Quando li Coração de Onça – eu devia ter uns treze ou quatorze anos – eu acreditava que “e Narbal Fontes” fosse o sobrenome da tal Ofélia. Anos depois, li um artigo (no próprio livro, talvez) dizendo que Narbal era o marido de Ofélia e que ambos escreviam a quatro mãos, em capítulos alternados. Isso me deixou impressionado, sobretudo pela coerência da narrativa e pela invariância do estilo. Coração… é um bom livro de aventuras que, não sei por que cargas d’água, ainda não foi adaptado para cinema. Aliás, ele é todo cinematográfico: um rapaz sofre uma desilusão amorosa, entra para uma Bandeira, adquire bócio, é ferido num ataque de índios, perde-se nos sertões do Brasil, vai parar em Potosi, no Peru, onde fica rico com as minas de prata. É a mesma história de Camões: por almejar riquezas visando atrair o amor de uma mulher, o cara se mete em mil e uma roubadas. (Fim da semelhança com Camões.) Ao retornar à sua cidade natal, vinte anos depois, encontra a mulher que ama casada e com filhos. Mas porém contudo todavia, ela tem uma filha linda – muito parecida a si própria quando jovem – com quem ele se envolve. Parece uma novela de TV. Tudo para ser um sucesso. Mas ninguém ainda se tocou… Só que não era bem isso o que eu queria dizer. Minha intenção era apenas falar que deve ser um êxtase escrever um livro a quatro mãos com a mulher amada. Bem, se a afinidade for total, claro. Vai saber se eles não saiam no tapa a cada página…
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As pessoas não têm a menor noção do quão semelhante a esmigalhar com as mãos uma casa de marimbondos é, após ter convivido com ela, escrever sobre Hilda Hilst. Há sempre à espreita uma ou outra viúva ofendida…
Começa assim a nova crônica publicada hoje: “O primeiro telefone celular a gente nunca esquece. O primeiro que usei na vida não era meu. Foi em 1995 e o celular pertencia ao cineasta Nélson Pereira dos Santos…”
Ainda acho que falta uma cena no documentário do Pedro Novaes, uma cena ótima que gravamos com o Carlos Miller, proprietário da Fazenda e Pousada São Bento, na Chapada dos Veadeiros. (Para quem está por fora, o vídeo trata da difícil relação entre os Parques Nacionais e as populações do entorno.) Entre um e outro comentário – que condiziam com minhas próprias opiniões – Carlos Miller soltou uma pérola: “Esses ecologistas aparecem por aqui dando mil palpites, mas só conseguem mesmo reconhecer, em meio à natureza, os pés de maconha…” (Pedro, me corrija se a declaração estiver incorreta, cito de memória.)
Ontem, o Pedro Novaes finalizou – com ajuda da Aline Nóbrega e pentelhação minha – a primeira versão, com vinte minutos, do documentário resultante da nossa viagem à Chapada dos Veadeiros. (A versão final incluirá outros dois parques nacionais.) Com argumento, direção e roteiro dele, devo dizer que ficou ótimo. O vídeo trata da relação difícil entre os Parques Nacionais, encabeçados pelo famigerado IBAMA, e a população do entorno. Há depoimentos bem interessantes. A tônica geral é: o povo reconhece a necessidade de se conservar o meio-ambiente, mas o Estado(IBAMA) não é lá muito aberto às necessidades e à opinião das populações locais. Bem, pelo menos é o que senti. O pedro certamente falaria melhor do assunto.
Clique aqui e saiba como foi assistir ao filme O Exorcista, na Casa do Sol, acompanhado pela escritora Hilda Hilst, pelo poeta, ex-professor de Oxford e ex-detento da ilha do diabo inglesa, Bruno Tolentino, e mais quinze cães.
Numa bienal de livros, me deparo com estranho estande onde se vê um grande recepiente cheio de armas coloridas de brinquedo. Na entrada, a placa: “Troque sua arma de brinquedo por um livro”. Penso: será que essa gente realmente acredita que a violência brota dos objetos e não do obscuro interior humano? Realmente crêem que, tirando um brinquedo de uma criança, a tornará uma pessoa melhor? Não duvidaria nada se, em troca de uma pistola vermelha, cheia de luzes brilhantes, essa gente não daria um exemplar de O Capital pra molecada… Se eu fosse criança, teria ido até lá, com meu livrinho vermelho na mão, e exigido que o trocassem por uma arma laser. Armas de espuleta, de setas, etc. sempre foram meu brinquedo favorito e isso não me tornou um monstro ou uma pessoa violenta. Pobre gente de miolo mole! São todos tão cheios de boas intenções, tão convictos de que há um complô das armas – e só delas – contra a humanidade!
Qualquer um que tenha, digamos, a ousadia de – após a publicação de seu primeiro livro – se auto-intitular escritor – eu por exemplo – não pode senão ficar envergonhado diante da informação de que Georges Simenon escreveu, ao todo, “75 romances e 28 contos com seu mais célebre personagem (Maigret), além de 120 romances psicológicos, 200 romances populares, alguns livros de memórias e inúmeros artigos jornal”. E o pior é que o cara recebeu a maior consideração da parte de seus colegas:
Continuo procurando loucamente uma cópia da carta “From New York to Paulo Francis”, escrita pelo Glauber Rocha, aliás engraçadíssima, na qual ele explica porque Nova York é, como toda grande cidade, um mero agrupamento de cidades do interior, de tribos e pequenas províncias. Depois ele fala de grandes criadores que nunca botaram o pé fora de seus países e da roda-viva dispersante que tais viagens podem efetivamente ser. Se alguém tiver uma cópia dessa carta, por favor, me envie porque há anos não consigo encontrar a que eu tinha. Sempre achei o Glauber melhor escritor que cineasta.
“(…) não há necessidade alguma de separar o monarca da plebe: toda autoridade é igualmente má. Há três espécies de déspota. Há o que tiraniza o corpo. Há o que tiraniza a alma. Há o que tiraniza o corpo e a alma. O primeiro chama-se Príncipe. O segundo chama-se Papa. O terceiro chama-se Povo.”
Oscar Wilde, in A alma do homem sob o socialismo.
