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Categoria: Ciência Page 3 of 29

Tempos para Otimismo ou Pessimismo

Você acha que os tempos são para otimismo ou pessimismo? Eu sinceramente não sei.

Por um lado, discordo do catastrofismo ambientalista por achá-lo iminentemente imobilizador e calcado num deletério idealismo que, no limite, nos proíbe de viver hoje. Por outro, por mais liberal em termos econômicos que me considere, não compartilho a fé cega da economia clássica na inovação tecnológica. Parece-me evidente que há limites físicos reais ao crescimento, não apenas num futuro distante.

Pela sua importância, traduzi o ótimo artigo abaixo do economista Paul Krugman, publicado no New York Times de hoje. Sua pergunta básica é a de se a atual alta nos preços das matérias-primas refletem especulação, descompasso temporário entre oferta e demanda ou se efetivamente significam que estamos atingindo limites planetários.

Se preferir ler o artigo em inglês, clique aqui.

Sem planeta para explorar

PAUL KRUGMAN

Há nove anos atrás, a The Economist estampava uma grande história sobre o petróleo, então à venda a 10 dólares o barril. A revista avisava que isso poderia não durar. Diferentemente, sugeria que o petróleo poderia muito bem cair para cinco dólares o barril.

De qualquer maneira, a The Economist asseverava que o mundo se encontrava diante “da perspectiva de petróleo abundante e barato no futuro visível”.

Na semana passada, o petróleo atingiu 117 dólares.

Não é somente o petróleo que contradiz a complacência de poucos anos atrás. Os preços dos alimentos também dispararam, assim como os preços dos metais básicos. A escalada global nos preços de commodities faz renascer uma questão de que já não se ouvia muito falar desde os anos 70: estoques limitados de recursos naturais representarão um obstáculo para o futuro crescimento econômico mundial?

A forma pela qual se responde a esta pergunta depende essencialmente daquilo que se acredita estar impulsionando o aumento nos preços das matérias-primas. Falando de forma ampla, há três visões rivais.

A primeira é a de que se trata basicamente de especulação: investidores, em busca de altos retornos numa época de taxas de juros baixas, correram para os mercados futuros de commodities, levando para cima os preços. Segundo esta visão, em algum momento a bolha estourará e os altos preços das matérias-primas seguirão o caminho da Pets.com*.

A segunda visão é a de que os altos preços das matérias-primas têm de fato uma base em fundamentos econômicos, sobretudo a demanda rapidamente crescente dos chineses que agora comem carne e dirigem carros, mas que, com o tempo, perfuraremos mais poços, plantaremos mais hectares e a oferta maior puxará novamente os preços para baixo.

A terceira visão é a de que a era de matérias-primas baratas realmente chegou ao fim: estamos ficando sem petróleo, sem terras para a expansão da produção de alimentos e, de modo geral, sem uma planeta para explorar.

Eu me encontro em algum lugar entre a segunda e a terceira visão.

Há algumas pessoas muito inteligentes, George Soros entre elas, que crêem estarmos vivenciando uma bolha de commodities (apesar de o Sr.Soros dizer que a bolha ainda está em sua “fase de crescimento”). Meu problema em relação a esta visão é o seguinte: como estão os estoques?

Normalmente, a especulação impulsiona os preços das commodities por meio da formação de estoques camuflados. Não há, entretanto, qualquer sinal de estocagem camuflada de recursos nas estatísticas: os inventários de alimentos e metais estão próximos de seus pontos mais baixos na história, ao passo em que os inventários de petróleo estão absolutamente normais.

O melhor argumento para a segunda visão, a de que o momento crítico para as matérias primas é real, porém temporário, é a forte semelhança entre o que vemos agora e a crise das matérias primas nos anos 70.

O que os americanos mais se lembram a respeito dos anos 70 são os preços crescentes do petróleo e as filas nos postos de gasolina. Houve também, entretanto, uma severa crise alimentar global, que gerou bastante angústia nas filas dos caixas de supermercados – lembro-me de 1974, como o ano do Hamburger Helper** – e, muito mais importante, ajudou a provocar fomes devastadoras em países mais pobres.

Em retrospecto, o boom das commodities entre 1972 e 1975 foi provavelmente resultado de um rápido crescimento econômico mundial, superando a oferta, somado aos efeitos de um clima ruim e do conflito no Oriente Médio. Por fim, a má sorte acabou, novas terras passaram a ser cultivadas, novas fontes de petróleo foram descobertas no Golfo do México e no Mar do Norte, e as matérias-primas se baratearam novamente.

