Ao chegar lá pela página 100 de O Coração das Trevas – cerca de 3/4 do livro – com o próprio coração já saindo pela boca, chega o inevitável momento de tomar um banho, porque é preciso sair de casa. A vida. O cotidiano. Busco, pois, um CD para trilha sonora de chuveiro e nada, nada satisfaz, nada à altura daquele primeiro encontro com Kurtz. Até que me cai na mão o CD que ganhei de aniversário do Rodrigo Lustosa – Arnold Schoenberg – e a faixa A Noite Transfigurada é simplesmente perfeita. E tomo o banho ainda n’O coração das trevas.
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Numa noite de chuva, bebendo vinho com bons amigos, até bem tarde. A inteligência e o humor das conversas parecem aumentar a cada taça. Passa-se dos sofas para as almofadas e para o tapete em torno da mesa de centro. De repente surge o gatinho da casa, felpudo, elétrico como todo filhote, e desfia as meias da garota mais bonita e com as pernas mais compridas da reunião. Ah, não será isto a felicidade?
Preciso ampliar meu círculo de amizades… Ou não! Afinal, o fato de que, em toda discussão sobre política, arte, moral, filosofia ou religião, eu fique sempre sozinho de um lado e os demais todos do outro me disparando petardos talvez não seja senão mais uma aulinha da vida. Imagino que um leitor do meu site pensaria que meus amigos compartilham meus pontos de vista. Nãnanina. Na última vez em que estive no Glória, até o pessoal doutra mesa resolveu dar palpite no debate. E o problema dos meus amigos intelectuais é o mesmo de toda a classe: seu relativismo é absoluto. Eu me senti o Dartagnan interpretado pelo Gene Kelly, dançando e duelando simultaneamente com dez inimigos. Credo. Haja álcool.
Continuo com o mau costume de ser o último convidado a deixar as festas. Na última, ainda me empurraram pra uma, digamos, jam-session, na qual fiz as vezes de vocalista. (Faço parte da comunidade Eu canto no chuveiro do Orkut.) Dizem – minha namorada e amigas – que foi um sucesso, mas eu já estava tão louco que não tenho certeza. Por via das dúvidas apresentei a banda como The king Kongs and the Avatar Metal. Improvisei algumas letras, veja só. E finalizamos, eu e o Pedro Novaes, com um heavy metal em homenagem à derrota da Marta Suplicy: “Fuck the Buceteixom” ou, se preferir, bucetation. (Nota: não ouço heavy metal nem amarrado.)
Tô precisando engolir um kambo – aquele sapo amazônico que dá barato – pra ver se consigo terminar de escrever meus livros. Uma semana ligadão, de bem com a vida, sem dormir. Ou, quem sabe, contratar um personal-sargent Tabajara para controlar minhas horas produtivas: “Largue já esse livro e vá escrever o seu! Afinal você veio aqui pra ler ou pra escrever?! Vamos! Quinze flexões, agora!” Enfim, talvez a razão esteja mesmo é com a Maria Inês de Carvalho: “Yuri, tá na hora de você tomar vergonha na cara…” E ela me disse isso há tanto tempo…
Morro de saudades da bengala – no Rio, salvo engano, bisnaga – um pão enorme, em que eu, quando criança, metia o braço até a axila, extraindo e comendo o miolo. Depois aquela casca tostada, quebradiça… Nada a ver com essas porcarias do Carrefour, os baguetes da vida, magrinhos, borrachudos e envernizados, coitados. Outro dia, em São Paulo, fui à padaria Ibérica, da minha infância, que tem hoje um nome que não sei qual é. Pedi uma bengala. O padeiro, com um sotaque sertanejo incerto, me disse que não sabia o que era isso. Um outro, mais velho, veio nos acudir e disse que já não faziam bengala há anos: “Depois que os portugas venderam suas padarias pros nordestinos, não tem mais variedade. Hoje só tem pão. Você só tem que pedir isso: pão“. Algo me diz que o sentimento desencadeado por esse fato tem qualquer coisa a ver com envelhecer…
O bom de ter um bom roteiro em mãos é que os atores dão o sangue para participar do projeto.
Carol, eu aprendi a cantar “Jiv Jâgo Jiv Jâgo” ouvindo o CD Vaisnava Songs do Atmarama Dasa. Muito bom. (É mais fácil cantar em sânscrito que em alemão.)
Como já disse noutra oportunidade, é óbvio que tem gente muuuuito mais requisitada do que eu na Internet. Blogueiros adolescentes inclusive. Mas chegar às 70.001 visitas, para mim, já está passando de bom.
Quando inventarem um karaokê em que eu possa ficar sob uma ducha, serei fisgado. Sou como o Bambam: só posso cantar no chuveiro. Atualmente tenho ensaiado duas canções das mais gostosas: Jiv Jâgo Jiv Jâgo (Despertem, almas dormentes! Despertem, almas dormentes!) e Ode an die Freude (Ode à alegria), de Schiller, imortalizada por Beethoven no quarto movimento da Nona. Não, eu não falo nem sânscrito, nem alemão. Apenas canto. E os males se espantam.