Todo mundo que já foi forasteiro em algum lugar sabe do melindre – às vezes constante, às vezes raro, mas sempre sentido – nas relações com os locais. O famoso “choque cultural” nunca escolhe suas vítimas e, por mais que nos queiramos “descolados”, sempre experimentamos os seus conhecidos estágios: a surpresa inicial, a negação e, por último, a tentativa de adaptação.

Noutro dia, a mãe do senhorio veio expressar seu descontentamento com o estado do nosso jardim. Falava sério, com um tom de voz acima do normal para uma octogenária e com o habitual olhar sorrateiro.

Comentando o episódio com o Marc, lembrei da minha desconfiança nos olhares de soslaio(“…oblíquos e dissimulados”). Só então descobri que isso não é característica pessoal da desagradável “tia da Thatcher”, mas que é o usual por estas bandas. Que coisa! O feio aqui é encarar!!

E o que fazer com toda aquela história de que sempre devemos manter contato visual numa conversa? E a atenção e o respeito pelo interlocutor que minha mãe sempre exigia?

“Não, eu me recuso! Isso é muito estranho, é coisa de gente mentirosa, dissimulada ou que não tá nem aí pro que você tá falando”, desabafei gastando boa parte do vocabulário recém-aprendido.

“É, mas encarar alguém pode lhe render alguns dissabores, ou algo mais doloroso se esse alguém for polinésio ou maori”, me alertou um risonho Marc!

Claro! Deixando a minha teimosia de lado e recapitulando os meses por aqui, me lembrei que realmente as pessoas ficam “amassando barro”, como dizia o meu guimaraneo pai, quando falam com a gente! Será isso resquício dos súditos da Rainha Elizabeth que vieram pra cá ou tem a ver com os indígenas locais? Se bem que reparando em Sua Majestade…

“E como é que se faz então?”, perguntei irritada.

Na maior pachorra, o Marc me revelou seu truque aprendido ainda na infância: “Fixe seu olhar nos ombros que fica tudo bem, não constrange aquele com quem se fala!”!!!

É, assim como tive que apagar da mente o antigo “olhe à esquerda e depois à direita antes de atravessar a rua”, parece que também é de bom tom esquecer o “olhe pra mim quando falar comigo!”!!!

Então, meus caros, é sempre bom lembrar que em Terra Média quem é estrábico é rei…