blog do escritor yuri vieira e convidados...

Categoria: Viagens Page 20 of 38

No Sertão de Goiás

Enquanto vocês ralavam durante essa semana, eu caminhava pelas espetaculares paisagens do sertão mais profundo de Goiás, na Terra Kalunga, rincão da Chapada dos Veadeiros. Na verdade, foi também a maior ralação. Quatro dias, cerca de 85 km de trilhas percorridas, mochila aí pelos 20 kg, 38 graus sob o sol do meio-dia no Vão do Moleque.

Mas tudo isso no cenário mais espetacular do Cerrado brasileiro, contemplando um cânion que rivaliza com os Aparados da Serra, tomando banhos em águas cristalinas e aliviando os ombros cansados sob maravilhosas cachoeiras nos finais de dia. E na companhia de dois grandes amigos, guiado, acompanhado e recebido pela hospitalidade e sabedoria do povo Kalunga.

Os Kalunga são o maior remanescente de quilombo do país, cerca de cinco mil descendentes de escravos fugidos das minas e engenhos locais, da Bahia e de Minas Gerais. Eles se esconderam nas serras e nos vãos distantes do norte de Goiás e do sul do Estado do Tocantins, próximos ao Rio Paranã.

Aguardem relato completo e fotos para breve.

Lugares-Memória V

Hospedaria da Estação, Puente del Inca, Argentina

Descer do sofrimento de uma grande montanha como o Aconcágua imprime enorme valor às pequenas coisas que cruzam nosso caminho. Em Puente del Inca, primeiro resquício de civilização após a descida do campo-base da maior montanha das Américas, a antiga estação ferroviária transformou-se em um refúgio de montanhistas desesperados por comida de verdade, banho, uma cama limpa e ouvidos dispostos a acolher suas angústias, alegrias e sofrimentos. A pequena família que nos recebe ali sabe fazer isso melhor do que ninguém, após tantos anos acompanhando subidas e descidas, sucessos e fracassos, tragédias. Gente do mundo inteiro se reúne ali sob o espírito comum de camaradagem, curiosidade mútua, avidez pelo diferente e pelo novo.

Com as mãos do diabo (conto)

Aquela noite foi a primeira em que ela se sentiu realmente esposa, porque teve de esperar. Ele não veio às dez, não veio às onze, e à meia-noite também não conheceu o calor infernal que já lhe queimava o ventre. As roupas foram para o chão. O lençol, esfregando-se em seu corpo, chegou mesmo a parecer um outro corpo, leve como de criança, porém ligeiramente áspero, como os primeiros pêlos de um adolescente. E foi mesmo a juventude, com seu ímpeto de descoberta, que tomou aquelas mãos delicadas e as fez descer sobre um ventre que já ardia como a própria pele do diabo. Quando abriu a porta de casa, o marido ouviu os gemidos da secreta agonia. Quis matar o amante, depois de invejá-lo pelos gritos sinceros que ele arrancava da sua mulher. Na cozinha, escolheu a faca mais afiada. Chegou ao quarto pronto para esquartejar o próprio diabo, se ele tivesse corpo. Mas o diabo era apenas um calor úmido que agora se esvaía do corpo dela. Não havia mesmo ninguém no armário. Na cama, uma mulher exausta e um lençol molhado. O marido sabia o que tinha acontecido, ou antes, pensava que sabia. Na verdade só ela conhecia o segredo daquela descoberta: um segredo que ela não revelaria a um homem que se atrasara mais de duas horas. Dormiram calados. Ele aturdido pelo medo, ela com um riso nos lábios.

O urubu e o amor

Sexta-feira passada assisti, en passant, ao Globo Repórter sobre animais de estimação. Pensei que a coisa toda se resumiria àquela chatice de sempre, aaah, os lindos cãozinhos, gatinhos, coelhinhos, etc. e tal, sempre aquele negócio de gente que, não tendo filhos, tampouco troca “seu cachorro por uma criança pobre”. (Até gosto de bichos, mas, puts, pelo amor de Deus, neguinho exageeera na dose. Não viajar por causa dum cachorro que, coitado, vai estranhar aquele nosso amigo que se dispôs a alimentá-lo? Sair de casa à meia noite pro sacripanta peludo poder cagar? Deixar o bicho lamber minha boca, meus dentes, minha língua? Ah, me poupe. Isso é bem coisa de mulherzinha. Eu morei com os oitenta cães da Hilda Hilst, fiz amizade com vários, mas esses espertalhões não me enganam não.) Enfim, tirando aquela grande idéia de colocar passarelas-prateleiras pros gatos poderem circular aereamente pela casa – o que significa que não precisarei mais chutá-los sempre que cruzarem meu caminho – tirando essa idéia, nada mais referente aos animais de praxe me chamou a atenção. O incrível mesmo foi a história da Loira, uma urubua feia, asquerosa, mas… mas… tão lindinha! Até chorei.