As coisas podem ser diferentes desta vez, entretanto: a preocupação em relação ao que poderia acontecer quando uma economia em constante crescimento força os limites de uma planeta finito soam mais reais hoje que nos ano 70.

Uma das razões para tanto: não creio que o crescimento chinês venha a diminuir de forma significativa em breve. Isso representa uma enorme diferença em relação ao que se passou nos anos 70, quando o crescimento no Japão e na Europa, as economias emergentes da época, declinou, retirando com isso muito da pressão que pairava sobre as matérias primas do planeta.

Neste meio tempo, as matérias-primas estão cada vez mais difíceis de encontrar. Grandes descobertas de petróleo são hoje poucas e cada vez mais espaçadas entre si. Nos últimos anos, a produção de petróleo a partir de fontes novas mal superou o decréscimo da produção nas fontes já estabelecidas.

E o clima ruim afetando a produção agrícola desta vez começa a parecer mais fundamental e permanente que o El Niño e a La Niña, que quebraram safras 35 anos atrás. A Austrália, em particular, se encontra agora no décimo ano de uma seca que se parece cada dia mais com uma manifestação de longo prazo de mudanças climáticas.

Suponha que realmente estejamos nos confrontando com limites globais. O que isso significa?

Mesmo que se revele que de fato estamos passando pelo ápice da produção de petróleo, isso não quer dizer que um dia iremos dizer “Oh, meu Deus? Acabou o petróleo!” e assistir ao colapso da civilização rumo a uma anarquia ao estilo Mad Max.

Mas os países ricos enfrentarão pressões constantes sobre suas economias oriundas de preços crescentes de matérias-primas, tornando mais difícil elevar os padrões de vida. E alguns países pobres se verão vivendo perigosamente próximos da borda do abismo ou cairão nele.

Não olhe agora, mas pode ser que os bons tempos tenham acabado de acabar.

*A Pets.com foi uma empresa online símbolo da bolha especulativa em torno das ações de empresas da Internet no final da década de 1990.
**Marca de comida semi-pronta nos EUA.

UPDATE: uma tradução do artigo acima foi publicada em 22/04/08 na Folha de S. Paulo (para assinantes UOL/Folha).

O mundo pode acabar neste inverno

Tô pensando em comemorar meu aniversário mais cedo este ano. Por via das dúvidas. O motivo: no próximo verão europeu entrará em funcionamento o Hadron Collider – uma espécie de forja artificial para trombadas de prótons. Segundo Walter Wagner e Luis Sancho, que entraram com um pedido de suspensão do projeto numa corte federal do Havaí (os EUA são parceiros da geringonça européia), as conseqüências podem atingir uma escala astronômica. Os argumentos: o funcionamento do acelerador pode gerar um buraco negro em pequena escala ou liberar um tipo especial de matéria quântica que poderia causar uma reação em cadeia e reduzir a terra a um pedaço de “matéria estranha” (seja lá o que isso for). O surreal, entretanto, é que os cientistas, em vista dessas possibilidades, resolveram conferir seus cálculos. Não sei o que é mais assustador. A natureza quase absurda dos argumentos levantados por Walter e Luis para pedir o fechamento do projeto ou o fato dos cientistas responsáveis, em certa medida, levarem estes argumentos a sério. Em todo caso, aproveitem bem este primeiro semestre. Aqui o link para a matéria do NYT

Pegada de Carbono

GW

O Instituto de Defesa do Consumidor e o Vitae Civilis desenvolveram um calculador de pegada de carbono adaptado para o cidadão urbano brasileiro.

Ibama investe em recuperação de área devastada

Não sei porque todo esse mafuá em relação aos gastos do Ibama via Siafi. Eu acho normal. Vejam a matéria abaixo, direto do Popular

Depois dos cartões corporativos, agora é o Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi) que pode estar sendo utilizado para gastos irregulares de recursos públicos. O POPULAR apurou que a Superintendência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) de Goiás gastou pelo menos R$ 23,39 mil com serviços de uma clínica de estética entre 2005 e 2007. O próprio Ibama e o Ministério Público Federal (MPF), que já estão investigando o suposto desvio, acreditam que o rombo pode ser ainda maior.

Os pagamentos, segundo as investigações, seriam efetuados de forma irregular pelo Siafi, camuflados juntamente com outras transferências de valores referentes a despesas regulares do órgão, como pagamento de conta telefônica. O Ibama teria detectado a suposta irregularidade no último dia 15, após ser questionado por um jornal carioca sobre despesas com a empresa Angela Karina Centro de Estética Ltda. As informações estavam no Portal da Transparência, que publica os gastos do governo federal.

