blog do escritor yuri vieira e convidados...

Autor: daniel christino Page 4 of 12

Pela janela

Da janela da minha sala na Universidade eu vejo um recorte geométrico do bosque. De vez em quando passam guinchando alguns macacos-prego, como num documentário do Discorevy Channel. Olham-me com urgência, assustados. Desacostumados ao pasmo sempre renovado de ver, em seu aquário de aridez, um ser humano, parecem interrogar-se sobre a possibilidade evolutiva de um animal tão estranho. E eu observo de volta. Um deles, uma fêmea, traz nas cócoras seu filhote. O macacaquinho se agarra firmemente ao pêlo da mãe, enquanto ela salta de árvore em árvore, agilmente, tentando encontrar alguma lata de refrigerante ou restos de um salgado comido pelas metades.

Numa outra janela piscam anúncios em flash. Dentro dela (ou fora daqui!) alguém me diz que uma menina foi atirada pelo pai e pela madrasta do apartamento onde moravam, no sexto andar. Eu observo os acusados jurarem inocência. Estou espantado. Noutra reportagem o apresentador se pergunta porque o caso mobilizou tanto a atenção das pessoas. Assisto a matéria. Fala um psicanalista, um sociológo e outro psicanalista. Nenhum deles diz nada sobre o repórter nem sobre o programa. O interesse das pessoas é tratado como um fato natural e a peça jornalística que nos convoca a atenção não é tematizada. É como se não estivesse lá, como se fosse transparente.

Sinto-me dentro de um cubo geométrico translúcido. A metáfora das janelas se desdobra em várias faces. Eu vejo os macacos, que me vêem, e vejo os pais da menina que não me vêem e vejo a forma de expressão da manipulação dos interesses, que não quer ser vista. Só não vejo a inocência, só não vejo o humano. A inocência atravessou a janela e se espatifou no gramado úmido.

Talvez o combustível da emoção seja o pathos da morte. Não uma morte qualquer. Não uma boa morte, coroação de uma vida plena. Mas a morte da inocência, o terror. Um pathos egóico, sem dúvida, porque vivido na tensão interior do expectar. Não o pathos da vida, a compaixão, mas o pathos associado, desde Aristóteles, às narrativas trágicas. Muitos de nós vivenciamos a morte de Isabella Nardoni pelas narrativas elaboradas pela mídia, embora ela se esforce para nos convencer de que é apenas uma janela, um meio através do qual algo nos vem ao encontro. Por que esta tragédia – assim como várias outras – nos mobiliza a atenção? Exatamente porque é uma tragédia. Porque o drama nos é apresentado num esquema estruturado de compreensão, cujos elementos nos exigem uma determinada emoção, como num script cognitivo vivenciado milhares de vezes.

Mas o terror, por outro lado, é real. A própria idéia de que a inocência está sob constante ameaça no mundo nos enche de pavor verdadeiro. Quanto mais repassamos, auxiliados pelas reconstituições minuciosamente ilustradas dos portais da Web, o que pode ter acontecido no apartamento, mais nos assustamos com o que nós somos. A forma nos ajuda e nos afasta desta disposição para o terror. Ela trai e adia esta experiência fornecendo um esquema conhecido de interpretação, ela nos torna expectadores; põe grades na janela, nos impendindo uma “queda em si”.

Na verdade se pudéssemos atravessar o palco e espiar as coxias do teatro do simbólico, perceberíamos o caráter farsesco de todo este drama. No jogo absurdo de janelas, caro leitor, algo nos elude. Na transparência entrevemos algo opaco, brumoso, adiáfano. E o que encontramos – perdidos na vertigem do olhar – não é outra coisa senão um enorme e polido espelho. E nele, a nos fitar, nossos olhos enormes de macaco.

Falando em milagres

Já que o Ronaldo resolveu falar sobre milagres – com seriedade, diga-se – deixo aqui minha contribuição nada séria.

Isso é que é milagre, né não?

Isso é que é milagre.

