blog do escritor yuri vieira e convidados...

E as meninas sumiram…

Ao checar meus emails hoje de manhã, dei risada de uma mensagem encaminhada pela querida Lunaroja! É, daquelas mesmo, em powerpoint, e que recebemos sempre!!! Diz uma certa autora desconhecida:

“Gostaria de saber quem foi a mentecapta, a matriz das feministas que teve a infeliz idéia de reivindicar direitos à mulher e por quê ela fez isso conosco, que nascemos depois dela. Estava tudo tão bom no tempo das nossas avós, elas passavam o dia a bordar, trocar receitas com as amigas, ensinando-se mutuamente segredos de molhos e temperos, de remédios caseiros, lendo bons livros das bibliotecas dos maridos, decorando a casa, podando árvores, plantando flores, colhendo legumes das hortas, educando as crianças, freqüentando saraus. A vida era um grande curso de artesanato, medicina alternativa e culinária.

Aí vem uma fulaninha qualquer que não gostava de sutiã nem tão pouco de espartilho, e contamina várias outras rebeldes inconseqüentes com idéias mirabolantes sobre ‘vamos conquistar o nosso espaço’.

Que espaço, minha filha? Você já tinha a casa inteira, o bairro todo, o mundo ao seus pés. Detinha o domínio completo sobre os homens, eles dependiam de você para comer, vestir, e se exibir para os amigos, que raio de direitos requerer? Agora eles estão aí, todos confusos, não sabem mais que papéis desempenhar na sociedade, fugindo de nós como o diabo foge da cruz. Essa brincadeira de vocês acabou é nos enchendo de deveres, isso sim.

Conseguiu nos lançar no calabouço da solteirice aguda. Antigamente, os casamentos duravam para sempre, tripla jornada era coisa do Bernard do vôlei – e olhe lá, porque naquela época não existia Bernard do vôlei. Por quê, me digam por quê um sexo que tinha tudo do bom e do melhor, que só precisava ser frágil, foi se meter a competir com o macharedo? Olha o tamanho do bíceps deles, e olha o tamanho do nosso; tava na cara que isso não ia dar certo.

Não agüento mais ser obrigada ao ritual diário de fazer escova, maquiar, passar hidratantes, escolher que roupa vestir, nem ter que sair correndo, ficar engarrafada, correr risco de ser assaltada, de morrer atropelada, passar o dia ereta na frente do computador, com o telefone no ouvido, resolvendo problemas. Não era muito melhor ter ficado fazendo tricô na cadeira de balanço?

Somos fiscalizadas e cobradas por nós mesmas a estar sempre em forma, sem estrias, depiladas, sorridentes, cheirosas, unhas feitas, sem falar no currículo impecável, recheado de mestrados, doutorados, e especificações (ufffffffffffffffffff!!!!!!!)… Viramos super mulheres, continuamos a ganhar menos do que eles.

Chega!!!!

Eu quero alguém que pague as minhas contas, abra a porta para eu passar, puxe a cadeira para eu sentar, me mande flores com cartões cheios de poesia, faça serenatas na minha janela (ai, meu Deus, já são 7:30h, tenho que levantar!), e tem mais, que chegue do trabalho, sente no meu sofá, coloque os pés para cima e diga ‘meu bem, me traz uma dose de café, por favor?’.

Descobri que nasci para servir. Vocês pensam que eu to ironizando? To falando sério! Estou abdicandodo meu posto de mulher moderna…. Troco pelo de Amélia, alguém se habilita?”

No gole seguinte de café, meu sorriso se desfez. Será isso risível mesmo?

Ihhh, começou! Essa mania besta de pensar sobre coisas que possivelmente só causariam certo riso, talvez seriam encaminhadas para mais umas outras tantas amigas e iriam acabar na lixeira eletrônica…Droga! Agora, vou perder meu dia preguiçoso de inverno na varanda lendo em voz alta “Great Expectations” para os meus periquitos, só para concluir algo a respeito! Não me emendo! Saco, viu?!

Na verdade, ando experimentando exatamente o que se reinvidica (com a Maria Betânia cantando ‘Ronda‘ no fundo, ui!) no dito texto. Desde que “casei e mudei”, passo meus dias pesquisando receitas e fazendo da casa um lar; ando à toa pelos parques à tarde, quando tem sol, e espero marido com o café pronto… Mas, será que isso me faz mais feliz e sortuda que as mulheres que conheço? Aquelas que têm que acordar cedo para um dia corridíssimo e estressante, que ao final lhes renderá menos dinheiro que para o colega do sexo oposto, e ainda têm a pachorra de se fazerem sempre belas para homens já não tão certos do que querem ou do que são? Segundo o texto, sim! É o “sonho de consumo” de todas elas!

