O Garganta de Fogo

blog do escritor yuri vieira e convidados...

Café preto no Ministério

Talvez seja apenas um preciosismo de gente chata, mas não consigo deixar de me perguntar o porquê de o ministro da Igualdade Racial ter de ser sempre um negro. Um amigo de São Paulo me disse que conheceu um ótimo advogado, formado no Brasil, mas nascido no Irã. Aposto que há menos persas no Brasil que negros. Não poderiam convidar esse advogado para ministro da Igualdade Racial? Há ainda muitos coreanos, chineses, japoneses. (Um amigo meu, coreano, é capaz de afundar o nariz de quem quer que afirme serem esses três povos membros da mesma raça.) E nem falamos dos judeus… Ei! Espere aí! E os índios? O ministro não poderia ser um índio? Nada mais natural. Claro, isso poderia iniciar uma briga entre diferentes etnias indígenas, cada qual apresentando o seu candidato, mas seria um primeiro passo. Ou será que só a raça negra precisa ser… igualada? Eu tive uma tataravó negra que, digamos, “igualou” com meu tataravô italiano. Depois de várias igualadas mais — com portugueses, índios, cristãos novos (judeus) — surgi eu. Isso é que é igualar? Se é, não precisamos de ministérios, mas de casamenteiros. Acho que Gilberto Freyre concordaria.

Não me lembro quem me contou o causo a seguir. O sujeito estava viajando de Brasília para Goiânia e, no meio do caminho, sonolento que estava, decidiu parar e tomar um café. Entrou numa dessas lanchonetes de posto de gasolina e pediu:

“Por favor, me vê um café preto?”

O atendente fez um muxoxo, pegou uma xícara e foi à máquina. Voltou com o café fumegante.

“Tá aqui. Mas, olha, não precisa falar comigo desse jeito. Eu sou preto mas sou limpinho.”

O freguês arregalou os olhos, sem saber o que dizer. Na terra dele — Minas? Paraná? — era costume dizer “café preto”, talvez uma redundância perceptível apenas em outras regiões. Mas, poxa vida, ao fazer seu pedido, ele não fez nenhuma pausa entre o café e o preto. Como o atendente podia pensar que ele era capaz de se dirigir a alguém daquela forma? Ficou tão constrangido que achou melhor não tentar esclarecer nada, a emenda poderia sair pior que o soneto. Bebeu tudo num gole, pagou, saiu de fininho. Percebeu que outros fregueses, chegados apenas momentos antes da fala do atendente, o olharam cheios de censura, quase com rancor. Nunca mais pisou ali…

Eu jamais seria hipócrita a ponto de afirmar que não há racismo no Brasil. Ou em qualquer outro lugar. As diferenças raciais, em seus aspectos físicos (o fenótipo), são evidentes, por mais que venham nos dizer que os genes (o genótipo) são praticamentes iguais. Creio que haja outras diferenças, em termos de temperamento, por exemplo, bastante marcantes e que seria horrível se eliminadas. A variedade é sempre bem-vinda. Assim, a intenção de igualar só pode ser justificada no tocante aos direitos. Mas, para tanto, não basta que a Justiça seja… justa? E este não é o trabalho do Ministério da Justiça? Qual é então a função desse ministério da Igualdade Racial? Vigiar os tribunais de justiça? Policiar a polícia? Enquadrar cidadãos racistas?

Meus pais tiveram, anos atrás, uma diarista negra. Talvez ela tivesse tido mais sucesso como humorista do que como empregada doméstica, mas, enfim, foi contratada não para fazê-los rir e sim para arrumar a casa. No entanto, ela não deixava de contar casos hilariantes do Tocantins, seu estado de origem. Seu personagem cômico preferencial: o índio. Contava ela que nunca, em seus vinte e um anos de vida, nunca vira um índio a andar solitário pelas ruas ou pela estrada.

“Os índios vivem em cardume”, dizia.

“Um dia, eu viajava pra Porto Nacional com meu tio, numa D-20, e então, mais adiante, à beira da estrada, vimos um índio pedindo carona. ‘Vou parar’, disse meu tio, que então perguntou ao índio aonde ele pretendia ir. Esse respondeu que até Porto Nacional. ‘Pode subir’, murmurou meu tio, orgulhoso de sua boa vontade. O índio então virou-se para trás e gritou ‘Ouuuuuhhhh!!’, deixando-nos assustados. Era um ponto da estrada em que, de ambos os lados, havia barrancos, já que aquele trecho havia sido aterrado para evitar as cheias do riacho próximo. Assim que o índio gritou, surgiram dos dois lados da pista cerca de vinte outros índios que, sem a menor cerimônia, foram subindo na carroceria da caminhonete, que chegou a empinar a dianteira com todo aquele peso. ‘Mas que filho da mãe!’, sussurrou meu tio, puto da vida. ‘Por que ele não disse que estava acompanhado pela tribo inteira? Que safado!’ E assim seguimos até Porto, onde o cardume saltou sem dizer um ai sequer de agradecimento.”

E ela tinha outras histórias.

“Uma vez, eu tava na casa da minha mãe, conversando com ela e com uma vizinha, quando alguém então bateu palmas na porta de casa. Fui olhar: era um índio. Estava só e queria saber se podia pegar algumas mangas no quintal de casa. Mamãe adorava fazer doces e, por isso, tinha ali um pomar bem variado, embora naquela ocasião apenas a mangueira estivesse carregada de frutos. Minha mãe foi à porta, achou-o simpático, disse-lhe que poderia se servir de quantas quisesse, voltando em seguida para dentro de casa, onde, pois, continuamos a conversa. De repente, ouvimos uma algazarra tão grande, que parecia haver uma parada na rua. Ao olhar pela janela, vimos cinco índios trepados na mangueira, enquanto outros doze colhiam as frutas que os primeiros jogavam para baixo. Eram tantos e tão animados, que não sabíamos se ficávamos com medo ou com raiva deles. Desta vez, o índio que pediu autorização veio nos agradecer, mas fingiu que não entendeu quando mamãe reclamou por ele não ter avisado que eram tão numerosos. Foram embora com sacos e sacos de mangas. Quando chegamos ao pé, não havia restado um fruto sequer. Lá em casa, ninguém confia em índio…”

Eu pergunto: há racismo nessa última afirmação? Se há, o ministério da Igualdade Racial se pronunciaria a respeito? Ou o verdadeiro nome do ministério é Ministério da Raça Negra? (Lembre-se: essa diarista era negra.) Eu realmente não entendo essa ausência de rodízio racial na direção do dito cujo. Não apenas o novo ministro também é negro como os candidatos preteridos também o eram. Eu pensaria duas vezes se, caso fosse funcionário ali, decidisse seguir as tradições do soporífero serviço público e fosse até a cozinha pedir um café preto

Namaste — 2

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Cerimonia que antecede cremacao em templo hinduista de Kathmandu, Nepal

“Eu sabia que Ele existia”

Da obra “O Homem perante o Infinito”, de Mário Ferreira dos Santos:

Reproduzimos a seguir as palavras de Grouard, citadas por Foulquié, expressivas e de grandes sugestões. Pertencem ao livro Souvenirs de mes soixant ans d’apostolat:

“Um índio de Mackensie disse-me um dia:

— Padre, antes de te ter visto, eu sabia que Deus existe.

— Como o sabias? Creio que fui o primeiro a te falar de Deus.

— Na verdade — retrucou — antes de ti, ninguém me havia falado nEle, e contudo eu sabia que há um Deus.

