blog do escritor yuri vieira e convidados...

Mês: maio 2007 Page 1 of 6

O sapateiro e suas sandálias

Sutor, ne supra crepidam! Eis um aviso longínqüo.

Eu ainda me lembro quando alguns professores de Filosofia diziam que Adam Smith estava “morto e enterrado”, que não servia nem mesmo para “calçar a mesa da sala de aula”. Qual não deve ter sido o susto dessa gente quando Ernst Tugendhat (entre outros) resgatou sua teoria dos sentimentos morais para as discussões sobre ética na contemporaneidade. Smith voltou a ser lido com novo interesse, apesar do desprezo marxista chinfrim.

Hoje topei com um texto do sempre relevante Reinaldo Azevedo cujo teor é exatamente o mesmo, embora situe-se na outra ponta do espectro ideológico. O objeto de desprezo do Reinaldo é Habermas. Seu texto comenta um artigo do filósofo alemão publicado no caderno Mais! da Folha deste domingo, diz coisas como:

Ah, o sr. Habermas está muito preocupado com o risco de os veí­culos caí­rem nas mãos de capitalistas inescrupulosos, que se interessariam apenas pelo lado espetaculoso da notí­cia, e nada com a função formadora da imprensa. Como exemplo negativo de jornalismo, ele cita, claro, o norte-americano.

Ou então,

Sempre achei Habermas um submarxista vulgar; não imaginava, no entanto, que pudesse ser tão ridí­culo.

E por aí vai. Bem, o Reinaldo pode achar o que quiser, pode até mesmo implicar com o fato do cara não gostar de Chicabom, mas está falando de orelha sobre a obra do Habermas. Em primeiro lugar porque interpretou o artigo da Folha numa chave submarxista e viu só isso. Sabem como é “what you get is what you see”. Se tivesse mais contato com a obra do filósofo perceberia a relação entre mercado e estado no contexto de uma sociologia de sistemas (baseada, principalmente, em Luhmann e Parsons), o que por si não implica um avanço estatizante, mas um equilí­brio necessário, mediado pela esfera pública – e aqui, antes que me venham encher o saco, falo do conceito como ele aparece na Teoria da Ação Comunicativa e não na Mudança Estrutural da Esfera Pública (tomar Habermas apenas por esta última seria como formar um juí­zo sobre Dostoiévski exclusivamente a partir de Noites Brancas).

Se fosse mais honesto (se o pathos não fosse o do desprezo) comentaria sobre a idéia de jornalismo implícita no conceito de esfera pública e de como esta esfera, uma ótima invenção liberal, constitui o verdadeiro espaço democrático numa sociedade. Nem Estado nem mercado são democráticos, mas o Estado ainda é mais permeável a uma gestão democrática – por conta, principalmente, do modelo jurídico constitucional – do que o mercado. Por outras palavras, a democracia nasce da vontade – e é preservada por esta vontade, cristalizada no sistema jurí­dico; “ainda há juí­zes em Berlim”, não é isso? – dos homens e não por geração espontânea. No limite, o mecanismo que movimenta a argumentação habermasiana é o da ação comunicativa; e o que ele propõe é uma intervenção para que o tipo de jornalismo comumente praticado na Alemanha, e associado à emergência desta esfera, seja preservado. Seu objetivo é preservar alguma racionalidade argumentativa na mí­dia.

Por outro lado, a caracterí­stia “formativa” do jornalismo não está associada a nenhum caráter pedagógico ou tutelar da comunicação – isso é só estrabismo do Reinaldo -, mas a uma influência construtivista (essencialmente Piaget) incorporada por Habermas em suas bases epistemológicas. O jornalismo, juntamente com uma série de outros elementos, nos ajuda a construir nosso senso de realidade social. É por isso, acredito, que o Reinaldo acha tão importante combater o marxismo vagabundo de boa parte da mí­dia, porque isso implica mudar a maneira como as pessoas interpretam os fatos e, portanto, a maneira como veêm o mundo.

O que marca o comentário do Reinaldo é o repúdio – não a crítica – ao conceito de Comunicação do Habermas. E, claro, à tese de que o Estado, como construto humano, pode ser acionado quando julgamos que algum valor essencial escapa à lógica do mercado. Não que o mercado seja ruim ou malvado (isso Habermas não diz), apenas seu desenvolvimento – na Alemanha – vai na direção da supressão de um tipo de jornalismo que ele acredita ser essencial para a manutenção da esfera pública. Só que Habermas “culpa” o mercado pelo tipo de jornalismo indigente que se vai consolidando, enquanto Reinaldo culpa a esquerda e o marxismo. Contudo, tanto Habermas quanto Reinaldo defendem o mesmo valor fundamental: a democracia, cristalizada numa de suas instituições mais importantes – a esfera pública -, e representada pelo jornalismo argumentativo, cuja maior virtude é “não ter medo de dizer seu nome”.

Por fim, Reinaldo faz referência a um debate entre Habermas e o atual papa Bento XVI e diz que “Habermas parecia um garoto de colégio balbuciando incongruências diante de um mestre”. Ele gosta desta figura. Habermas, esforçando-se ao máximo, não consegue nem mesmo articular um discurso coerente. Diante de Ratzinger, torna-se afásico. Bem, são fogos de artifício. Eis um link para a transcrição da Folha sobre o debate dos dois.

Voltando à citação de Plínio. Não pretendo policiar os assuntos que o Reinaldo escreve em seu blog, ele tem direito aos seus erros e tem também direito de exibi-los para quem os considere acertos. Mas cabe retificar algumas opiniões frágeis ou francamente equivocadas, inspiradas, acima de tudo, pelo desprezo; uma disposição que nada tem a ver com qualquer tipo de virtude intelectual, nem mesmo com a saudável prepotência dos excelentes.

Günter Grass no New Yorker

Para quem curte o escritor alemão Günter Grass, e acompanhou a polêmica em torno da sua autobiografia, o site da revista New Yorker publicou um relato do cara sobre sua juventude na Luftwaffe, bastante detalhado. Para quem não sabe, Grass alistou-se no exército alemão durante a Segunda Guerra Mundial. Entre relatórios e notícias do front, visitas regulares à família nos finais de semana e devaneios literários – a cabeça delicadamente apoiada numa metralhadora anti-aérea 88-mm -, Grass vai confessando intenções e sentimentos nem sempre muito nobres a respeito dos motivos e consequências das suas decisões. O trecho sobre seus pais é especialmente revelador.

The two-room hole. The family trap. Everything there conspired to constrain the weekend visitor. Not even the mother’s hand could smooth away the son’s distress. True, he was no longer expected to sleep in his parents’ bedroom like his sister, but even on the couch made up for him in the living room he remained a witness to the married life that continued unbroken from Saturday to Sunday. That is, I could hear—or thought I could hear—sounds I had heard, muffled as they were, from childhood on, sounds that had lodged in my mind in the form of a monstrous ritual: the anticipatory whispers, the lip-smacking, the creaking bedsprings, the sighing horsehair mattress, the moaning, the groaning, the entire aural repertory of lovemaking, so potent, especially in the dark. I had a clear picture of all the variations on marital coupling, and in my cinematic version of the act the mother was always the victim: she yielded, she gave the go-ahead, she held out to the point of exhaustion.

The hatred of a mother’s boy for his father, the subliminal battleground that determined the course of Greek tragedies and has been so eloquently updated by Dr. Freud and his disciples, was thus, if not the primary cause, then at least one of the factors in my push to leave home.

Havia também o tédio e o romantismo guerreiro do Sturm und Drang alemão.

All winter long, the front moved closer to home. The Wehrmacht’s high command tried to tone down the retreat by dubbing it a front-straightening operation. Victory bulletins virtually ceased, and more and more bombardment victims were seeking refuge in our city and its environs. The urge to break away, to flee to any front that would have me, had lost its force. My desire was moving in another direction: I read Eichendorff and Lenau at their most romantic, pored over Kleist’s “Kohlhaas” and Hölderlin’s “Hyperion,” and stood guard by the ack-ack guns, lost in thought, my eyes wandering over the frozen sea.

Há uma história em movimento nestes relatos de vida pessoais durante este período na Alemanha – de Viktor Klemperer a Albert Speer. Para além das análises históricas de longo alcance ou das detalhadas biografias de grandes personalidades, a percepção da vida cotidiana como síntese da totalidade da experiência de uma época faz ressurgir – ressuscitar, como diria Michelet – o sentido mais essencial do viver. Há uma autenticidade neste relatos que nenhum texto moralista, por exemplo, poderia proporcionar, principalmente ao esclarecer como o “medonho” plasmou-se ao viver cotidiano. Por isso, talvez, nos cause estranheza a imagem do Hyperion de Hölderin, aberto, rabiscado, apoiado sobre os canhões enquanto o olhar do leitor/soldado mira o “mar gelado”. Vale a leitura.

Estadão no Second Life

Do Portal Estadão

Estadão fará jornal no Second Life Brasil

Batizado de Metanews, o jornal terá como jornalistas os avatares

SÃO PAULO – O jornal O Estado de S. Paulo será o primeiro órgão de imprensa do País a produzir e editar um jornal no Second Life – ambiente virtual semelhante ao mundo real conhecido como metaverso. O Estado fechou uma parceria com a KAIZEN Games, companhia responsável pelo Second Life Brasil, e será o jornal oficial desse universo virtual.

Batizado de MetaNews, o órgão de imprensa virtual começará a funcionar a partir do mês que vem e terá como jornalistas os avatares (a representação do usuário no metaverso). Todos os residentes do Second Life Brasil poderão enviar reportagens, matérias, fotos e vídeos.

Texto completo aqui

Olho de Vidro

Estamos colocando no ar um novo blog, irmão do Garganta de Fogo, mas com um propósito mais específico. É o “Olho de Vidro”, blog da Sertão Filmes, produtora da qual o Paulo Paiva e eu somos sócios, e onde o Yuri é um colaborador essencial. O propósito do blog é o de se tornar uma referência em discussões de caráter mais técnico sobre cinema e vídeo digital – o que não exclui, entretanto, discussões mais teóricas e conceituais sobre cinema, filmes, sobre políticas culturais, mercado e outros assuntos relacionados. Se você se interessa por estas questões, visite o Olho de Vidro e ajude a divulgá-lo.

A lucidez de uma vítima

Com marcas de sofrimento estampadas no rosto, voz embargada pelas lágrimas e ainda buscando explicação para a morte da filha, Wilson Caetano de Araújo, disse estar convencido de que não haverá Justiça.

– Se ficar internado, esse menino estará em liberdade no máximo em três anos. E três anos não pagam a vida da minha filha – disse Araújo, para quem é preciso parar de usar a miséria, a falta de estrutura familiar e o problema social como ‘desculpa para matar’.

Minha filha não pode ser morta porque alguém não teve sorte na vida. Se isso fosse desculpa, o mundo acabaria – afirmou.

Araújo não é favorável à redução da idade penal. Para ele, a punição para quem comete este tipo de crime, como assassinato, deve existir em qualquer idade.

– Não concordo com isso. Diminuir para quê. Esse menino tem 13 anos e é ruim. Isso vem de índole – disse.

Programa mais ouvido

Taí uma informação pra lá de interessante: o programa de rádio online mais ouvido do site BlogTalkRadio é o do Olavo de Carvalho que, para surpresa do CEO do site, é transmitido em português. (Vale lembrar que os podcasts que gravei com o Olavo, juntamente com dois outros vídeos, já foram acessados, em conjunto, 70.474 vezes no You Tube.)

We have been seen a nice rotation of the most popular shows on Blogtalkradio . Yesterday, we broadcast 117 shows live and more than 1500 active radio hosts call Blogtalkradio their home.

We air shows dedicated to the most popular TV show of all time, American Idol. We air shows hosted by top bloggers covering politics on the right, left and center. We air sports shows and marketing shows, etc.

But as i write this post, the top show on Blogtalkradio is hosted by Brazilian political philosopher named Olavo de Carvalho. Here is the link to his show, but it really won’t do you any good unless you speak Portugese. You see while on air, Olavo doesn’t utter a single word of English. Olavo’s political ideology is center right, which is a lonely place to be, given the Brazilian government is way left.

I am pleased that Olavo is able to use our platform to engage his audience. Obviously his audience is as well!!

Join the conversation.

Alan Levy
Chief executive officer, Blogtalkradio

A décima primeira solução

A revista Veja Rio publicou outro dia (domingo, 20/05/2007) uma reportagem abordando os principais problemas do trânsito do Rio, e sugerindo 10 soluções para melhorar a situação. Me chamou a atenção a ingenuidade das soluções sugeridas, por isso resolvi escrever este texto, propondo uma décima primeira solução, que, tenho certeza, não será implementada a curto prazo, mas pelo menos quem for minimamente inteligente vai ver que tenho razão.

Desde que eu fazia arquitetura venho defendendo que a solução para o tráfego de qualquer cidade grande não é espacial. Todas as metrópoles, mesmo as que têm ótimos metrôs, têm engarrafamentos. Quando você estuda história do urbanismo, descobre que na Roma Antiga já existia esse problema. É um erro achar que engarrafamento é coisa moderna. Tem um documentário (infelizmente não lembro o nome) que mostra que, assim que saiu o primeiro Ford vendido a prazo, as cidades abençoadas por essa grande oportunidade comercial passaram a ter engarrafamento em menos de um mês. As pessoas primeiro acharam que o problema se resolveria com o aumento da largura das ruas. Mas depois viram que isso não resolvia, porque quando você faz uma cidade confortável, mais pessoas passam a morar lá, mais pessoas compram carros, e logo a rua já está estreita de novo. Fazer mais metrôs, mais ruas, mais ônibus não vai resolver o problema. Eu não esqueço de um sujeito boboca que eu conheci uma vez que dizia que para solucionar esse problema as pessoas tinham que aprender a deixar o carro em casa e pegar o metrô. Ora, e por acaso o metrô já não está lotado? Alguém quer pegar o metrô, em São Paulo ou no Rio, nos horários de pico? Os ônibus também já estão lotados. E, mesmo que não estivessem, quem ia querer largar o seu carro para pegar um ônibus?! Ônibus é ruim demais, pelo amor de Deus!

O engraçado é que tem um monte de engenheiro (todos pagos pela prefeitura) trabalhando para resolver o problema, mas eles não conseguem achar a solução. Ela está lá, gritando, debaixo do nariz deles, mas eles não conseguem enxergá-la, primeiro porque são cegos, e depois porque querem ir embora às 18h e folgar aos domingos, como todo mundo.

Uma questão filosófica

Ah, esses moralistas!

Tudo o que é sólido…

Esse cara é bom.

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