O mundo pode acabar neste inverno

Tô pensando em comemorar meu aniversário mais cedo este ano. Por via das dúvidas. O motivo: no próximo verão europeu entrará em funcionamento o Hadron Collider – uma espécie de forja artificial para trombadas de prótons. Segundo Walter Wagner e Luis Sancho, que entraram com um pedido de suspensão do projeto numa corte federal do Havaí (os EUA são parceiros da geringonça européia), as conseqüências podem atingir uma escala astronômica. Os argumentos: o funcionamento do acelerador pode gerar um buraco negro em pequena escala ou liberar um tipo especial de matéria quântica que poderia causar uma reação em cadeia e reduzir a terra a um pedaço de “matéria estranha” (seja lá o que isso for). O surreal, entretanto, é que os cientistas, em vista dessas possibilidades, resolveram conferir seus cálculos. Não sei o que é mais assustador. A natureza quase absurda dos argumentos levantados por Walter e Luis para pedir o fechamento do projeto ou o fato dos cientistas responsáveis, em certa medida, levarem estes argumentos a sério. Em todo caso, aproveitem bem este primeiro semestre. Aqui o link para a matéria do NYT

Monstruosidade

Em 1991, quatro amigos meio entediados com o dia-a-dia do curso de Jornalismo da UFG decidiram fazer uma festa diferente de tudo quanto rolava na época (a mania era acrescentar “a festa” depois do nome, p.ex., medicina, a festa!). Ao mesmo tempo, um amigo comum – Júlio Vann – comentou sobre um bar no centro de Goiânia – Controvérsia, antigo Querelle – precisando desesperadamente de algum evento para ampliar a clientela, muito restrita e muito underground. Santa conveniência celebrou o casamento. Os amigos eram eu, Yuri, Leo Rasuk e Luis Fernando Pudim.

E não é que hoje eu leio, no Popular, que o selo musical do Leo, a Mostros Records, firmou um acordo com a Trama – do irmão da Maria Rita – e muito provavelmente será um selo escancaradamente nacional este ano. E isso 10 anos depois de começar, com a primeira edição (festa?!) do Goiânia Noise.

O Leo é um cara quieto. A fim de planejar a festa, fomos para o apartamento dele num edifício da T-9. O que me espantou não foi tanto seu empenho em nos deixar a vontade, mas a imensa aparelhagem de som que ocupava uma parede inteira da sala. Enquanto eu e o Yuri discutíamos alguma coisa, ele o Pudim conversavam sobre a lista de músicas da festa (lembro-me deles pararem a festa para tocar a introdução de Carmina Burana antes da música Losing my Religion do REM). O Leo sempre foi completamente apaixonado por música. E gostava de manter-se atualizado em relação aos lançamentos e bandas internacionais. Daí o dito pelo João Marcello Bôscoli não soar novo para mim.

Para João Marcello Bôscoli, músico, produtor e diretor artístico da gravadora paulista Trama, o fato de a Monstro estar fora do chamado eixo gravitacional do mercado cultural brasileiro (Rio-SP) foi uma dificuldade que acabou virando um diferencial. “Se você pensar em termos de mídia, de maior projeção no início, sim, estar fora do eixo é um problema. Mas a honestidade estética desses caras foi tanta que eles viraram um eixo. Não adianta tergiversar, a Monstro hoje é o maior selo de rock do País”, diz o filho de Elis Regina, comentando que “o aspecto artesanal” e o “carinho no processo de produção dos discos” são as coisas que mais o agradam no trabalho da Mostro.

Ele planejam também abrir uma editora este ano. Parabéns Leo. Você merece. Abaixo vai a programação da Mostro para o ano.

Confira a programação da Monstro para este ano, em comemoração aos dez anos do selo e produtora:

¤ 27 de março – lançamento do novo CD da banda Violins (Rendenção dos Corpos)
Local: Bolshoi Pub

¤ 10 de abril – lançamento do novo CD da Jupiter Maçã (Uma Tarde na Fruteira)
Local: Bolshoi Pub

¤ 18 de abril – show Music for Anthropomorphics, baseado no disco da Mechanics (com participação de Fabio Zimbres)
Local: Centro Cultural Goiânia Ouro

¤ 8 de maio – lançamento do CD Macaco Bong (Artista Igual Pedreiro)
Local: Bolshoi Pub

