blog do escritor yuri vieira e convidados...

Categoria: interiores Page 3 of 11

Longe e Perto

51 horas depois, cheguei a Chiang Mai, cidade no norte da Tailândia (os colegas farão a fineza de acentuar meus textos depois). Saí de casa na segunda-feira última às 8:00h. Aportei aqui às 20:40h de ontem, quarta-feira, 10:40h aí no Brasil.

A viagem foi muito mais cansativa e longa que as muitas horas de van e monomotor no Xingu, mas, por incrível que pareça, viajei 30 mil km, estou do outro lado do globo, mas muito mais perto de casa que no interior do Mato Grosso.

Ei, Rosa! Estou até perto de você, não? Você até passou por aqui em seu caminho também de excessivas horas quando partiu para a Terra Média, não foi? Pena que não vai ser dessa vez que vou aí conhecer Frodo…

Estou mais perto de casa aqui que no interior do Mato Grosso. Estou até vendo se habilito meu celular. Em 32 dias no Xingu, me senti realmente distante. Aqui, nem tanto.

Em resumo, a Tailândia é o máximo. Tipo Ouro Preto, só que, ao invés de igrejas, santos tristes e mães dolorosas, templos, stupas e budas plácidos e sorridentes em cada esquina.

Mais, em breve.

Do ócio locomotivo ou Efeitos do Second Life

Acabo de chegar duma baita caminhada após ter deixado o carro sem combustível numa esquina qualquer dessa cidade. (Nunca ande ao mesmo tempo sem dinheiro e com o marcador escangalhado, um dia sua intuição irá falhar.) A caminhada numa cidade brasileira ordinária traz sempre a mesma paisagem entediante, por mais zen que você seja e por mais que acredite, como Thoreau, que não há lugar deserto o bastante para o poeta. Pouco importa: se você não está numa praia do Rio de Janeiro, no centro antigo de São Paulo, Salvador ou em algum lugar como Ouro Preto, Trancoso ou Parati, desista, entregue-se ao seu ócio locomotico e tente não dormir enquanto caminha, o que, aliás, teria sido excelente hoje. Bocejei tantas vezes que comecei a rir comigo mesmo, imaginando que seria ótimo ter um piloto automático atrás da nuca. Tudo isso porque buscava a terra perdida do Citybank, onde eu deveria – mas não consegui – receber minha grana da publicidade da Google. Não consegui pois, segundo o porteiro do prédio, a atual localização desse banco é um “mistério”. E ele tem razão: até a lista telefônica online traz o endereço e o telefone errados. É nessas horas que a gente fica com vontade de sair divulgando, a plenos pulmões, aquele filme do Mel Brooks: Que droga de vida! Contudo, ainda resta uma esperança. Se o Indiana Jones encontrou a Arca da Aliança, por que eu não poderia encontrar o Citybank? Um dia eu chego lá. Sim, um dia.

Outro pensamento que me assolou durante todo o trajeto foi: qual será a resolução do mundo? Digo, a resolução gráfica, porque é tudo tão bem definido. A gente vê os mínimos detalhes das flores e das árvores, uma coisa fascinante.

Você vai ficar deprimido

Você vai ficar deprimido, mas veja o documentário “Vocação do Poder”, de Eduardo Escorel.

A gente aprende na escola que a democracia foi uma conquista. O povo passou a escolher seus governantes e legisladores, e com isso as leis ficaram mais justas, mais favoráveis à igualdade. Há maior controle da população sobre os detentores do poder. O sistema de mandatos faz com que a câmara se renove ou se conserve, segundo o desempenho e a aprovação social dos políticos. Tudo muito lindo na teoria. Mas e na prática, como a coisa funciona? É isso que o filme procura mostrar. A equipe acompanhou seis candidatos a vereador na cidade do Rio. O diretor foi muito feliz na montagem, alternando momentos do dia da eleição, quando a adrenalina dos candidatos era máxima, com cenas das campanhas que vinham ocorrendo meses antes. Aos poucos você vai percebendo — quando não percebe logo de cara — que a maioria, mesmo que quisesse, nada poderia fazer pela população que a elegeu, a não ser pequenos favores como doar cadeiras de rodas e caixões. Os candidatos parecem nem saber a diferença entre executivo e legislativo. Acreditam que o vereador possa exercer funções como controle da polícia ou do sistema de saúde. É até difícil de acreditar, mas nenhum dos candidatos revela sequer uma proposta, nem nas reuniões internas dos partidos. Tudo que sabem fazer é recorrer a termos vagos, como “justiça social”, “debate”, “democracia”, que eles mesmos não saberiam definir. Alias, estou fazendo uma injustiça. Um dos candidatos tem uma proposta concreta. A construção de uma grande danceteria com palco para shows e desfiles. E é justamente o candidato do setor mais pobre da população. É claro que ele não fala em saúde e educação, todo mundo sabe que pobre precisa é de sexo e música ruim. Os candidatos de nível social melhor, que poderiam apresentar propostas mais concretas, sabem apenas abordar as pessoas na rua e dizer “Posso contar com você?”, ou coisa pior. E é isso que é mais deprimente: Justamente os mais instruídos, que têm um curso de Direito ou coisa aparecida, que poderiam expor propostas sérias e viáveis, ficam só naquele papo de “a gente precisa de alguém do Leblon lá em cima”. O filme só não deprime mais porque é bem feito. Pelo menos nossos documentaristas são bons.