Praias Patagônicas

Há coisa mais angustiante e triste que uma praia selvagem num dia cinzento e de vento? E essas praias pedregosas nas altas latitudes, onde o vento nunca cessa, onde nunca nunca há ninguém, e onde esses estranhos troncos retorcidos que parecem exprimir o que sou vêm dar à costa? Eu sempre sonho que caminho, esquecido pelo mundo, por uma dessas praias patagônicas à tua procura.

Lugares-Memória IV

Hotel Jacuzzi, Monte Roraima, Venezuela

Minhas mãos abraçam a caneca de café quente e é como se meu corpo todo a envolvesse. Da porta da barraca, agora seco e agasalhado, contemplo a paisagem surreal que se desdobra: a dança da névoa e das nuvens num amplo anfiteatro de rocha cinzenta, cujas formas lembram os delírios góticos de Gaudi, e depois um gigantesco paredão de mais de 500 metros que mergulha na indevassada selva da Guiana. Desse monolito de rocha, despencam, lado a lado, nada menos que oito cachoeiras descomunais.

Os abrigos de pedra onde os aventureiros acampam no topo do Monte Roraima, um dos lugares mais espetaculares em que já estive, são conhecidos como “hotéis”. Eu tive a sorte de me hospedar num dos melhores, o Jacuzzi, assim batizado pela piscina natural que se forma nas proximidades. De suas confortáveis instalações, descortina-se a “Ventana de la Guyana”, o espetacular mirante que contempla a densa floresta deste desconhecido país vizinho.

Leia meu relato completo dessa viagem no Nomad.

Uma tentativa de explicar o amor

A história da literatura está repleta de casos em que uma jovem se apaixona por um poeta ou por um artista devasso e mais tarde o deixa para se casar com um empresário bem sucedido. Essas histórias revelam um aspecto fundamental da natureza da psique feminina, que muitas vezes escapa às próprias mulheres, mas que nunca deixa de se manifestar na realidade.

Na juventude a mulher precisa se entregar a experiências de transgressão para descobrir, por si mesma, a utilidade e a necessidade da disciplina e das normas sociais. Também é comum que ela queira adotar qualquer comportamento que esteja em franco contraste com as normas e os conceitos de seus pais, para medir a autoridade que eles têm sobre ela. Assim, o poeta marginal, o artista devasso, o hippie doidinho ou, nos casos mais extremos, um criminoso verdadeiro, aparecem como os homens que possibilitarão à mulher viver as experiências que ela precisa viver naquele período; e ela se sentirá atraída por eles. Além disso, é nesse período que a mulher precisa medir a sua própria capacidade de seduzir e é natural que ela queira “testar-se” com algum homem antes de partir para o relacionamento que ela julga que realmente a realizará.

O Irmão Morto

Foi somente quando meu filho, com justificada dureza, afirmou que cuidaria do cadáver de seu irmão, que compreendi que deixara de ser criança.

“O que a senhora acha? Que vou deixar que o homem do necrotério prepare o corpo, como um taxidermista estufando um pássaro para a vitrine de um museu?”, disse ele entre lágrimas.

O pranto dolorido me subiu o peito de imediato. Duas mortes de dois filhos no mesmo dia me faziam querer morrer também. O primeiro morrera sem deixar de ser criança para mim, o segundo morria deixando de sê-lo.

Mapas, rotas, combustível, pedágio…

Realmente excelente este serviço de Mapas Rodoviários do Portal Banco Real. Ótimo para planejar viagens: você diz qual é a cidade de origem, a de destino, quantos quilômetros seu carro faz com um litro de gasolina e ele rapidamente lhe fornece os mapas com a melhor rota, o preço total do combustível a ser gasto, a quilometragem total e inclusive o valor dos pedágios. Ah, claro, também informa em quais cidades há caixas eletrônicos 24horas, agências do Banco Real e em que pontos do trajeto há a possibilidade de o tanque estar já vazio. (!) Guarde o link para as próximas férias…

Lugares-Memória III Memory Places III

Rio Encantado, Goiás, Brasil

Esse é meu grande esconderijo. Paraíso de mil aventuras na infância, onde eu buscava traços das estranhas terras descritas por Tolkien. É o lugar onde desenvolvi os sentimentos que me unem a isso que chamamos de “natureza” – um misto de embevecimento e saudade de algo que não posso precisar; algumas vezes paz profunda, outras, um forte medo de algo que parece prestes a me engolir.

O Encantado é água verde sobre rocha num imenso jardim japonês de Cerrado. Um canto escondido perto de onde o Araguaia ruge furioso em seu cânion.

Encantado River, Goiás, Brazil

This is my hideout. A paradise of a thousand childhood adventures, where I sought hints of the strange lands described by Tolkien. The place where I developed the feeling that bonds me to what we call “nature” – a mixture of astonishment and of missing something I cannot precise; sometimes a deep inner peace, others, a strong fear for something that seems about to swallow me.
Encantado River is green water over rock inside a huge Japanese garden in the Brazilian savannah. A hidden corner near where the Araguaia River furiously roars through its canyons.

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