Segundo a prestação de contas do instituto, em 2005 foram gastos R$ 3.837,42 com o centro de estética. Em 2006 foram R$ 9.523,87 e em 2007, R$ 10.038,64. A discriminação dos supostos serviços prestados pela empresa, segundo publicado no Portal da Transparência, indicam gastos com “locação de mão-de-obra”, “material de consumo” e “outros serviços”. A clínica, que fica no Setor Marista, segundo funcionários, oferece tratamentos estéticos como limpeza de pele, maquiagem definitiva, peeling, hidratação, drenagem linfática e banho de lua.

Ora, toda área devastada merece investimento para sua recuperação.

O delírio, segundo Dawkins

O livro, como um todo, não passa de um grande panfleto. É escrito em linguagem comum e, realmente, não creio que seja sensato esperar de um cientista uma argumentação filosófica erudita e profunda sobre um fenômeno que, claramente, o incomoda apenas em seu aspecto político. Dawkins já resolveu, para si mesmo, a questão; e está discutindo com o cidadão médio que ele acredita ser capaz de cair nas armadilhas retóricas de gente como o tal patriarca da família maluca que o Louis Theroux mostrou no documentário (eu vi e até agora acho difícil acreditar).

Por outro lado isso não invalida o núcleo de sua argumentação. De tudo o que eu li, o argumento que o Dawkins considera mais relevante é contra a inferência do Design, ou seja, a idéia de que podemos derivar da complexidade de um objeto o fato de que ele foi feito por uma consciência racional. O contra-argumento dele envolve uma analogia muito interessante com um 747. Vou citar o Dawkins:

O nome vem da interessante imagem do Boeing 747 e do ferro-velho de Fred Hoyle. (…) Hoyle disse que a probabilidade de a vida ter surgido na Terra não é maior que a chance de um furacão, ao passar por um ferro-velho, ter a sorte de construir um 747.

Andando em círculos

Um dos grandes acontecimentos na administração pública de Goiânia, este ano, seria o edital para nova concessão do transporte público da capital. Depois de quase 40 anos sem licitação, novas empresas teriam oportunidade de morder um bolo de mais ou menos 30 milhões de reais mensais, gerados pela demanda por transporte. Mas parece que o dinheiro é pouco. Leio no Popular que ninguém novo apareceu para concorrer com as empresas já estabelecidas na cidade. Ou seja, fica tudo mais ou menos como está. A cidade foi dividida em 5 lotes (o primeiro é o eixo anhanguera, e ele não está incluído na licitação) e apenas 4 empresas fizeram propostas: HP, Reunidas, Rápido Araguaia, Cootego.

A matéria afirma que as regras do novo edital mudaram e que as empresas deverão realizar investimentos em torno de 660 milhões. Não creio. O transporte coletivo da cidade é muito ruim exatamente porque é uma concessão na qual as empresas dividem um bolo sem concorrer entre si. E, além disso, esta licitação vale para os próximos 20 anos. Se até agora estas empresas se mostraram tão sensíveis às necessidades da população quanto um inquisidor medieval diante de um herege, não é porque está escrito em algum lugar que haverá investimento que o investimento virá; e se vier, só Deus sabe em que velocidade e priorizando quais áreas. Será que a CMTC realmente acredita que mordernizar um edital significa colocar mais um milhão de exigências burocráticas sem mexer no modelo de mercado implícito nele?

O problema do transporte é o grande problema desta capital e um dos maiores de qualquer cidade no futuro. Um trasporte coletivo moderno, eficiente é essencial para as pretensões de qualidade de vida de quem mora aqui. E, pelo visto, o futuro de quem anda de carro ou ônibus nesta cidade continuará encurralado em grandes terminais, número insuficiente de ônibus, tarifas altas (será a primeira coisa a sofrer reajuste, logo depois da validação do processo), trânsito caótico – por causa do excesso de carros de passeio, afinal quem vai confiar num transporte deste tipo e deixar seu conforto na garagem? – e na cupidez estúpida de um Estado ineficiente. Talvez a gente consiga, lá frente, morder o próprio rabo. Merecemos.

Você empurraria o gordo?

Segue abaixo o artigo do meu amigo, oftalmologista, colega de mestrado e editor Flávio Paranhos publicado pelo O popular.