Que seus olhos sejam atendidos

Lembram-se deste documentário do GNT? Ele foi realizado pelo cineasta Luiz Fernando de Carvalho durante uma viajem ao Líbano, juntamente com Raduan Nassar, cujo objetivo principal era pesquisar o ambiente social para o filme Lavoura Arcaica. Aliás, um belíssimo filme. Não era um documentário político, por isso apenas tangencialmente intrometia-se com Hamas e Hezbollah. Seu objetivo era mostar como viviam, diariamente, os libaneses. Há ali um Líbano que não aparece nas manchetes dos jornais, que não é filiado ao partido de Deus (nenhum deles todos que são um? Alguém entende?); um Líbano de existência milenar.

Ao assistir o documentário, a certa altura, me dei conta de que havia uma perspectiva de vida se formando no Líbano, algo que nunca foi claro para as gerações que nasceram durante os 20 anos de guerra civil aditivada pelo eterno conflito Israel-Palestina (1970 – 1990). Depois de passar a década de 90 inteira reconstruindo seu país, os libaneses – principalmente a juventude – podiam começar a conviver com uma coisa bastante trivial para nós: uma idéia de futuro.

Ele nunca disse a ninguém

Ele ficou chocado quando fez a descoberta. Estava na cama, o corpo nu recebia uma brisa suave de maio. Ela tinha ido ao banheiro, não gostava de ficar com sêmen entre as pernas. Quando voltou, deitou com a cabeça sobre o peito dele, disse as palavras carinhosas que costumava dizer nessa ocasião. Falou sobre casamento, sobre a felicidade de ter encontrado a pessoa certa. Ele se perguntava se devia lhe contar a novidade — a coisa acabava de se revelar, clara e serena como um reflexo de lua. Mas sua namorada era muito bonita, ele temia perdê-la. E o pior é que ela se culparia por tudo. Buscaria o motivo nalgum lugar do seu corpo, na barriga, nas mínimas estrias, na cor do cabelo — talvez no estranho cheiro de rosas queimadas, que ela exalava principalmente depois do sexo. Ela era mulher, não podia evitar o prazer misterioso da culpa. E por isso mesmo ele resolveu se calar. Não queria correr o risco de torná-la infeliz como uma divorciada. Se nunca mais pensasse no assunto, talvez a revelação passasse despercebida. Talvez desistisse de se mostrar, e bateria em outra porta, como essas pessoas que vêm pedir para campanhas de caridade. E, de fato, protegido pela rotina, Paulo conseguiu esquecer o assunto. Sua namorada não percebeu, e ele nunca disse a ela, nem a ninguém, que não gostava de sexo.

Marioneteiro

Começou a desejar muito tornar-se amigo do tempo.

Antes, tinha atrás o passado, que mirava com nostalgia, e adiante o futuro, incerto oceano de ansiedade e risco. No romance retrospectivo, cada passo adiante fora uma perda. De acúmulo, só o descarte, o que não tinha, as bifurcações abandonadas. Nas mãos, um imenso vazio. O presente se convertera em um buraco sem beira nem fundo que terra nenhuma poderia preencher. O futuro, um infinito monte de terra sem buraco à vista.

Mas depois entendeu que o tempo, o tempo mesmo, é só o presente, o aqui e o agora.
Entendeu que o tempo podia ser amigo, ou antes, que o tempo era ele mesmo – ponte, salto, curto-circuito, fagulha, arremesso, passe, marioneteiro, equilibrista equilibrando dois pratos sobre as varetas.

Ficou mais calmo.

Espreita

Ando tentando surpreender a mudança, mas a mudança não se deixa surpreender.