Um dia, quando tinha catorze ou quinze anos, fui à caça com o meu arco e minhas flechas. Conhecia os bosques, os rios, os lagos por onde havia passado, buscando matar alguma caça. Nesse dia, no verão, cheguei à borda de um lago cercado de belas árvores. Patos desciam sobre a água, o sol brilhava no céu sem nuvens; lá longe, montanhas elevavam-se, em variadas alturas. Detendo-me, contemplei tudo isso com um imenso prazer. Subitamente, a idéia me veio: “Quem fez tudo isso? Não fomos nós, nem tampouco os ingleses, pois são homens semelhantes a nós. É preciso que haja alguém mais forte que todos os homens que tenha feito tudo isso”. Vês — acrescentou o índio — eu sabia que essas florestas, esses lagos, esse sol, não haviam sido feitos por si sós. Eu não podia explicar-me mais corretamente. Mas, quando tu nos ensinaste: “Creio em Deus, pai todo-poderoso, Criador do céu e da terra”, eu compreendi logo e disse a mim mesmo: “Ei-Lo; eu sabia que Ele existia”.

O Homem perante o Infinito (Teologia), Mário Ferreira dos Santos — Editora Logos: São Paulo, 1963.

Metrô — 7

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Estação Sumaré, São Paulo

Tropa de Elite vence em Berlim

Pronto, agora já posso me aposentar enquanto advogado de defesa (de boteco) do filme Tropa de Elite: esse filmaço acaba de receber o Urso de Ouro em Berlim, de um juri presidido pelo Costa-Gavras. (Hehehehehe!!) Qualquer hora irei descrever a hilariante discussão que tive, durante um festival de cinema em 2007, com o curador de um festival carioca, um desses ranzinzas anti-Tropa de Elite. (Discussão essa que, desconfio, acabou afastando a até então, segundo me disseram, a até então “garantida” participação do meu curta no festival dele. Sim, meu curta, no qual o protagonista reclama dos filmes que “só fazem a gente achar bandido gente boa, saca?”)

E neguinho ainda estava impressionado com a crítica boba da Variety! O otário do jornalista estava tão ideologicamente azedo que, com seu senso estético politicamente ofuscado, chegou a detonar a ótima fotografia e a excelente câmera do Lula Carvalho. Incrível.

Conforme discutíamos eu e o Pedro no Google Groups do Garganta, onde temos escrito muito mais do que no próprio blog:

Eu: “neguinho ideologizado só vê ideologia no comportamento e na opinião alheia. lembra do que conversamos no Mercado, durante o show de jazz? o Bope tortura e mata de fato. puxar a sardinha pro Bope teria sido não mostrar que fazem isso. mas o filme mostra, logo, não há heróis de verdade no filme, apenas gente perdida em diferentes níveis. o problema da crítica esquerdista, no fundo, é a narração em off que gera empatia pelo Capitão Nascimento. se essa empatia é colocada pelo público acima da razão — essa razão que nos diz que torturar e executar sumariamente é um mal — isso não é culpa do Padilha. é culpa, sim, dos próprios revolucionários, uma vez que sempre acusaram a consciência moral de mera frescura “burguesa”. foram eles que relativizaram a questão moral, difundindo em seguida, no ambiente cultural, tal ponto de vista. ou seja: para eles, vale executar e torturar pela causa esquerdista, não pelos princípios e valores tradicionais, quais sejam, no caso, a ordem e a família. e não percebem que torturar e executar sumariamente é errado em qualquer das situações. do contrário, por que não falam sobre as arbitrariedades cubanas, chinesas, coreanas? apenas a tortura de direita é do mal? o filme é muito bom. tomar no culo esses caras. ”

E o Pedro
: “É o que falamos aquele dia tb, Yuri. No fundo acho que as pessoas se borram de pavor ao depararem consigo mesmas, all of a sudden, sentindo empatia pelo Capitão Nascimento. Como posso empatizar com um torturador? Logo, ele é humano, logo eu tb poderia ser um torturador. Resultado, pavor. Conclusão, melhor negar.”