Há uma discussão interminável entre a filosofia e a ciência quanto à natureza da ética, que pode ser resumida da seguinte forma. Do lado dos filósofos: “Do ‘assim é’ não se pode derivar o ‘assim deve ser’”. Do lado dos cientistas: “Se do ‘assim é’ não se pode derivar o ‘assim deve ser’, do que, então, se derivará?!”. Os filósofos denunciam a falácia naturalista, os cientistas, a falácia da falácia.

A questão se é legítimo que se derivem normas morais a partir da observação de dados experimentais objetivos (ou mesmo comportamentais subjetivos, de toda forma empíricos, ou seja, baseados na experiência e não na pura especulação teórica) seria resolvida facilmente se limpássemos o meio-de-campo: ética normativa de um lado, ética descritiva de outro. Negar a utilidade da ciência para a compreensão do comportamento moral humano (ética descritiva) é ser ingênuo e turrão (quer ofender um filósofo ou um cientista? Chame-o de ingênuo que ele sobe nas tamancas). Por outro lado, derivar normas disso é outra coisa.

Um recurso muito utilizado pela turma da psicologia que se interessa pelo assunto são os chamados dilemas morais. Há inúmeros deles, alguns retirados da vida real, outros da ficção, e outros ainda montados experimentalmente para testar hipóteses em amostras de populações. A escolha de Sofia (lembram-se do filme, com Meryll Streep?) é célebre: à uma mãe é dada a chance de escolher um dos filhos pra salvar dos nazistas. Se não escolher, morrem os dois, se escolher, morre só um. Isso mesmo. Uma das características dos dilemas morais é que são muito sacanas. Testam o limite, sem dó. Não há saída honrosa. Não há qualquer saída. Quem viu o filme sabe o que aconteceu com Sofia.

O que me traz aqui é outro dilema moral. Foot & Thomson propuseram o “Problema do bondinho”. Numa bela manhã de domingo, você está passeando e vê que um bondinho está desgovernado e indo direto pra cima de cinco trabalhadores. Feliz ou infelizmente, você está exatamente no lugar do controle do bondinho e basta apertar um botão pra desviá-lo. Só que se você fizer isso, ele vai direto pra cima de outro trabalhador. Então? Você mata um, ou mata cinco? Antes que queira bancar o espertinho já vou dizendo que a opção “gritar e alertar os trabalhadores” não está disponível (eu avisei, dilemas morais são sacanas).

Agora uma variação, proposta por Cushman, Young & Hauser. Você está passeando numa ponte e vê o tal bondinho desgovernado em direção aos cinco trabalhadores. Só que desta vez não há botão pra apertar. Só uma coisa pode parar o bondinho, algo muito pesado. E há uma pessoa muito gorda ao seu lado. Não será difícil, pois o parapeito é baixo.

Se você não hesitou em matar o trabalhador sozinho em vez dos outros cinco, na primeira hipótese, mas deixou os cinco morrerem, na segunda, fique tranqüilo. É o que a grande maioria fez. Se respondeu diferente, cuidado, você pode ser um psicopata e não saber. Melhor checar.

Voltaremos a esse assunto em breve, com a perspectiva das neurociências.

Fé no Ministério

Marina

Será que vale o barulho? E se o pastor trabalha de verdade? Cabem cultos religiosos no interior de prédios públicos? Se pode culto evangélico, pode fazer despacho também? O Eco noticia o cargo e as atividades de um pastor da igreja da ministra Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente.

MINISTÉRIO DA FÉ

Aldem Bourscheit

19.01.2008

Um pastor da Assembléia de Deus, mesma igreja freqüentada pela ministra Marina Silva, integra os quadros do Ministério do Meio Ambiente (MMA) desde Agosto de 2005. Ele já usou a estrutura do órgão público para auxiliar na organização de ao menos um evento religioso, em 2007. E, segundo fontes ouvidas no ministério, não foi a única vez. Ele também dirige cultos evangélicos nas salas destinadas ao serviço público federal, freqüentados por servidores de todos os escalões.

A série de palestras, vídeos e debates Os Cristãos e a Criação – Responsabilidade Socioambiental, que começou em 25 de junho e se estendeu até 30 de julho de 2007, lançou a chamada Rede Jubileu da Terra no Distrito Federal. Um panfleto distribuído na ocasião, no Congresso e outros pontos de Brasília, traz o nome do pastor Roberto Vieira e dois números de telefone, um fixo e outro celular. O número fixo é do Ministério do Meio Ambiente, o mesmo divulgado como contato ao pé da página principal da 2º Conferência Nacional do Meio Ambiente – 2ª CNMA, onde Vieira trabalha. O impresso traz um retoque manual, já que os prefixos do MMA foram alterados na mesma época.