Se é assim, porque ainda me entedio muito quando termino a dobradinha matinal café-jornais &correspondência e me sinto uma inútil algumas horas por dia?

Sim, minha mãe trabalhava horrores e eu já nasci cansada. Eu mesma estudei muito por mais de duas décadas e já matei muito leão diário; com jornadas de até 18 horas, inclusive ouvindo frases clássicas como “mas, é essa menina a doutora?”; mais ou menos como quase todas as minhas amigas.

“Ah, tá vendo?”, diria a anônima autora do e-manisfesto, “você está é contaminada ainda pela sua vida anterior, por isso não consegue desfrutar as maravilhas de poder recriar o universo feminino dos Anos 1950, quando as mulheres não reclamavam de tripla jornada e de tanta solidão, e nem morriam de câncer de mama aos 27!”.

Ponto pra ela!

Não me convenço ainda! Não posso me render sem luta, afinal, e aqueles sonhos antigos de fazer diferença no mundo, de criar algo único, como uma carreira, por exemplo? E a individualidade? E a opinião? A liberdade de pensamento? Não serviram de nada tantas discussões (com outros homens inclusive) acaloradas em butecos e cafés? Nossa! E a autonomia?

“Bobagem, sua tola!”, retruca a moça desesperada, “autonomia para fazer malabarismos para pagar as contas? Individualidade para escolher o canal e o porcaritos quando assitir TV sozinha noite após noite? E que diferença no mundo você fará sendo mais um número nas estatísticas cruéis envolvendo mulheres?”!

Mais 100 pontos pra ela!

(Meu Deus, no masculino mesmo!, estou perdendo os meus argumentos! Começo a me desesperar!)

Ei, e o respeito do sexo oposto? (tirei essa da bacia das almas, heim!?) Claro, ninguém dá valor ao que é proferido por uma boca encarnada e “botocada”, emoldurada por louras madeixas e que não declara imposto de renda! Uma mulher ativa social, intelectual, política e profissionalmente tem muito a dizer e obviamente é sempre ouvida! (e um sorriso titubeante, mas quase triunfal vem à minha boca)!
“A despeito das piadinhas misóginas contadas no banheiro masculino enquanto ela se desdobra pra ter a atenção dos ouvintes na sala?”, revida a anônima! “Ihhhhhh! Tá se debatendo e se afundando cada vez mais nas próprias razões…”!!!

Claro! É isso! Ainda tenho os meninos do Garganta de Fogo na manga! Amigos de longa data e vários debates regados de cerveja a café, eles fazem até campanhas, muito originais, para que as meninas colaboram mais amiúde com seus textos, com suas idéias, percepções…Até elogiaram publicamente minha “ponderação”, mesmo discordando do que foi dito!! Sim, tá vendo, sua louca machista? Eles próprios admitem que sem a nossa presença, o “clube do bolinha de fogo” perde muitíssimo!, grito orgulhosa lá da cozinha!!!

Êpa, peraí!, páro um segundo! Agora me lembro que já postei quase 10 textos nesse altaneiro blog, mas ainda hoje preciso enviá-los ao email do e-Ditador se quiser tê-los publicados! Sim, não posso fazê-lo diretamente porque não tenho senha para os Gargantas…

Hummmm, interessante!

Minha querida, finalmente digo sorridente, senta aí que eu vou fazer um café pra nós duas. Sabe, temos muito o que “tricotar”! Ah, vou trazer também uns muffins que assei hoje cedo, é uma receita nova que a vizinha me passou. Uma delícia! O Marc a-do-rou! Mas, diga lá, o que eu faço mesmo com o calhamaço da Beauvoir lá na estante?…

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Ilustração: (foto – Housewife in Kitchen, 1940; Photo by Victor Keppler; Courtesy George Eastman House).

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4 Comments

  1. Paulo Paiva

    Rosa, como direi… é… bem… Acho que o Yuri vai TER que se explicar! Como assim vc não tem A Senha? Isso é um absurdo! Não pode mais continuar assim! Gasp!

    Foi um boa saída, não? 😉 e :-*

  2. Todo mundo tem a senha. Me desculpe, Rosa, pensei que vc não entrava porque não queria. Aliás, eu pensei que vc preferia me enviar os textos e que por isso não publicava por si mesma. A senha que criei pra vc segue o mesmo padrão simplérrimo da senha que criei para os demais, que, conforme digo a todos, deve ou deveria ser posteriormente modificada. (Quem se lembra da própria senha inicial já sabe qual é a sua senha.)