Exorcizando o Zeitgeist

Do Júlio Lemos:

Muitas pessoas dizem que a doutrina da Igreja deveria mudar, porque “os tempos mudaram”. Esta proposição implica que antes havia uma concordância entre “os tempos” e a doutrina da Igreja, ou ainda que “os tempos” são a causa da doutrina da Igreja, e não a Revelação. Mais do que desejar que a Igreja se adeque ao mundo, os proponentes dos “tempos” desejam que a Igreja abdique de qualquer fundamento sobrenatural, desde o qual os tempos possam ser julgados.

Mas também negam, por tabela, que exista qualquer verdade natural e perene, e é aí que está a sua autocontradição: afinal, por que deveríamos tomar a mudança dos “tempos” como critério fixo e acima dos tempos? É a velha e primária discussão: quem diz que não há verdade não pode dizê-lo sem crer estar enunciado uma verdade; quem estabelece o tempo não pode ser critério para o tempo porque uma coisa só pode ser medida por outra coisa. Posso medir minha mesa em centímetros; se eu medisse a minha mesa por ela mesma, eu nada diria a respeito da minha mesa. Portanto há sempre um absoluto contra vários relativos, um fixo em relação a vários móveis, algo que fica e que por isso mesmo nos faz ver que há algo que passa.

A Coisa Simples

Certos espíritos dificilmente admitem que uma coisa simples possa ser bela, e menos ainda que uma coisa bela é, necessariamente, simples, em nada comprometendo a sua simplicidade as operações complexas que forem necessárias para realizá-la. Ignoram que a coisa bela é simples por depuração, e não originariamente; que foi preciso eliminar todo elemento de brilho e sedução formal (coisa espetacular), como todo resíduo sentimental (coisa comovedora), para que somente o essencial permanecesse. E diante da evidente presença do essencial, não o percebendo, até mesmo fugindo a ele, o preconceituoso procura o acessório, que não interessa e foi removido. Mais pura é a obra, e mais perplexa a indagação: “Mas é somente isto? Não há mais nada?” Havia; mas o gato comeu (e ninguém viu o gato).

(Carlos Drummon de Andrade, Confissões de Minas — Caderno de Notas. In OBRA COMPLETA. Rio, Aguilar, 1964, p. 591)

Dia da Libertação dos Solteiros

Pedro e JulianaDia 13 de Maio, nosso bróder e colaborador Pedro Novaes se casará com nossa bela sister Juliana. Sim, mais dois a obedecer o “crescei e multiplicai-vos”. Monteiro Lobato, em cartas a seu amigo Rangel, costumava fazer críticas ao casamento e ao conseqüente fim da liberdade que só o solteiro supostamente tem. Claro, ele tinha apenas vinte e poucos anos de idade e não sabia de quase nada. Porque, depois que se casou com Purezinha (“linda e mais inteligente do que eu”), descobriu que os solteiros é que vivem escravizados à idéia de encontrar “a escolhida” ou, o que é pior, escravizados à perene necessidade de arranjar outra, mais outra e ainda outra provisória cara metade. Tal é o grilhão que prende o ego à concepção de que a experiência se ganha com quantidade e não com qualidade de relações. Quem está casado, descobriu ele, se abre ao mundo inteiro e ao além; quem está solteiro só pensa no sexo oposto, pensamento este que ofusca todos os demais…

Francis Ford Coppola, por seu turno, falou algo muito próximo disso em sua entrevista ao James Lipton no Inside Actors Studio. Ao ser indagado se seu casamento precoce não atrapalhou sua carreira, disse que muito pelo contrário, que, se não tivesse se casado tão cedo, teria demorado muito mais para realizar seus projetos, porque a família o fez colocar os pés no chão e finalmente avançar, a passos largos, pela realidade, pois os filhos precisavam comer, a vida tornou-se urgente. De fato, Coppola disse que fica impressionado cada vez que ouve um jovem diretor ou roteirista afirmando que pretende primeiro construir uma carreira estável para só depois se casar. Disse ele: “Apenas minha mulher e meus filhos me deram a motivação e a inspiração necessárias para fazer os filmes que fiz. Tenho pena desses jovens que pensam o contrário…”

Por fim, há também a excelente frase do tio dum amigo meu de São Paulo. Diz ele: “Homem que não casa, vira um traste…” Eu, por exemplo, estou em pleno processo de trastização… 🙂

Enfim, que Deus abençoe sua união, Pedro e Juliana. Sejam felizes e, antes de felizes, sejam a força um do outro. Se um dia eu me tornar um homem trilhardário – ahahahahaha, pobre de mim – comprarei um quadro como este do Marc Chagal para vocês:

Marc Chagal

Besos y abrazos
del amigo
Yuri

Page 3 of 11

Desenvolvido em WordPress & Tema por Anders Norén