blog do escritor yuri vieira e convidados...

Mês: janeiro 2006 Page 2 of 9

A literatura no umbral

Escreveu Claudinei Vieira, do Desconcertos:

Alguém precisa ir lá bater na porta da literatura européia. Mexer no colchão, trocar a cadeira, dar uma chacoalhada, assobiar. Para que acorde. E não continue a nos fazer dormir. Parece que se perdeu alguma coisa de verve, de fogo, de urgência. De beleza, talvez. Formalmente bem construída sem dúvida; não se nega que saibam escrever, são séculos de cultura constituída. O problema é que se há de tomar cuidado em que não esteja fossilizada.

Creio que os caras, isto é, os escritores ocidentais em geral, e os europeus em particular, ainda demorarão muito para engolir aquilo que foi prenunciado – cada qual a seu modo – por Vico, Spengler e Harold Bloom: a “nova” Literatura só existirá quando os escritores passarem a respirar ao compasso da “nova” Era Teocrática em cujo umbral ora estamos…

Lugares-Memória V

Hospedaria da Estação, Puente del Inca, Argentina

Descer do sofrimento de uma grande montanha como o Aconcágua imprime enorme valor às pequenas coisas que cruzam nosso caminho. Em Puente del Inca, primeiro resquício de civilização após a descida do campo-base da maior montanha das Américas, a antiga estação ferroviária transformou-se em um refúgio de montanhistas desesperados por comida de verdade, banho, uma cama limpa e ouvidos dispostos a acolher suas angústias, alegrias e sofrimentos. A pequena família que nos recebe ali sabe fazer isso melhor do que ninguém, após tantos anos acompanhando subidas e descidas, sucessos e fracassos, tragédias. Gente do mundo inteiro se reúne ali sob o espírito comum de camaradagem, curiosidade mútua, avidez pelo diferente e pelo novo.

Com as mãos do diabo (conto)

Aquela noite foi a primeira em que ela se sentiu realmente esposa, porque teve de esperar. Ele não veio às dez, não veio às onze, e à meia-noite também não conheceu o calor infernal que já lhe queimava o ventre. As roupas foram para o chão. O lençol, esfregando-se em seu corpo, chegou mesmo a parecer um outro corpo, leve como de criança, porém ligeiramente áspero, como os primeiros pêlos de um adolescente. E foi mesmo a juventude, com seu ímpeto de descoberta, que tomou aquelas mãos delicadas e as fez descer sobre um ventre que já ardia como a própria pele do diabo. Quando abriu a porta de casa, o marido ouviu os gemidos da secreta agonia. Quis matar o amante, depois de invejá-lo pelos gritos sinceros que ele arrancava da sua mulher. Na cozinha, escolheu a faca mais afiada. Chegou ao quarto pronto para esquartejar o próprio diabo, se ele tivesse corpo. Mas o diabo era apenas um calor úmido que agora se esvaía do corpo dela. Não havia mesmo ninguém no armário. Na cama, uma mulher exausta e um lençol molhado. O marido sabia o que tinha acontecido, ou antes, pensava que sabia. Na verdade só ela conhecia o segredo daquela descoberta: um segredo que ela não revelaria a um homem que se atrasara mais de duas horas. Dormiram calados. Ele aturdido pelo medo, ela com um riso nos lábios.

Essas Contraditórias Mulheres

O que me encanta nas mulheres é sua dupla capacidade para a mais profunda razão e o amor mais generoso. As mulheres sabem ser, ao mesmo tempo, pragmáticas e altruístas. São pragmáticas, sem serem frias, e generosas sem ilusão. Ser pragmático é saber que pouco pode ser muito e que tudo na vida depende de escolhas e, por isso, tem um preço. Ser generoso é doar-se incondicionalmente. Elas, curiosamente, se é que entendi alguma coisa, constróem essa generosidade e esse amor desmedido precisamente sobre esse pragmatismo. E isso é o mais curioso e paradoxal. Sabem que não se pode ter tudo e, ainda assim, ou justamente por isso, se entregam e embalam o mundo em seus braços. Nós homens, ao contrário, não nos entregamos a esse paradoxo. Nossa razão, de outro tipo, dificulta essa generosidade e a tranqüilidade das escolhas. Exatamente porque não se pode ter tudo, não vale à pena querer pouco. Estamos condenados. Mas, felizmente, condenados ao lado de mulheres.

