blog do escritor yuri vieira e convidados...

Mês: janeiro 2006 Page 1 of 9

Pêlos

Eu invejava todo aquele carinho. As mãos deslizando sobre a barriga, o tórax, o pescoço, aquela lentidão indecente de peixe de aquário. Imóvel, trancado na minha própria vergonha, eu desejava participar duplamente da carícia: sentir as mãos dela pelo meu corpo, e tocar — por que não? — a aspereza mole dos pêlos dele. A cena, quase vil de tão explícita. Mais de uma vez quis interrompê-los, mas só de olhar eu já comungava um pouco daquele balé. Se não era convidado a subir no palco, pelo menos completava o drama como espectador; ouvia os gemidos com modesta agonia. Mais tarde eu teria aqueles pêlos à minha disposição, mas as mãos dela, as mãos que me curariam dessa dor fina e enjoada, estariam no corpo de outro, talvez com o mesmo prazer que tinham no dele. Já estava com ciúmes quando ela se despediu:

— Ele já está quase bom, acho que não vou precisar mais vê-lo.

— Nem mais uma vez?

— Me ligue se ele tiver uma recaída.

Em casa, pego o cartão (Renata — Clínica Veterinária São Francisco de Assis) e penso no que vou dizer ao telefone. Talvez simplesmente a verdade: quero que ela me trate como um cachorro.

LavourArcaica

Neste final de semana que passou, revi o filme LavourArcaica, de Luiz Fernando Carvalho. Chego à conclusão de que se trata de um dos melhores filmes brasileiros de todos os tempos.

Em primeiro lugar, importante ressaltar, é um raríssimo exemplo de roteiro adaptado de peça literária em que o filme está à altura do livro que o originou. E de que altura estamos falando! Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar é, sem dúvida, um dos maiores livros brasileiros de todos os tempos. A ousadia de adaptá-lo demonstra a coragem do cineasta. O mestre Hitchcock, por exemplo, que não era bobo nem nada, disse a François Truffaut que era uma loucura tentar trazer para a tela grandes romances. “Essas histórias já encontraram sua melhor forma na literatura. O filme estará sempre abaixo”, diz ele. (Truffaut achava que Alfred deveria filmar Crime e Castigo por considerá-lo uma típica trama hitchockiana).

As delícias da banca

Em artigo ontem na Folha, Luís Nassif aponta como um dos principais obstáculos a quedas mais consistentes nos juros, o fato de que um grupo restrito de bancos e grandes empresas, com acesso a créditos no exterior, faz cotidianamente fortunas à custa da viúva aqui, tomando dólares e euros a juros de 4% ao ano lá fora e aplicando-os aqui dentro em títulos públicos que rendem 20% ao ano. Segundo ele, de 45% a 50% (!!!) de nossa dívida pública lastrea hoje operações deste tipo. Num exemplo fictício, Nassif calcula que um investidor que, em 2003, tenha tomado US$ 10 milhões no exterior e os reaplicado no Brasil, três anos depois paga sua dívida lá fora com os juros devidos, sobrando-lhe um lucro de US$ 14 milhões!

É para isso que serve o superávit fiscal conseguido à custa dos impostos noruegueses que o senhor ou a senhora paga e dos serviços públicos africanos que recebe. E depois os juros não caem por conta da inflação e da inadimplência. Acredita quem quer.

1110 membros

E a comunidade Comédia da vida universitária!, referente a meu livro (não direi o nome para não chatear o Ronaldo Roque que não agüenta mais o fato de eu só ter publicado um título e ainda continuar falando dele), já está com 1110 membros. Agradeço a todos pelo apoio.

Hamas

Não falta ironia ao destino. Primeiro, o linha dura Sharon peita o likud e retira assentamentos judeus da palestina (talvez o maior passo dado, até hoje, em direção à paz na região); agora o hamas vence as eleições para o parlamento palestino. Imediatamente o ácido clorídrico começou a borbulhar nos estômagos ocidentais. “Como pode haver um Estado palestino entregue a um grupo terrorista?” disse Reinaldo Azevedo, do Primeira Leitura. “A primeira coisa é assegurar que o Hamas trabalhe dentro desse quadro: os acordos de Oslo, o mapa do caminho, a idéia de dois Estados convivendo pacificamente”, disse o primeiro ministro do Egito. “Se o hamas não reconhecer o estado de Israel, não há diálogo” disse, por sua vez, o primeiro ministro de Israel, Ehud Olmer. Bush disse ver “com preocupação” a ascenção dos terroristas ao poder. Pois é, a autonomia do povo palestino passa pelo governo do Hamas. A democracia na palestina igualmente. Viva a democracia!!

Blog do Ronaldinho Gaúcho

E não é que o Ronaldinho Gaúcho – sabe, aquele cara que conseguiu a proeza de me deixar com vontade de voltar a jogar futebol – agora tem seu próprio blog? (Veja aqui.) E isso em pleno ano de Copa do Mundo!