¤ 23 a 25 de maio – 10ª edição do Festival Bananada
Local: Centro Cultural Martim Cererê

¤ 19 de junho – lançamento do CD da banda Sick Sick Sinners (Road to Sin)
Local: Bolshoi Pub

¤ 5 de julho – Festa Monstro 10 Anos
Local: Ambiente Skate Shop

¤ 1º e 2 de agosto – 3ª edição do Antimúsica Rock Festival
Local: Centro Cultural Martim Cererê

¤ 19 a 21 de setembro – 4ª edição da Trash – Mostra Goiânia de Video Independente
Local: Centro Cultural Goiânia Ouro

¤ 18 de outubro – lançamento oficial da 14ª edição do Goiânia Noise Festival, com a banda Mudhoney (EUA)
Local: Centro Cultural Oscar Niemeyer

¤ 21 a 23 de novembro – 14º Goiânia Noise Festival
Local: Centro Cultural Oscar Niemeyer

Ibama investe em recuperação de área devastada

Não sei porque todo esse mafuá em relação aos gastos do Ibama via Siafi. Eu acho normal. Vejam a matéria abaixo, direto do Popular

Depois dos cartões corporativos, agora é o Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi) que pode estar sendo utilizado para gastos irregulares de recursos públicos. O POPULAR apurou que a Superintendência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) de Goiás gastou pelo menos R$ 23,39 mil com serviços de uma clínica de estética entre 2005 e 2007. O próprio Ibama e o Ministério Público Federal (MPF), que já estão investigando o suposto desvio, acreditam que o rombo pode ser ainda maior.

Os pagamentos, segundo as investigações, seriam efetuados de forma irregular pelo Siafi, camuflados juntamente com outras transferências de valores referentes a despesas regulares do órgão, como pagamento de conta telefônica. O Ibama teria detectado a suposta irregularidade no último dia 15, após ser questionado por um jornal carioca sobre despesas com a empresa Angela Karina Centro de Estética Ltda. As informações estavam no Portal da Transparência, que publica os gastos do governo federal.

Segundo a prestação de contas do instituto, em 2005 foram gastos R$ 3.837,42 com o centro de estética. Em 2006 foram R$ 9.523,87 e em 2007, R$ 10.038,64. A discriminação dos supostos serviços prestados pela empresa, segundo publicado no Portal da Transparência, indicam gastos com “locação de mão-de-obra”, “material de consumo” e “outros serviços”. A clínica, que fica no Setor Marista, segundo funcionários, oferece tratamentos estéticos como limpeza de pele, maquiagem definitiva, peeling, hidratação, drenagem linfática e banho de lua.

Ora, toda área devastada merece investimento para sua recuperação.

A porta estreita

É realmente estreita. Já dizia André Gide, num romance homônimo que tomei emprestado da Rosa há muito tempo. A expressão, na verdade, é do evangelho de Mateus (“Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta e espaçoso o caminho que leva à perdição”). Significa o que você acha que significa: é difícil seguir pelo caminho correto, porque é cheio de sacrifícios.

Obviamente tinha a ver com a época – “naquele tempo” os cristão eram perseguidos, torturados, queimados ou devorados vivos por leões, além, é claro, da crucificação que dispensa comentários. Então escolher o cristianismo era quase sempre escolher a dor e o sacrifício. Mais fácil seria contemporizar com o poder.

Atualmente a expressão tem outro significado. Ainda significa que há um custo existencial muito pesado em ser cristão (em qualquer denominação). Nada exemplifica melhor isso do que um post do Tio Rei sobre a morte do terrorista Imad Mughniyeh. Justificando sua felicidade com a morte do assassino, diz Tio Rei

O que fazer diante desse delírio? Entregar-se em holocausto? Ficar esperando o próximo ataque dos Imads? Oferecer a outra face? A nossa face ou a face da imensa massa de inocentes mundo afora? Olhem aqui: não preciso recorrer a Deuteronômios para endossar o ato. Apelo ao direito à autodefesa. Temos de fazer, nesse caso, como Nasser fez no Egito, em 1966, com Sayyd Qutb, então principal ideólogo da terrorsita Irmandade Muçulmana: forca. Anuar Sadat, lembram-se dele?, resolveu relaxar o cerco à turma. Foi assassinado. A morte de qualquer homem nos diminui. A de um terrorista nos eleva e consola. E nada nos impede de rezar por sua alma.