Os cartões do Füher de Brasília

Este vídeo, que flagra Lula recebendo as notícias sobre o escândalo dos cartões corporativos, está tão engraçado quanto aquele sobre o Xbox

Namaste

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Muculmano ora em Jama Masjid, a maior mesquita da India, em Delhi

A porta estreita

É realmente estreita. Já dizia André Gide, num romance homônimo que tomei emprestado da Rosa há muito tempo. A expressão, na verdade, é do evangelho de Mateus (“Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta e espaçoso o caminho que leva à perdição”). Significa o que você acha que significa: é difícil seguir pelo caminho correto, porque é cheio de sacrifícios.

Obviamente tinha a ver com a época – “naquele tempo” os cristão eram perseguidos, torturados, queimados ou devorados vivos por leões, além, é claro, da crucificação que dispensa comentários. Então escolher o cristianismo era quase sempre escolher a dor e o sacrifício. Mais fácil seria contemporizar com o poder.

Atualmente a expressão tem outro significado. Ainda significa que há um custo existencial muito pesado em ser cristão (em qualquer denominação). Nada exemplifica melhor isso do que um post do Tio Rei sobre a morte do terrorista Imad Mughniyeh. Justificando sua felicidade com a morte do assassino, diz Tio Rei

O que fazer diante desse delírio? Entregar-se em holocausto? Ficar esperando o próximo ataque dos Imads? Oferecer a outra face? A nossa face ou a face da imensa massa de inocentes mundo afora? Olhem aqui: não preciso recorrer a Deuteronômios para endossar o ato. Apelo ao direito à autodefesa. Temos de fazer, nesse caso, como Nasser fez no Egito, em 1966, com Sayyd Qutb, então principal ideólogo da terrorsita Irmandade Muçulmana: forca. Anuar Sadat, lembram-se dele?, resolveu relaxar o cerco à turma. Foi assassinado. A morte de qualquer homem nos diminui. A de um terrorista nos eleva e consola. E nada nos impede de rezar por sua alma.

Pois é. Em outro lugar ele diz coisas como “dá pra matar, de modo cristão (afinal, aquele livro do Velho Testamento é acatado pelos católicos), apelando à letra do texto bíblico”. Obviamente, ele não poderia citar o Novo Testamento.

Tio Rei faz parte de um grupo de católicos associados a um tipo ideal (Weber) de religioso exemplificado pelo personagem de Robert De Niro no filme A Missão – o outro tipo, também ideal, é o personagem de Jeremy Irons. Se vocês se lembram do filme, enquanto uma expedição espanhola se preparava para dizimar a tribo indígena na qual estão os dois religiosos, cada um assume uma postura diferente diante do destino. Enquanto o personagem de Irons organiza um procissão, De Niro organiza uma defesa: arma os índios e prepara armadilhas. Representam duas formas de catolicismo, igualmente presentes no livro (e filme) A Última Tentação de Cristo: a cruz e o machado. Já sabemos a opção de Cristo.

O problema com a postura do Tio Rei é apenas um: sob determinadas condições, a vida deixa de ser um valor. Simples assim. Quais as condições? Autodefesa (dele? como assim?). E quando nossas vidas estão em perigo? Quem é o juíz disso? Quem, no mundo humano, está em condições de julgar a vida de um indivíduo? Difícil.

Eu sei que nem preciso dizer, mas direi assim mesmo: se alguém quiser me matar, vai encontrar resistência. Pelo simples motivo de que quero continuar vivo. Se precisar matar quem me ameaça, eu o farei. E não irei para o inferno por isso. Logo, eu não tenho problema com a morte de um terrorista. Poderia justificar a pena de morte pelo mesmo argumento? Sim, mas não justifico, porque o problema da pena de morte é assumir que uma entidade abstrata e não humana, o Estado, tenha condições de julgar sobre a vida ou a morte de alguém.