O urubu e o amor

Sexta-feira passada assisti, en passant, ao Globo Repórter sobre animais de estimação. Pensei que a coisa toda se resumiria àquela chatice de sempre, aaah, os lindos cãozinhos, gatinhos, coelhinhos, etc. e tal, sempre aquele negócio de gente que, não tendo filhos, tampouco troca “seu cachorro por uma criança pobre”. (Até gosto de bichos, mas, puts, pelo amor de Deus, neguinho exageeera na dose. Não viajar por causa dum cachorro que, coitado, vai estranhar aquele nosso amigo que se dispôs a alimentá-lo? Sair de casa à meia noite pro sacripanta peludo poder cagar? Deixar o bicho lamber minha boca, meus dentes, minha língua? Ah, me poupe. Isso é bem coisa de mulherzinha. Eu morei com os oitenta cães da Hilda Hilst, fiz amizade com vários, mas esses espertalhões não me enganam não.) Enfim, tirando aquela grande idéia de colocar passarelas-prateleiras pros gatos poderem circular aereamente pela casa – o que significa que não precisarei mais chutá-los sempre que cruzarem meu caminho – tirando essa idéia, nada mais referente aos animais de praxe me chamou a atenção. O incrível mesmo foi a história da Loira, uma urubua feia, asquerosa, mas… mas… tão lindinha! Até chorei.

Debate na Ala Oeste

Santos X Vinick

Fim de semana passado, enquanto zapeava pela Net, fiquei surpreso ao me deparar com um profícuo debate entre dois candidatos à presidência dos EUA: o deputado democrata Matt Santos (juro que não é meu parente) e o senador republicano Arnold Vinick. Nunca ouviu falar deles? Muito justo, afinal, tratava-se de mais um episódio do seriado “The West Wing”, o conhecido simulacro reverso do Big Brother orwelliano, isto é, o pseudo-reallity show no qual os poderosos é que são vistos. No entanto, a disputa fictícia entre os candidatos não trazia temas ou problemas irreais, senão que, para quem até hoje não conhece a diferença entre essas duas correntes da democracia americana – a democrata e a republicana -, esse episódio serviu de introdução, uma vez que ficaram bem evidentes as diferenças de princípios entre os debatedores.

Praias Patagônicas

Há coisa mais angustiante e triste que uma praia selvagem num dia cinzento e de vento? E essas praias pedregosas nas altas latitudes, onde o vento nunca cessa, onde nunca nunca há ninguém, e onde esses estranhos troncos retorcidos que parecem exprimir o que sou vêm dar à costa? Eu sempre sonho que caminho, esquecido pelo mundo, por uma dessas praias patagônicas à tua procura.

Lugares-Memória IV

Hotel Jacuzzi, Monte Roraima, Venezuela

Minhas mãos abraçam a caneca de café quente e é como se meu corpo todo a envolvesse. Da porta da barraca, agora seco e agasalhado, contemplo a paisagem surreal que se desdobra: a dança da névoa e das nuvens num amplo anfiteatro de rocha cinzenta, cujas formas lembram os delírios góticos de Gaudi, e depois um gigantesco paredão de mais de 500 metros que mergulha na indevassada selva da Guiana. Desse monolito de rocha, despencam, lado a lado, nada menos que oito cachoeiras descomunais.

Os abrigos de pedra onde os aventureiros acampam no topo do Monte Roraima, um dos lugares mais espetaculares em que já estive, são conhecidos como “hotéis”. Eu tive a sorte de me hospedar num dos melhores, o Jacuzzi, assim batizado pela piscina natural que se forma nas proximidades. De suas confortáveis instalações, descortina-se a “Ventana de la Guyana”, o espetacular mirante que contempla a densa floresta deste desconhecido país vizinho.

Leia meu relato completo dessa viagem no Nomad.

Que viva o imperador

37° no termômetro da Henrique Schaumann. Depois de sushi à sombra das árvores no Sumaré, me abrigo no ar condicionado do Arteplex e nas paisagens gélicas de A Marcha do Imperador

Não sei dizer se foi o melhor documentário que já vi. Mas com certeza foi o mais bonito.

As paisagens do filme de Jean Luc Jacquet são magníficas. E, de fato, a vida do pingüim imperador vale um romance. A idéia de misturá-los (vida e drama) como forma narrativa para mostrar como eles vivem — e sobrevivem — no mais inóspito dos hábitats funciona perfeitamente. Não por acaso foi o segundo documentário mais visto de todos os tempos, atrás apenas de Fahrenheit 9/11, de Michael Moore.

No deserto branco, o embate entre a vida e o inverno é tocante. Quem vencerá?

[Ao som de: Nina Simone / The Best of (s/d; Sum Records), em homenagem ao Pedro]

Uma Boa, Outra Ruim

Mais um escândalo político parece abalar a administração Bush. Enquanto isso, cientistas da Universidade da Califórnia estão prestes a concluir projeto que revolucionará a maneira como fazemos escolhas.

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