O pastor é o carioca Roberto Firmo Vieira, contratado como consultor pelo MMA com dinheiro do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) para ajudar a organizar da Conferência Nacional do Meio Ambiente, evento bienal que reúne ONGs, setor privado e governos estaduais . Aos 50 anos, ele já trabalhou na Empresa de Correios e Telégrafos (1982-1984), no Ministério dos Transportes (2002-2003), na Câmara dos Deputados (2001-2002) e no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (1985-1986), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Sua experiência na organização de eventos inclui experiências como o encontro Com Jesus são Outros 500, na Esplanada dos Ministérios (2000) e ainda a Marcha para Jesus e o Dia dos Evangélicos (2001).

A revolta da vacina no espelho de Alice

Vocês devem conhecer esta história, certo? Em 1904 Oswaldo Cruz, médico e sanitarista, nomeado pelo então presidente da República e respaldado num projeto de lei carinhosamente apelidado pela população de “Código de Torturas”, iniciou uma grande campanha para vacinar a população do Rio de Janeiro contra a varíola. Por motivos políticos ou estúpidos (a disjunção aqui é, obviamente, inclusiva) os jornais lançaram uma campanha contra as medidas e contra o próprio Oswaldo Cruz. A população, armada com a prudência e a inteligência habituais, montou barricadas nas ruas e recusou-se a tomar a vacina. Houve confrontos e morte. Segundo os jornais da época, a informação de que a vacinação consistia na inoculação do próprio vírus nos indivíduos gerou medo-pânico nas pessoas. A estupidez e a falta de educação levaram a culpa.

Mais de 100 anos depois, eu leio no jornal que cerca de 30 pessoas estão internadas – algumas em estado grave – porque tomaram mais de uma dose da vacina contra febre amarela num período inferior a uma semana. Uma vacina cuja imunização dura 10 anos. MEU DEUS DO CÉU!!!! Há mais pessoas hospitalizadas por cauda da vacina do que infectadas. O que está acontecendo com as pessoas? Será que elas confundiram a vacina com vitamina C. “Eu vou tomar duas doses pra ter certeza de que fará efeito”. Ou então “vou tomar duas doses para ficar mais protegido ainda, já que eu vou para Pirenópolis no Carnaval”.

O material combustível da revolta foi a ignorância da população em relação a uma ciência que começava e, por isso mesmo, estava distante do cidadão comum. A idéia de imunizar inoculando a própria doença nos indivíduos é contra-intuitiva e provavelmente difícil de explicar, principalmente numa época em que os índices de analfabetismo eram bastante elevados.

Atualmente, apesar da estupidez atávica da raça humana, a ciência já não é uma desconhecida, a população não é tão analfabeta e o conceito de vacinação ficou banal. Então porque esse medo/pânico? É como no mundo do espelho de Alice. A mesma burrice, mas no pólo oposto. Antes ninguém queria se vacinar, hoje tem gente vacinando-se demais. Só em Goiás, foram aplicadas mais de um milhão de doses. Como o último surto foi em 2000 – e na época foram usadas quase 600 mil doses – tem gente se vacinando sem necessidade. Será que isso é culpa do estridente Oloares, do Goiânia Urgente? Será que a mídia tem algum papel nisso? É…nem todos são atormentados pelo bom senso.

Quando queremos desaparecer?

Artigo do Professor José Eli da Veiga na Folha de hoje.

Ambientalismo, entre crença e ciência

JOSÉ ELI DA VEIGA

“SALVAR O planeta” é uma expressão tão falsa quanto presunçosa. Pois nada que a espécie humana possa fazer afetará o planeta na escala geológica de tempo, de milhões de anos.
Diferentemente do que pretende esse slogan, não é a Terra que está sendo posta em perigo por drásticos impactos ambientais contemporâneos, como aquecimento global, erosão da biodiversidade ou escassez e degradação dos recursos hídricos.
O que está na berlinda é a possibilidade de a espécie humana evitar que o processo de sua própria extinção seja acelerado pela depleção de boa parte dos ecossistemas que constituem a biosfera. Essa fina e delicada camada que envolve o planeta.
Na mesma toada, também é falso e presunçoso o discurso que apresenta a conservação da natureza como forma de “superar as ameaças à vida no nosso planeta”. A continuidade da maior parte das formas de vida -das bactérias às baratas, passando pelas amebas- nem de longe está ameaçada pela capacidade destruidora adquirida pela espécie humana.

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