blog do escritor yuri vieira e convidados...

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It’s raining again

Eu tinha uns 11 anos de idade quando nossa linda professorinha de inglês — lá no Colégio Spinosa, em São Paulo — teve a ótima idéia de nos fazer cantar I’s raining again, do Supertramp. A princípio, com a letra em mãos, parecia uma tarefa impossível. Mas ela conseguiu: no final da aula já éramos um côro infantil afiadíssimo. Tanto que o todo-poderoso e temido Marco César Spinosa, capitão-aviador reformado e diretor do colégio, veio à nossa sala presenciar o fenômeno. Todos se calaram e ficaram de pé. A professora ficou branca, sem saber se receberia ou não uma bronca. Já o Marco César, na época ainda solteiro, cravou uns olhos inesquecíveis sobre a linda maestra e nos mandou continuar. Pintou um clima. Toda a sala percebeu e as risadinhas das meninas foram constrangedoras. O diretor, um ex-militar, era fã de hinos e estava sempre nos fazendo cantar o Hino à Bandeira, o Nacional, o da Independência, do Aviador, da Proclamação da República, etc., etc. Mas ele nunca vira seus alunos cantarem em inglês. Seus olhos brilhavam. Ah, as mulheres…

Oh, está chovendo de novo,
Oh não, meu amor está acabando
Oh não, está chovendo de novo
E você sabe que é difícil fingir.

Oh não, está chovendo de novo
Muito ruim, estou perdendo uma amiga
Oh não, está chovendo de novo
Oh, meu coração vai se consertar?

Humanose

Meu amigo Ricardo Calaça, antropólogo e documentarista com quem dividi um apartamento na UnB, pode ter, na minha humilde opinião, péssimas opiniões políticas – acha que o Evo Morales está certo em roubar a Petrobrás, que devemos votar nulo, que os EUA são uns imperialistas do mal, etc. – mas é impossível negar: o Ricardo é um ótimo patafísico. Na Unb, por exemplo, ele vivia esquecendo o leite no fogão. Várias vezes, ao sentir cheiro de gás, tive de descer do mesanino para desligar a boca cujo fogo já havia sido apagado pelo leite derramado. Eu não ligava muito quando o leite era dele. Mas ficava grilado quando era comprado em sociedade. Um dia, ele fez de novo: quase metade do leite fugiu pelas bordas da leiteira, apagando novamente a chama. E olha que eu acabara de dizer: “Ricardo, deixe esses discos e não se esqueça do leite que você botou pra ferver, cara. Que mania de leitinho quente..” Depois, ele já botando o leite que sobrou numa caneca e eu puto de raiva: “Pô, meu, precisa ferver o leite? É pasteurizado, não é de fazenda.” E ele, com aquele seu sorriso cínico típico: “Yuri, você não entende nada de leite, rapaz. A gente precisa deixar derramar sempre. Você e a indústria dos laticínios acham que os germes morrem com a mudança de temperatura, mas eles morrem mesmo é na queda…” E tecia mil teorias a respeito da enorme altitude que a lateral duma leiteira tem diante das pequeninas bactérias e semelhantes.

Pois é, lembrei desse caso porque, neste último final de semana, as bactérias voltaram à baila.

Bruno Tolentino e o Cânone Ocidental

Morro de preguiça de ler meus vários diários/cadernos de anotações, mas às vezes abro um deles ao acaso. (Comecei a escrever diários aos 14 anos de idade, isto é, em 1985.) Hoje dei com essa anotação, de quando morava na Casa do Sol da Hilda:

25/08/00 – Hoje, o Bruno me emprestou The Great Divorce de C.S.Lewis. Acha que, de acordo com meus atuais interesses, é o melhor que posso ler. Ontem, aliás, o Bruno ficou lendo professoralmente, para mim, meu próprio exemplar de O Cânone Ocidental, do Harold Bloom. (Não estou com ele aqui agora para confirmar a grafia correta do nome, logo…) Bruno admira esse autor (seu ex-colega de docência), embora creia que não se pode avaliar e fruir completamente livros dos quais não se tem uma profunda vivência do idioma. Discorreu sobre vários escritores que, para ele, não deveriam – ou o contrário, deveriam – estar coligidos ali. Ele assume – por não ter amado, sofrido, pirado, trepado e cagado em alemão ou russo – ser incapaz de dizer se um autor qualquer, dentro dessas línguas, é grande, médio ou irrelevante. (E mais mil papos.)