    O Ronaldo Roque também tem a senha dele mas sempre me envia os textos para que eu publique. Eu confio em vcs, podem publicar o que quiser. Se vcs preferem que eu leia antes, a decisão é de vcs, não faço questão.
    Besos!

  3. Nobre Colega e Estimada Amiga das Antípodas,

    Ainda não são 8 horas da manhã de uma noite mal dormida após um dia longe do filhote, pois tive que terminar um trabalho da bendita especialização da ‘Puliça’ e estou no escritório para protocolar uma petição no TRE, daquelas com o prazo em horas.

    Confesso que aquele e-mail (o que recebi já foi para a lixeira) chegou num dia mais ou menos parecido com o de hoje, com o detalhe de que estava irada com o fato de fazer tudo sozinha e ainda ter um néscio para importunar-me, ainda que de longe – menos mal. Daí o fato de tê-lo compartilhado com as amigas que reputo imersas na rotina dita “da mulher moderna”.

    Admito também que agradeço aos céus por ter nascido num dia frio de maio de 1972 lá nas Minas Gerais – berço da cultura feminina de bons modos, bordados, quitutes e moças casadoiras – num período de transição e evolução das fases da ‘condição feminina’.

    O indigitado texto eletrônico – com minha ira amainada e uma segunda leitura perfunctória – merece a lixeira mesmo e a autora anônima deveria buscar a notoriedade e algo de ‘trabalho e amor’ do Freud para encontrar-se no mundo feminino-feminista e sair do anonimato.

    Não troco meus sutiãs por nada no mundo e se ainda houvesse espartilhos não duvidaria em usá-los (ainda que a minha cintura mesmo após o parto normal – mulheres ainda fazem parto normal – possa prescindir de cintas e macaquinhos Yoga, daqueles métodos de tortura feminino-feministas).

    Não troco também a liberdade de ser mãe sem a tal presença masculina originária de um filhote precioso que me ancorou em Goiânia e desanuviou as idéias e firmou-me no mundo. Esta criatura também é motivo de todo o ritmo feminista que orienta minha vida hoje, com direito a fugir do escritório para festas do dia das mães e dos pais (ainda fazem isso), reuniões com as Tias do colégio, festas juninas, presentes de aniversários de coleguinhas comprados em cinco minutos no caminho de casa e o colégio. Isso sem contar dias de prazo e febre de menino, com os passeios nas urgências médicas pelas noites e fins de semana (não adoecem de dia). E o bárbaro de ser mulher hoje é que podemos fazer tudo isso sozinhas.

    Em meio a tudo isso, posso ser a namorada, a mulher, encontrar tempo para leituras supérfluas ao mundo jurídico, mas que são um alento para viver e imprescindíveis para meus dias (a propósito, desci da Montanha Mágica, cara Rosa!!). Também consigo descombinar uns cafés, sem minha companheira de descombinado, mas ainda há tempo para sonhar nos cafés goianos (aliás, estamos carentes deles).

    Também pego uns pedados matutinos das receitas da Ana Maria Braga, visito sítios de receita: http://www.joseandres.com (deliciosas e práticas)
    http://maisvoce.globo.com/culinaria.jsp?id=11093 (fiz outro dia e ficou ótima, quem deu a sugestão foi uma velhinha alemã, ao vivo!! Gostei do nome da receita Picada de Abelha ou bienenstich….).

    Só não consigo começar a colcha de Patchwork que quero fazer, mas nalguma hora sai! Já comprei os paninhos em BH.

    Dedico-me também a construir um lar… ou reforma-lo à custa de muito labor e sonhos. E você foi embora sem conhece-lo!!

    Tudo na sua medida, cara amiga. Nísia Floresta, uma precursora de nossas idéias libertárias (suspeita-se que se envolveu com Comte), que o diga: http://www.editoramulheres.com.br/cartasnisia.htm.

    Que sejamos todas muito felizes, femininas, feministas, mulheres plenas, com dias corridos, despertares apressados, poucos dormires, algumas olheiras, receitinhas frescas, flores no jardim, meninos catarrentos e amores com muito amor.

    É isso amiga.

    Ah!! Ainda há que contar coisas sobre os filhos que só interessa a própria mãe, mas que insistimos em compartilhar com os demais sofredores ouvintes: Pedro fez um avião para ir até a Nova Zelândia para conhecer um Kiwi, não o seu, mas o pássaro mesmo. Felicidades femininas, delicadas, fortes e intensas, como só nós podemos ser, com ou sem senha!

  4. Minha LunaRoja, mais preciosa com o passar dos dias, chorei…

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