Meu período brasiliense (1992-1997) foi o que mais me aproximou da realidade. Provavelmente porque eu nunca me inteirava dos mesquinhos acontecimentos mundiais e tampouco, é claro, das nossas inúmeras besteiras nacionais. Dos fenômenos, apenas o imediato me importava. Do universal, me bastavam as idéias, os conceitos, os princípios, as essências… Daí tanta gente me achar um nefelibata, principalmente os politicamente engajados, que me viam como um alienado. E isso me incomodava? Nadica de nada. Certa feita, cheguei a passar todo um dia achando as pessoas inexplicavelmente sombrias, depressivas, para só entender — por intermédio de um amigo com quem dividia apartamento no Centro Olímpico da UnB — para só entender o que se passava tarde da noite: Ayrton Senna havia morrido. Da mesma forma, em 1994, passei horas e horas folheando livros e mais livros numa biblioteca estranhamente deserta, toda minha. Um dia de leitura paradisíaco. Na lanchonete do subsolo compreendi o mistério: o Brasil acabara de se classificar para a final da Copa do Mundo! Mas como, se eu nem sabia que a seleção estava na semifinal? As pessoas e seus interesses… A realidade é mais em cima e mais dentro do próximo. Desligar a televisão é o primeiro passo para a meditação…
Autor: yuri vieira (SSi) Page 58 of 72
Quando morei no Equador (1989-1990), dei altas risadas assistindo às versões originais das séries criadas pelo Chespirito. “El Chavo del Ocho” (Chaves) tinha atores com sotaques e interpretações impagáveis. Só de ouvir a voz do Quico já passava mal, assim como o choro da “Chilindrina” (Chiquinha). Claro, os roteiros ingênuos e muito bem bolados ajudavam bastante. Mas só agora, não sem espanto, descubro que Chespirito – apelido de Roberto Bolaños – é a forma castelhanizada do diminutivo de Shakespeare! Taí uma coisa que deixará os intelectualóides com insônia…
Escreveu Henry Miller em Plexus: “(…) Spengler veicula seu desprezo por Tolstói, que ‘elevou a Cristandade primitiva às raias de uma revolução social’. É aqui que ele faz alusão direta a Dostoiévski que ‘nunca pensou acerca de melhoramentos sociais’. (‘De que teria valido à alma de um homem abolir a propriedade?’)”
Um amigo me escreveu de Florença dizendo que já está cansado de apreciar edifícios velhos e obras de arte. Para ele, o passeio já perdeu a graça, tendo confessado já estar com os sentidos embotados. Após lhe receitar uma rave (tratamento de choque), disse a ele que, se eu fosse embarcar semana que vem pra Europa, iria correndo reler pelo menos a “História da Arte” do Gombrich, o básico dos básicos. Sim, porque sair pelas cidades européias sem saber, por exemplo, a diferença entre o estilo românico e o renascentista fará com que tudo pareça uniforme. Seria semelhante à leitura de Proust por um analfabeto funcional. Ele pode até achar curioso, diferente ou, o mais provável, chato, mas não perceberá o que interessa, as sutilezas. A evolução dos estilos na arte – em particular na arquitetura – é pura expressão da alma de uma civilização. A mera apreciação dos sentidos, sem o apuro do conhecimento, só pode mesmo embotar: “ai, mais um prédio velho!” É, amigo, é duro viajar e, já longe, perceber que se deixou algo importante em casa…
PS.: Principalmente se esse “algo importante” for um cobertor de orelha feminino anti-frio europeu tabajara. Nem tudo é cultura…
Outro dia alguém me disse – como quem revela grande segredo – que a letra da música Metal contra as nuvens (Renato Russo) fala, na verdade, da traição levada a cabo por Collor de Mello ao limpar as contas bancárias da época. A pessoa me disse isso e ficou com um sorriso de quem esbanja “sabedoria”, pois conhecia o sentido oculto da letra. Meu Deus, isto equivale a dizer que as pérolas se resumem aos ciscos sob o nácar! Toda obra artística tem seu ponto de partida, é verdade, mas por favor… Metal contra as nuvens é uma canção belíssima, trata da luta da consciência por manter sua soberania, da luta da Vontade por manter seu próprio Entendimento. A verdade é que a única Guerra Santa real, hoje em dia, só ocorre dentro de cada indivíduo. Tal como narra essa canção.
As pessoas ficam reclamando das viagens do Lula e não percebem o óbvio: ele está apenas dando vazão à sua vocação para fazer oposição. (Pouco importa quanto “ão” em contrário se diga, é a pura verdade.) E, se no Brasil ele é situação, a quem ele poderia se opor? A ele mesmo? Isto só é possível interiormente, coisa que ele deixa a cargo – como todos nós, principalmente se politiqueiros – de seu próprio subconsciente. Lula é como o líder estudantil que se coça até encontrar motivo para ir protestar ao reitor. Que esse reitor se chame Fernando Henrique ou George Bush pouco importa. Revolucionário comunista gosta é de revolucionar. O negócio é ir fazer barulho e deixar o cubano Josef Dirceu a tomar conta do galinheiro.
Eu gosto dos norte-americanos…
Foi durante uma conversa em que eu narrava minhas experiências de projeção astral que o Bruno Tolentino me definiu “honestidade intelectual”: nunca dizer que sabe o que não sabe, nem dizer que não sabe o que sabe. E eu lhe disse que aprendi isso com certa “brincadeira do copo”, quando então, em 1995, enganei dois amigos por quase duas horas de conversas com “espíritos”. Desmenti no dia seguinte, mas ainda hoje, sempre que “realmente me afogo”, eles pensam que sou aquele garoto que “finge se afogar”. Não pretendo mais perder meu crédito com ninguém. Aliás, o Waldo Vieira é honestíssimo e discorre acuradamente sobre os vários tipos e níveis de experiências extrafísicas. Acredite, Bruno: essas coisas acontecem.
Finalmente os redatores tiveram uma boa idéia e colocaram o pentelho do garoto propaganda das Casas Bahia para pagar umas flexões. Aliás, pelo que conheço do mercado publicitário, esse ator já deve ter ganhado o suficiente para continuar histérico em sua própria casa. Espero que ele faça logo seu pé de meia e suma. Morro de medo de ele vir me oferecer algum produto.
Passei umas boas duas horas navegando pelo site do Marcelo Tas, ouvindo e vendo as entrevistas do seu heterônimo Ernesto Varela, que eu admiro há muito tempo, e, claro, dando boas risadas. O cara é dez e vou dizer por que. Sua paródia de repórter tem as qualidades exigidas para a entrada no Reino: a inocência e a curiosidade de uma criança, a coragem dos que nada temem perder, a sagacidade de uma serpente e a mansidão de um cordeiro. Ernesto Varela quer apenas… saber. E não deve nada a ninguém, nunca deveu, o que nos leva ao dístico da pagina de entrada de seu site: “Finalmente, virei o Roberto Marinho de mim mesmo”. Observação esta que resume toda a potencialidade da Internet enquanto multimídia.