O Garganta em erupção

As sincronicidades são mesmo fabulosas. O vulcão equatoriano Tungurahua (Garganta de fogo, em quechua) começou a vomitar cascalho, cinza e lava novamente. (Veja no Google Maps.) Aliás, ainda não expliquei o porquê de eu ter usado o nome e a foto desse vulcão no blog, mas qualquer dia o farei. (Há algumas fotos da minha escalada ao dito cujo no meu perfil. Fotos com mais de dez anos.) Pois é, o cume do vulcão, onde estive sentado (veja a foto) e em cuja neve enterrei um papel com uma citação de Nietzsche, já não existe desde 1999, quando explodiu. (A erupção anterior havia sido em 1925.) O fato é que, em 1999, alguns anos depois da minha escalada, eu também sofri algumas explosões internas que não vêm ao caso. Assim como estou novamente prestes a entrar em erupção: “Não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.” (Ah, essa raça irritável dos homens de letras! Tão cheia de frescuras…)

Enfim, eis os versos nietzscheanos que viraram fumaça:

“Vós outros olhais para cima quando aspirais elevar-vos.
Eu, como estou alto, olho para baixo.
Qual de vós podeis estar alto e rir-vos ao mesmo tempo?
O que escala elevados montes ri-se de todas as tragédias da cena e da vida.”
Zaratustra

No alto do vulcão, pensei com os zíperes do meu anorak North Face que Nietzsche certamente nunca subira ao cume dum “elevado monte”. Ao menos não nos Andes. (Enquanto o Tungurahua tem mais de 5000 metros, o Monte Branco, ponto culminante da Europa, não passa dos 4800 metros.) Do contrário, conheceria o microclima dessas montanhas, que as enche de nuvens, justamente no ápice da aventura, e não nos deixa ver ninguém lá de cima, muito menos rir das cenas da vida. A gente, tanto quanto o vulcão, fica é a ponto de explodir…

Que Deus ilumine o caminho daqueles que ali morreram esta semana. Hermanos, oiga lo que les digo, vivir cerca de un volcán es como vivir con una espada colgada sobre la cabeza… de toda la gente.

Macarrão Castro

Sempre que perco meu tempo com esse sociopata do Fidel Castro, me lembro das risadas dos meus amigos equatorianos, durante meu intercâmbio, sempre que falávamos do sujeito. Eu dizia “Fidel Castro” e os caras começavam a rir. Isso porque, enquanto meu espanhol ainda não estava afiado, eu usava a pronúncia brasileira, isto é, eles me ouviam dizendo “Fideo Castro”. E fideo, cá entre nós, é o vocábulo espanhol para macarrão. Bastante apropriado. Um figura que cria uma ditadura burocrática tão embaraçada e sangrenta quanto um prato de macarrão embebido em molho de tomate não podia ter outro nome.

A Sílvia morreu

Cada vez que morre um dos cães da Hilda Hilst sinto uma estranha pressão no peito: é como se a Hilda ainda não tivesse terminado de morrer. Agora foi a vez da Sílvia, filha do Zidane, o cachorrão com quem eu “lutava kung fu”. Na foto abaixo, de 1999: a diretora teatral Ana Kfouri, Hilda, eu e a Sílvia, sob a figueira da Casa do Sol.

Planetário virtual

“Todos nós estamos na sarjeta, mas alguns de nós olham para as estrelas.”
Oscar Wilde

“E quem olha se fode.”
Lori Lamby

As epígrafes acima são d’O Caderno Rosa de Lori Lamby, da Hilda Hilst. (Lori Lambi, com a língua, e não Lori Lêmbi, como pretendem alguns sem imaginação e sem humor.) Pois é, com o Brasil e o mundo do jeito que estão dá vontade de só ficar olhando pro céu. (Enquanto o PT vai nos fodendo com a ajuda do PCC, MST, MLST, VC, etc., etc.) Bom, fazer o quê, tenho ótimas lembranças dos passeios da pré-escola, em São Paulo, que nos levava ao Museu do Ipiranga, ao Zoológico, ao Playcenter, à Cidade da Criança, ao Jardim Botânico, ao Simba Safari, ao Butantã e, claro, ao Planetário do Parque do Ibirapuera. Vem daí – juntamente com os acampamentos do meu pai e com as noites na fazenda da minha avó materna – uma parte do gosto pela observação do céu. (Minha irmã é muito boa nisso.) Enfim, quem quiser alguma ajuda na identificação das constelações pode baixar e instalar esses planetários virtuais gratuitos: Stellarium e Celestia. O primeiro me parece mais útil, mas o segundo pode ser mais interessante para engambelar crianças barulhentas.

O técnico do Japão

Taí um video com os gols do Zico.

Embora esse cara tenha alegrado alguns momentos da minha infância, graças a um primo carioca também me encheu muito o saco. Sempre que ia com meus pais ao Rio de Janeiro, meu primo André me induzia a jogar futebol de botão com ele. Enquanto só me restava o time do Botafogo, ele era invarialvelmente Flamengo e todos os seus gols, claro, eram acompanhados por gritos de “Gooooool! Ziiiiiiico!!!!!” Ai, ai. Lá vem o cara de novo…

O Dia em que a Terra parou

Leia minha coluna deste mês no Digestivo Cultural.

New Order – Blue Monday

São Paulo, Julho de 1988. Eu tinha 16 anos e iria prestar a FUVEST no final do ano. Mas o mais importante para este então adolescente é que, naquele inverno, fiquei com uma descendente de alemães, numa “danceteria”, ao som de New Order (Blue Monday). A primeira “ficada” num club, boate, danceteria, discoteca ou coisa que o valha – finalmente um beijo com iluminação, trilha sonora e público!! – é algo que o nosso ego nunca esquece…

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