Mas um cristão tem um problema um pouco maior do que o meu. Vejam, Moisés foi punido por matar um egípcio. Porra, Moisés era o cara que conversava com Deus – ele não falava com mais ninguém! Será que ele não se arrependeu? Provavelmente, mesmo assim o Deus-Pai (e não o Deus-Trino) do antigo testamento não permitiu-lhe entrar na terra prometida. Pedro foi admoestado por Jesus por cortar a orelha de um centurião romano. Uma pletora de Santos poderia ter resistido e lutado contra seus algozes, mas morreram como mártirs. Os exemplos abundam.

O que o Reinaldo está fazendo é perigoso para um católico. Lembrou-me aqueles monges com crucifixos em riste para que os hereges pudessem beijá-los enquanto ardiam nas fogueiras. Joana D´arc talvez seja o melhor exemplo de todos. Queimada viva e depois canonizada. É coisa da teologia medieval, dos milles Christi. Do que estou falando? Da relação entre uma ação e as conseqüências morais que daí derivam. Desconfio que o critério do Tio Rei é por demais utilitarista. Afinal, quantas pessoas não saíram lucrando com a morte do terrorista? Mas o princípio moral cristão não é utilitarista. Ele não pergunta quem sai ganhando com isso. Se o fizesse, justificaria todas as mortes em nome do bem comum. Justificaria também as mortes do Estado em nome do bem coletivo. Em certo sentido, não há nenhuma diferença entre Stálin e Tio Rei neste particular – apenas, é óbvio, uma diferença de intensidade. A justificativa para a morte é a mesma: o bem dos outros. Ou Tio Rei teme um atentado terrorista islâmico na porta da casa dele?

A porta estreita a que me referia é o fato de que, para um cristão, é melhor dar a vida do que tirá-la de alguém. O cristão confia em Deus, um princípio metafísico que vigora no mundo. E sua confiança é tamanha que ele é capaz de apostar sua vida nisso. O fato de que precisamos matar para nos defender diz apenas que nossa fé na intervenção divina é menor do que deveria. Um cristão não está indefeso diante de um terrorista, ele está com Deus e não há proteção maior. É uma loucura pensar assim? Se for, meu amigo, então é cada um por si, porque a “bala perdida” está mesmo perdida. É tudo randômico e nós temos que cuidar de nós mesmos. Se não é assim, então eu posso me tranqüilizar e continuar vivendo minha vida normalmente, porque Deus está comigo.

Talvez ele não tenha pensado bastante sobre isso, mas não creio que seja o caso. Ele já defendia postura igual na época da revista Primeira Leitura. Também não dá para imaginar que ele não tenha entendido direito o catolicismo, ele corrige até tradução de texto do Papa. Quando eu disse, noutro lugar, que havia uma “luxúria de morte” incrustrada na teologia cristã, era a isso que eu me referia.

O delírio, segundo Dawkins

O livro, como um todo, não passa de um grande panfleto. É escrito em linguagem comum e, realmente, não creio que seja sensato esperar de um cientista uma argumentação filosófica erudita e profunda sobre um fenômeno que, claramente, o incomoda apenas em seu aspecto político. Dawkins já resolveu, para si mesmo, a questão; e está discutindo com o cidadão médio que ele acredita ser capaz de cair nas armadilhas retóricas de gente como o tal patriarca da família maluca que o Louis Theroux mostrou no documentário (eu vi e até agora acho difícil acreditar).

Por outro lado isso não invalida o núcleo de sua argumentação. De tudo o que eu li, o argumento que o Dawkins considera mais relevante é contra a inferência do Design, ou seja, a idéia de que podemos derivar da complexidade de um objeto o fato de que ele foi feito por uma consciência racional. O contra-argumento dele envolve uma analogia muito interessante com um 747. Vou citar o Dawkins:

O nome vem da interessante imagem do Boeing 747 e do ferro-velho de Fred Hoyle. (…) Hoyle disse que a probabilidade de a vida ter surgido na Terra não é maior que a chance de um furacão, ao passar por um ferro-velho, ter a sorte de construir um 747.