Pois é. Em outro lugar ele diz coisas como “dá pra matar, de modo cristão (afinal, aquele livro do Velho Testamento é acatado pelos católicos), apelando à letra do texto bíblico”. Obviamente, ele não poderia citar o Novo Testamento.

Tio Rei faz parte de um grupo de católicos associados a um tipo ideal (Weber) de religioso exemplificado pelo personagem de Robert De Niro no filme A Missão – o outro tipo, também ideal, é o personagem de Jeremy Irons. Se vocês se lembram do filme, enquanto uma expedição espanhola se preparava para dizimar a tribo indígena na qual estão os dois religiosos, cada um assume uma postura diferente diante do destino. Enquanto o personagem de Irons organiza um procissão, De Niro organiza uma defesa: arma os índios e prepara armadilhas. Representam duas formas de catolicismo, igualmente presentes no livro (e filme) A Última Tentação de Cristo: a cruz e o machado. Já sabemos a opção de Cristo.

O problema com a postura do Tio Rei é apenas um: sob determinadas condições, a vida deixa de ser um valor. Simples assim. Quais as condições? Autodefesa (dele? como assim?). E quando nossas vidas estão em perigo? Quem é o juíz disso? Quem, no mundo humano, está em condições de julgar a vida de um indivíduo? Difícil.

Eu sei que nem preciso dizer, mas direi assim mesmo: se alguém quiser me matar, vai encontrar resistência. Pelo simples motivo de que quero continuar vivo. Se precisar matar quem me ameaça, eu o farei. E não irei para o inferno por isso. Logo, eu não tenho problema com a morte de um terrorista. Poderia justificar a pena de morte pelo mesmo argumento? Sim, mas não justifico, porque o problema da pena de morte é assumir que uma entidade abstrata e não humana, o Estado, tenha condições de julgar sobre a vida ou a morte de alguém.

Mas um cristão tem um problema um pouco maior do que o meu. Vejam, Moisés foi punido por matar um egípcio. Porra, Moisés era o cara que conversava com Deus – ele não falava com mais ninguém! Será que ele não se arrependeu? Provavelmente, mesmo assim o Deus-Pai (e não o Deus-Trino) do antigo testamento não permitiu-lhe entrar na terra prometida. Pedro foi admoestado por Jesus por cortar a orelha de um centurião romano. Uma pletora de Santos poderia ter resistido e lutado contra seus algozes, mas morreram como mártirs. Os exemplos abundam.

O que o Reinaldo está fazendo é perigoso para um católico. Lembrou-me aqueles monges com crucifixos em riste para que os hereges pudessem beijá-los enquanto ardiam nas fogueiras. Joana D´arc talvez seja o melhor exemplo de todos. Queimada viva e depois canonizada. É coisa da teologia medieval, dos milles Christi. Do que estou falando? Da relação entre uma ação e as conseqüências morais que daí derivam. Desconfio que o critério do Tio Rei é por demais utilitarista. Afinal, quantas pessoas não saíram lucrando com a morte do terrorista? Mas o princípio moral cristão não é utilitarista. Ele não pergunta quem sai ganhando com isso. Se o fizesse, justificaria todas as mortes em nome do bem comum. Justificaria também as mortes do Estado em nome do bem coletivo. Em certo sentido, não há nenhuma diferença entre Stálin e Tio Rei neste particular – apenas, é óbvio, uma diferença de intensidade. A justificativa para a morte é a mesma: o bem dos outros. Ou Tio Rei teme um atentado terrorista islâmico na porta da casa dele?

