Eugênio Bucci, em sua crítica ao filme Cidade de Deus (Jornal do Brasil-04/09), pega como mote o comentário do personagem Buscapé – “se o tráfico de drogas não fosse crime, o bandido Zé Pequeno seria o homem de visão do ano” – para com ele concluir que todo executivo, que todo empresário, enfim, que todo empreendimento capitalista é killer, é do mal. Ora, aquela afirmação corresponde a esta: se expressar preconceitos não fosse uma miopia mental, certos colunistas ganhariam o Prêmio Esso de jornalismo. E, no entanto, o fato de ele ser sim um colunista equivocado não atenta contra a profissão do jornalista em si mesma. Afinal, a maldade evidente do personagem Zé Pequeno nasce de sua motivação interior, ela já existia antes de que ele se tornasse um “negociante de drogas”. Querer excluir todo mercado, todo executivo, todo empresário da face da Terra, a partir desse raciocínio, seria o mesmo que banir todas as facas de todas as cozinhas apenas porque é possível cortar gargantas com elas. Capital é ferramenta.
Categoria: cinema
Fim de semana passado, tive uma dessas discussõezinhas de bar com um amigo que trabalha no governo. Assunto: leis de incentivo ao Cinema. Ele me dizia que não tínhamos – eu e minha namorada, que é da Associação Brasileira de Documentaristas – por que reclamar dessas leis, uma vez que o papel delas é tão somente o de dar um empurrãozinho no Cinema, o de educar os empresários, fazendo-os perceber que apoiar a Cultura vale a pena. Meu Deus, eu dizia, como é que isso é possível? Se eu fosse empresário – e eu seria um empresário inteligente – e, sob o pretexto de me ensinar a apoiar a cultura do meu país, chegasse alguém com uma das seguintes propostas: a) reverter parte dos impostos da minha empresa para a produção do filme; ou b) dar uma grana do meu próprio bolso em troca de uma série de vantagens junto a regulamentos e/ou a tributos estatais X, eu abriria um bocão e diria: “guerapááááááá…” (Sabe, né, o guerapá daquele idiota da propaganda que ouvia “guerapá” ao invés do “Get up” do James Brown.) Ôrra, meu, além de o governo andar estrangulando cada dia mais o empresariado com mil impostos – daí a origem do desemprego -, ainda faz com que inocentes úteis, como eu, saiam por aí achando que é legítimo esse tipo de proposta indecente. Não seria mais fácil seqüestrar a esposa do cara, com permissão do governo, claro, e exigir como resgate que ele banque um filme? (Olhaí o argumento, já dá um roteiro.) Dito isto, meu amigo me pergunta, então, o que é que eu queria que o governo fizesse. Ora, em primeiro lugar o trabalho desses caras, desses empresários, não tem nada a ver com cinema, o negócio deles é sapato, rapadura, cuecas, camisinhas. O que a gente precisa é de gente nova, de gente que se tornasse empresário ao decidir se meter no babado, na produção de filmes. Para tanto o governo deveria fazer, não no mínimo mas no máximo, apenas o seguinte:
Ontem assisti a esse filme excelente: Waking life. O engraçado foi a intimação que recebi – para assistir ao dito cujo – de um amigo que vive querendo me empurrar o livro “O mundo assombrado pelos demônios”, do Carl Sagan, toda vez que lhe falo de minhas projeções astrais e sonhos lúcidos. Quando eu tocava no assunto era apenas conversa fiada do Yuri. E olha que tentei convencer vários diretores de cinema (aliás, um bando de video-clipeiros e publicitários desmiolados) a rodar um filme ou animação com o que agora está se transformando no meu livro Eu odeio terráqueos!!, que não é senão uma variação do mesmo tema desenvolvido pelo filme supracitado. Como neste nosso país praticamente não há produtores independentes – com ou sem visão – a vanguarda tem de ficar para os americanos. (Na verdade, o assunto já é mais que batido, mas a forma como é colocado, nem tanto.) E meu amigo, que torcia o nariz quando lhe falava de técnicas para adquirir a lucidez durante o sonho, só foi pensar seriamente no assunto após ficar chapado com tudo o que os personagens falam no filme. Perguntei: “peraí, você não leu meu livro, né?” E ele: “não”. “Pois é”, eu disse, “se tivesse lido você sacaria por que é que não achei esse filme uma coisa doutro mundo. Eu também vivo meus sonhos…”
Num próximo post entrarei mais demoradamente nesse tema – sonhos lúcidos – e comentarei o filme. (Assista ao trailer. Mas atenção: Você precisa ter o QuickTime instalado.)
[Ouvindo: Stutter – Elastica]
Meu amigo Daniel Christino – professor de filosofia com quem ainda mantenho construtivos “arranca-rabos” – me enviou uma crítica bem interessante a respeito do que falei sobre a lei 10.454. O que eu disse, apesar de escrito de supetão e com certas incorreções, pode se resumir nesta minha opinião: os capitalistas brasileiros – esses ocultos detentores da bufunfa – morrem de medo de arriscar sua grana em nosso cinema. Quando digo arriscar quero dizer isso mesmo: tentar obter lucro sob o risco de não consegui-lo. Não estou falando de filantropia, e muito menos extrapolei a área cinematográfica. Aliás, num país com impostos tão elevados como o nosso, qualquer empreendimento torna-se um risco elevado ao cubo em comparação com outros países onde a tributação é racional.
Também sei que o governo realmente gasta muito com publicidade. Aliás, uma ex-namorada minha de São Paulo – que trabalhou na campanha do Fernando Henrique – me contou como a produção do comercial sobre Itaipú teve de se virar com computação gráfica para aplicar “fios de alta tensão” nas nuas torres de transmissão filmadas, dias antes, numa tomada aérea. Tudo para mostrar aquilo que o governo havia… feito. Sim, o governo gasta muito com publicidade. Mas não são os únicos clientes.
Eu, como roteirista, deveria achar uma maravilha a tal lei 10.454 recentemente sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Sim, pois além de a dita cuja elevar o teto da Lei do Audiovisual (de R$ 3 milhões para R$ 6 milhões) e da Lei Rouanet (vai para 95% do valor total aprovado), ainda estabelece um certo Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica), que irá taxar, com alíquota de 11%, as remessas ao Exterior de lucros com a exploração de obras cinematográficas e videofonográficas no Brasil. Claro que, não sem razão, muitas distribuidoras internacionais atuantes no País já estão apelando à Justiça. À primeira vista pode parecer justo querer dificultar o domínio desses blockbusters americanos sobre nossas imaginações. Mas quem vai ao cinema assistir a todos esses shows pirotécnicos de milhões de dólares não vai forçado. Vai porque quer, vai porque é livre para decidir o que fazer com seu dinheiro. (Aliás, fazer o quê se os americanos são bons para entreter? Resposta: entreter.)
Outro dia assisti a um filme com o Antony Hopkins sobre o C.S.Lewis. Um filme de lágrimas, muitas lágrimas. Bem, o enredo dele não vem ao caso. mas é que agora, lendo um trecho do “diário íntimo” do Lima Barreto, lembrei de uma frase do filme: “lemos para não nos sentirmos sós“. Claro que reduzir a leitura a isto é um exagero. E hoje, lendo esse cara, penso no contrário: escrevemos para não nos sentirmos sós. O Lima Barreto fazia isto com toda certeza. Pelo menos em seu diário. O engraçado é como a solidão escrita de um faz companhia a outro. Leia abaixo: