiente cultural, tal ponto de vista. ou seja: para eles, vale executar e torturar pela causa esquerdista, não pelos princípios e valores tradicionais, quais sejam, no caso, a ordem e a família. e não percebem que torturar e executar sumariamente é errado em qualquer das situações. do contrário, por que não falam sobre as arbitrariedades cubanas, chinesas, coreanas? apenas a tortura de direita é do mal? o filme é muito bom. tomar no culo esses caras. ”

E o Pedro
: “É o que falamos aquele dia tb, Yuri. No fundo acho que as pessoas se borram de pavor ao depararem consigo mesmas, all of a sudden, sentindo empatia pelo Capitão Nascimento. Como posso empatizar com um torturador? Logo, ele é humano, logo eu tb poderia ser um torturador. Resultado, pavor. Conclusão, melhor negar.”

Os cartões do Füher de Brasília

Este vídeo, que flagra Lula recebendo as notícias sobre o escândalo dos cartões corporativos, está tão engraçado quanto aquele sobre o Xbox

A porta estreita

É realmente estreita. Já dizia André Gide, num romance homônimo que tomei emprestado da Rosa há muito tempo. A expressão, na verdade, é do evangelho de Mateus (“Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta e espaçoso o caminho que leva à perdição”). Significa o que você acha que significa: é difícil seguir pelo caminho correto, porque é cheio de sacrifícios.

Obviamente tinha a ver com a época – “naquele tempo” os cristão eram perseguidos, torturados, queimados ou devorados vivos por leões, além, é claro, da crucificação que dispensa comentários. Então escolher o cristianismo era quase sempre escolher a dor e o sacrifício. Mais fácil seria contemporizar com o poder.

Atualmente a expressão tem outro significado. Ainda significa que há um custo existencial muito pesado em ser cristão (em qualquer denominação). Nada exemplifica melhor isso do que um post do Tio Rei sobre a morte do terrorista Imad Mughniyeh. Justificando sua felicidade com a morte do assassino, diz Tio Rei

O que fazer diante desse delírio? Entregar-se em holocausto? Ficar esperando o próximo ataque dos Imads? Oferecer a outra face? A nossa face ou a face da imensa massa de inocentes mundo afora? Olhem aqui: não preciso recorrer a Deuteronômios para endossar o ato. Apelo ao direito à autodefesa. Temos de fazer, nesse caso, como Nasser fez no Egito, em 1966, com Sayyd Qutb, então principal ideólogo da terrorsita Irmandade Muçulmana: forca. Anuar Sadat, lembram-se dele?, resolveu relaxar o cerco à turma. Foi assassinado. A morte de qualquer homem nos diminui. A de um terrorista nos eleva e consola. E nada nos impede de rezar por sua alma.

Pois é. Em outro lugar ele diz coisas como “dá pra matar, de modo cristão (afinal, aquele livro do Velho Testamento é acatado pelos católicos), apelando à letra do texto bíblico”. Obviamente, ele não poderia citar o Novo Testamento.

Tio Rei faz parte de um grupo de católicos associados a um tipo ideal (Weber) de religioso exemplificado pelo personagem de Robert De Niro no filme A Missão – o outro tipo, também ideal, é o personagem de Jeremy Irons. Se vocês se lembram do filme, enquanto uma expedição espanhola se preparava para dizimar a tribo indígena na qual estão os dois religiosos, cada um assume uma postura diferente diante do destino. Enquanto o personagem de Irons organiza um procissão, De Niro organiza uma defesa: arma os índios e prepara armadilhas. Representam duas formas de catolicismo, igualmente presentes no livro (e filme) A Última Tentação de Cristo: a cruz e o machado. Já sabemos a opção de Cristo.

O problema com a postura do Tio Rei é apenas um: sob determinadas condições, a vida deixa de ser um valor. Simples assim. Quais as condições? Autodefesa (dele? como assim?). E quando nossas vidas estão em perigo? Quem é o juíz disso? Quem, no mundo humano, está em condições de julgar a vida de um indivíduo? Difícil.

Eu sei que nem preciso dizer, mas direi assim mesmo: se alguém quiser me matar, vai encontrar resistência. Pelo simples motivo de que quero continuar vivo. Se precisar matar quem me ameaça, eu o farei. E não irei para o inferno por isso. Logo, eu não tenho problema com a morte de um terrorista. Poderia justificar a pena de morte pelo mesmo argumento? Sim, mas não justifico, porque o problema da pena de morte é assumir que uma entidade abstrata e não humana, o Estado, tenha condições de julgar sobre a vida ou a morte de alguém.

Mas um cristão tem um problema um pouco maior do que o meu. Vejam, Moisés foi punido por matar um egípcio. Porra, Moisés era o cara que conversava com Deus – ele não falava com mais ninguém! Será que ele não se arrependeu? Provavelmente, mesmo assim o Deus-Pai (e não o Deus-Trino) do antigo testamento não permitiu-lhe entrar na terra prometida. Pedro foi admoestado por Jesus por cortar a orelha de um centurião romano. Uma pletora de Santos poderia ter resistido e lutado contra seus algozes, mas morreram como mártirs. Os exemplos abundam.

O que o Reinaldo está fazendo é perigoso para um católico. Lembrou-me aqueles monges com crucifixos em riste para que os hereges pudessem beijá-los enquanto ardiam nas fogueiras. Joana D´arc talvez seja o melhor exemplo de todos. Queimada viva e depois canonizada. É coisa da teologia medieval, dos milles Christi. Do que estou falando? Da relação entre uma ação e as conseqüências morais que daí derivam. Desconfio que o critério do Tio Rei é por demais utilitarista. Afinal, quantas pessoas não saíram lucrando com a morte do terrorista? Mas o princípio moral cristão não é utilitarista. Ele não pergunta quem sai ganhando com isso. Se o fizesse, justificaria todas as mortes em nome do bem comum. Justificaria também as mortes do Estado em nome do bem coletivo. Em certo sentido, não há nenhuma diferença entre Stálin e Tio Rei neste particular – apenas, é óbvio, uma diferença de intensidade. A justificativa para a morte é a mesma: o bem dos outros. Ou Tio Rei teme um atentado terrorista islâmico na porta da casa dele?

A porta estreita a que me referia é o fato de que, para um cristão, é melhor dar a vida do que tirá-la de alguém. O cristão confia em Deus, um princípio metafísico que vigora no mundo. E sua confiança é tamanha que ele é capaz de apostar sua vida nisso. O fato de que precisamos matar para nos defender diz apenas que nossa fé na intervenção divina é menor do que deveria. Um cristão não está indefeso diante de um terrorista, ele está com Deus e não há proteção maior. É uma loucura pensar assim? Se for, meu amigo, então é cada um por si, porque a “bala perdida” está mesmo perdida. É tudo randômico e nós temos que cuidar de nós mesmos. Se não é assim, então eu posso me tranqüilizar e continuar vivendo minha vida normalmente, porque Deus está comigo.

Talvez ele não tenha pensado bastante sobre isso, mas não creio que seja o caso. Ele já defendia postura igual na época da revista Primeira Leitura. Também não dá para imaginar que ele não tenha entendido direito o catolicismo, ele corrige até tradução de texto do Papa. Quando eu disse, noutro lugar, que havia uma “luxúria de morte” incrustrada na teologia cristã, era a isso que eu me referia.

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