A porta estreita a que me referia é o fato de que, para um cristão, é melhor dar a vida do que tirá-la de alguém. O cristão confia em Deus, um princípio metafísico que vigora no mundo. E sua confiança é tamanha que ele é capaz de apostar sua vida nisso. O fato de que precisamos matar para nos defender diz apenas que nossa fé na intervenção divina é menor do que deveria. Um cristão não está indefeso diante de um terrorista, ele está com Deus e não há proteção maior. É uma loucura pensar assim? Se for, meu amigo, então é cada um por si, porque a “bala perdida” está mesmo perdida. É tudo randômico e nós temos que cuidar de nós mesmos. Se não é assim, então eu posso me tranqüilizar e continuar vivendo minha vida normalmente, porque Deus está comigo.

Talvez ele não tenha pensado bastante sobre isso, mas não creio que seja o caso. Ele já defendia postura igual na época da revista Primeira Leitura. Também não dá para imaginar que ele não tenha entendido direito o catolicismo, ele corrige até tradução de texto do Papa. Quando eu disse, noutro lugar, que havia uma “luxúria de morte” incrustrada na teologia cristã, era a isso que eu me referia.

O delírio, segundo Dawkins

O livro, como um todo, não passa de um grande panfleto. É escrito em linguagem comum e, realmente, não creio que seja sensato esperar de um cientista uma argumentação filosófica erudita e profunda sobre um fenômeno que, claramente, o incomoda apenas em seu aspecto político. Dawkins já resolveu, para si mesmo, a questão; e está discutindo com o cidadão médio que ele acredita ser capaz de cair nas armadilhas retóricas de gente como o tal patriarca da família maluca que o Louis Theroux mostrou no documentário (eu vi e até agora acho difícil acreditar).

Por outro lado isso não invalida o núcleo de sua argumentação. De tudo o que eu li, o argumento que o Dawkins considera mais relevante é contra a inferência do Design, ou seja, a idéia de que podemos derivar da complexidade de um objeto o fato de que ele foi feito por uma consciência racional. O contra-argumento dele envolve uma analogia muito interessante com um 747. Vou citar o Dawkins:

O nome vem da interessante imagem do Boeing 747 e do ferro-velho de Fred Hoyle. (…) Hoyle disse que a probabilidade de a vida ter surgido na Terra não é maior que a chance de um furacão, ao passar por um ferro-velho, ter a sorte de construir um 747.

O cidadão americano

Direto do blog do Hermenauta – e das minhas saudosas aulas de Antropologia no curso de Jornalismo da UFG, em 1991.

O cidadão norte-americano  
Ralph Linton, antropólogo 

“O cidadão norte-americano desperta num leito construído segundo padrão originário do Oriente Próximo, mas modificado na Europa Setentrional, antes de ser transmitido à América. Sai debaixo de cobertas feitas de algodão, cuja planta se tornou doméstica na Índia; ou de linho ou de lã de carneiro, um e outro domesticados no Oriente Próximo; ou de seda, cujo emprego foi descoberto na China. Todos esses materiais foram fiados e tecidos por processos inventados no Oriente Próximo. Ao levantar da cama faz uso dos “mocassins” que foram inventados pelos índios das florestas do Leste dos Estados Unidos e entra no quarto de banho cujos aparelhos são uma mistura de invenções européias e norte-americanas, umas e outras recentes. Tira o pijama, que é vestiário inventado na Índia e lava-se com sabão que foi inventado pelos antigos gauleses, faz a barba que é um rito masoquístico que parece provir dos sumerianos ou do antigo Egito.

Voltando ao quarto, o cidadão toma as roupas que estão sobre uma cadeira do tipo europeu meridional e veste-se. As peças de seu vestuário tem a forma das vestes de pele originais dos nômades das estepes asiáticas; seus sapatos são feitos de peles curtidas por um processo inventado no antigo Egito e cortadas segundo um padrão proveniente das civilizações clássicas do Mediterrâneo; a tira de pano de cores vivas que amarra ao pescoço é sobrevivência dos xales usados aos ombros pelos croatas do séc. XVII. Antes de ir tomar o seu breakfast, ele olha ele olha a rua através da vidraça feita de vidro inventado no Egito; e, se estiver chovendo, calça galochas de borracha descoberta pelos índios da América Central e toma um guarda-chuva inventado no sudoeste da Ásia. Seu chapéu é feito de feltro, material inventado nas estepes asiáticas.