Vale dizer que aquela “vaquinha para comprar o Ronaldinho” não era senão a minha forma enviesada de prestar homenagens a esse cara que desperta a criança adoradora de bolas que há dentro de nós.
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P.S. 24/03:
ATENÇÃO “CRIANÇA CRIANÇA” OU “CRIANÇA ADULTA”: ESTE BLOG NÃO É O BLOG DO RONALDINHO. EU APENAS COMENTEI SOBRE O DITO CUJO AÍ ACIMA. SIGA O LINK CITADO E DEIXE SEU COMENTÁRIO LÁ, CASO CONTRÁRIO ELE NEM SE DARÁ CONTA DA SUA EXISTÊNCIA. ANALFABETO FUNCIONAL É AQUELE QUE ACHA QUE SABE LER MAS NÃO SABE, CONFUNDE TUDINHO TUDINHO O TEMPO TODO. FIQUE LIGADO, SENÃO, QUANDO CRESCER, VOCÊ JAMAIS CONSIGUIRÁ JOGAR BEM COMO ELE OU ESCREVER TÃO BEM QUANTO EU. FUI!!!!

Copulando com o Mao

Um pouco atrasada, mas essencial. Mais um bonito exemplo de cópula entre capital e comunismo.

Depois do Yahoo entregar o nome de um jornalista dissidente ao governo de Beijing e da Microsoft tirar do ar um blog a pedido dos mesmos camaradas, agora é a vez do Google concordar com a censura chinesa para lançar o endereço google.cn e aumentar seu acesso ao que, em breve, deve se tornar o maior mercado da Internet. A CNN noticia (assista ao vídeo disponível e veja a diferença entre os resultados de busca no google.com e no google.cn).

Cada louco…

Desculpem-me, mas é engraçado. Da Reuters:

Prometendo destruir Jesus do ponto de vista histórico, um ateu italiano levou sua cruzada profana à Justiça na sexta-feira, abrindo um processo para que se comprove ou não a existência de Cristo. “Jesus é ficção”, disse Luigi Cascioli. “A Igreja está enganando as pessoas, e deve ser responsabilizada.”Cascioli evocou a chamada lei do “Abuso di Credulitá Popolare” (abuso da fé pública) contra um conterrâneo que foi seu colega durante a rápida passagem dele por um seminário católico, há cerca de 60 anos. Enquanto Cascioli se tornou um ateu convicto, seu amigo Enrico Righi virou padre e articulista de um jornal católico local.

Ele diz que Righi, numa edição de 2002 na qual escreveu sobre “o homem” Jesus, violou a lei italiana, por não ter provas da existência histórica de Cristo. Após a audiência preliminar de sexta-feira, o juiz deve decidir se admitirá o processo, o que é pouco provável num país tão católico quanto a Itália.

No Sertão de Goiás

Enquanto vocês ralavam durante essa semana, eu caminhava pelas espetaculares paisagens do sertão mais profundo de Goiás, na Terra Kalunga, rincão da Chapada dos Veadeiros. Na verdade, foi também a maior ralação. Quatro dias, cerca de 85 km de trilhas percorridas, mochila aí pelos 20 kg, 38 graus sob o sol do meio-dia no Vão do Moleque.

Mas tudo isso no cenário mais espetacular do Cerrado brasileiro, contemplando um cânion que rivaliza com os Aparados da Serra, tomando banhos em águas cristalinas e aliviando os ombros cansados sob maravilhosas cachoeiras nos finais de dia. E na companhia de dois grandes amigos, guiado, acompanhado e recebido pela hospitalidade e sabedoria do povo Kalunga.

Os Kalunga são o maior remanescente de quilombo do país, cerca de cinco mil descendentes de escravos fugidos das minas e engenhos locais, da Bahia e de Minas Gerais. Eles se esconderam nas serras e nos vãos distantes do norte de Goiás e do sul do Estado do Tocantins, próximos ao Rio Paranã.

Aguardem relato completo e fotos para breve.

E João entrou no armário…

João fechou os olhos e decidiu. Levantou-se da cama com cuidado e caminhou até o armário. Abriu a porta, examinou um pouco o interior no escuro e entrou. Era quase de manhã. Antonieta chegou a acordar com um ruído. Viu o marido andando e voltou a dormir.

“Ai, meu Deus!!!!”, disse Antonieta ao abrir a porta do armário. “Quer me matar de susto!!! Pensei que fosse um rato.”

“Tá maluca, mulher. E eu lá tenho cara de rato?”

“Sei lá. Só vi algo se mexendo entre as roupas… Mas Jo-ão (ela sempre pronunciava o nome do marido assim, pausadamente), o que você tá fazendo aí??”

“Resolvi entrar. Não sei, me enchi do que tem aí fora.”

“E vai ficar aí dentro pra sempre?”

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