Fundamentalismo Eclético

WBC

Nesta última sexta, vi uma das coisas mais bizarras dos últimos tempos. Alguém aí também assistiu a “A Família mais Odiada da América”, no GNT?

Sempre gostei das reportagens de viagens do Louis Theroux, que também já foram exibidas pelo GNT. Ele tem um jeito ao mesmo tempo honesto e respeitosamente cético com seus objetos que rende excelentes entrevistas e imagens.

Numa série de reportagens em que segue trabalhando para a BBC, Louis, que é filho do escritor Paul Theroux e cidadão britânico e americano, aborda, em viagens pelos EUA, temas como cirurgias plásticas e adição ao jogo. Neste primeiro episódio escolhido pelo GNT para exibição no Brasil, ele visita a Westboro Baptist Church.

Trata-se de uma igreja de orientação batista – embora não-afiliada a ou reconhecida por nenhuma associação ou linha batista formal nos EUA – constituída essencialmente por membros de uma mesma família – a comunidade toda se limita a 75 pessoas -, com sede em Topeka, estado do Kansas, e conhecida nos EUA por sua virulenta homofobia e pelos protestos em funerais de militares americanos mortos no Afeganistão e no Iraque. Crêem eles que o mundo está perdido, que os EUA são uma nação depravada, e que as mortes no Iraque são atos de ira divina, pelo serviço destes militares a uma nação afundada na luxúria e no despudor. Na verdade, como se pode observar em seu site oficial “God Hates Fags” (literalmente “Deus Odeia as Bichas”), toda e qualquer morte por catástrofe, natural ou provocada pelo homem, é comemorada pela igreja, que a toma como resposta divina aos pecadores.

É absolutamente bizarro e um pouco assustador, embora risível. Para se ter idéia, estas pessoas planejaram, por exemplo, um protesto para o funeral das vítimas do massacre na escola amish, na Pensilvânia, em 2006. Em seus cartazes, a WBC chamava as meninas mortas de “putas” (whores) e dizia que elas já “estavam queimando no inferno”. Os membros da igreja foram dissuadidos por um radialista que , em troca de sua desistência, ofereceu-lhes uma hora em seu programa de rádio.

Além da homofobia, a igreja tem declarações anti-semitas, anti-islâmicas, anti-católicas, contra a Suécia, como uma país defensor de homossexuais (o pastor Phelps, patriarca da igreja, atribuiu o alto número de mortos suecos no tsunami do Oceano Índico a isso), contra a Irlanda, a favor de Al Gore – por declarações pretéritas contra um projeto de lei pró-gays -, contra Bill e Hillary, a favor de Fidel Castro e a favor e contra Saddam Husseim.

Independente de tudo isso, o que mais impressiona na reportagem de Theroux é o fato de que nenhum dos membros da igreja abre a guarda em momento algum. Cada vez mais boquiaberto, o telespectador cria a expectativa de que, no momento seguinte, um deles haverá de ceder à lógica e conceder uma vitória às perguntas diretas de um entrevistador cada vez mais abismado. Alguém irá ver que está se contradizendo, vai gaguejar e recorrer a impropérios e à raiva, o que já seria algo. Mas não, friamente, as resposta seguem sempre na mesma linha. O único a vacilar é um pequeno membro da igreja, um neto de Phelps, com quatro ou cinco anos, que ao ler para Theroux uma série de regras de comportamento faz uma parêntese a “não mentir”, dizendo que “algumas pessoas às vezes mentem, principalmente quando são crianças”.

Theroux pergunta: “eu acredito que cada um deve poder fazer sexo com quem achar melhor, tenho uma filha com minha namorada e não sou casado? Eu vou pro inferno? A interlocutora sorri e responde que sim. “Você fica feliz com isso?” Ela torna a sorrir e a dizer que sim.

Acho que vale à pena assistir. Na verdade, não sei se eles merecem. Mas como fiquei chocado, resolvi compartilhar. Veja aqui as exibições programadas deste e de outros episódios da série.

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