De caminho para o breakfast, pára para comprar um jornal, pagando-o com moedas, invenção da Líbia antiga. No restaurante, toda uma série de elementos tomados de empréstimo o espera. O prato é feito de uma espécie de cerâmica inventada na China. A faca é de aço, liga feita pela primeira vez na Índia do Sul; o garfo é inventado na Itália medieval; a colher vem de um original romano. Começa o seu breakfast, com uma laranja vinda do Mediterrâneo Oriental, melão da Pérsia, ou talvez uma fatia de melancia africana. Toma café, planta abssínia, com nata e açúcar. A domesticação do gado bovino e a idéia de aproveitar o seu leite são originárias do Oriente

Próximo, ao passo que o açúcar foi feito pela primeira vez na Índia. Depois das frutas e do café vêm waffles, os quais são bolinhos fabricados segundo uma técnica escandinava, empregando como matéria prima o trigo, que se tornou planta doméstica na Ásia Menor. Rega-se com xarope de maple inventado pelos índios das florestas do leste dos Estados Unidos. Como prato adicional talvez coma o ovo de alguma espécie de ave domesticada na Indochina ou delgadas fatias de carne de um animal domesticado na Ásia Oriental, salgada e defumada por um processo desenvolvido no norte da Europa.

Acabando de comer, nosso amigo se recosta para fumar, hábito implantado pelos índios americanos e que consome uma planta originária do Brasil; fuma cachimbo, que procede dos índios da Virgínia, ou cigarro, proveniente do México. Se for fumante valente, pode ser que fume mesmo um charuto, transmitido à América do Norte pelas Antilhas, por intermédio da Espanha. Enquanto fuma, lê notícias do dia, impressas em caracteres inventados pelos antigos semitas, em material inventado na China e por um processo inventado na Alemanha. Ao inteirar-se das narrativas dos problemas estrangeiros, se for bom cidadão conservador, agradecerá a uma divindade hebraica, numa língua indo-européia, o fato de ser cem por cento americano.”

LINTON, Ralph. O homem: Uma introdução à antropologia. 3ed., São Paulo, Livraria Martins Editora, 1959. Citado em LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 16ed., Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2003, p.106-108]

Quem fala o que quer…

Não sei até que ponto podemos dar um nó na semântica para escapar pela tangente. Sei apenas que a linguagem é um elemento vivo e entre o pensar e o expressar vai uma boa distância. Isso sem falar nos problemas de compreensão. Todavia, acho difícil alguém errar ao interpretar os textos do Reinaldo Azevedo como críticos ao governo – e, em boa parte deles, ele tem razão. Só que parece que o Tio Rei exagerou na dose e, apesar de todo seu cuidado moral, igualou os não-iguais.

Ele fez um balaio de gatos da questão dos cartões corporativos e o tiro lhe saiu pela culatra. Está lá um post de um funcionário de carreira do IBGE contestanto as ilações – e ele realmente fez estas ilações, só não foi saber se o dono do cartão era um indicado qualquer do lulismo, ou um sério funcionário público. E Tio Rei acusou o golpe, publicando, primeiro, o e-mail do funcionário (o meio mais correto de se evitar uma ação criminal por crimes contra a honra); mas se recusando a fazer uma retratação, porém, ao mesmo tempo, fazendo, ou seja, escreveu um post dizendo que não teria dito nada disso e que estava acusando o IBGE – como se, no caso dos cartões corporativos, a instituição não se confundisse com o funcionário (afinal este é exatamente o problema). Pois é, quem fala o que quer…

Superpower Blues

Não, não é o nome de uma banda de blues. É uma excelente crítica sobre alguns lançamentos no mercado editorial americando tratando do excesso de medicamentos contra a depressão e do modo como a doença vem sendo tratada por especialistas, principalmente por psiquiatras. Parece que esse negócio do remedinho da felicidade tá fazendo água.

And psychiatry became Big Science. Because of the speed and effectiveness of the new drugs in treating conditions that traditional therapies struggled with for years, psychotherapists lost their leadership in mental healthcare. Amazing advances in brain imagery and neurosurgery only heightened therapists’ poky obsolescence. The bioengineers took over.

A matéria pode ser lida na íntegra aqui.

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